sexta-feira, fevereiro 26, 2016
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O curta “Em” (2013), do coletivo de cinema paraense “Quadro A Quadro”, leva às
últimas consequências o significado dessa preposição: a intensidade do amor e
do prazer se sucedem nos breves instantes da vida de um casal, mas o Tempo irá
corroer até tudo extinguir, dividindo-os assim como a faca que corta o pão.
Livremente inspirado na poética do paraense Max Martins, o curta consegue, através da linguagem audiovisual, expressar um tema tão abstrato: como o Tempo
manifesta-se dentro de nós. Como introjetamos em nós essa falha cósmica - destruição,
dissipação, morte, entropia.
“Em” – (prep.): Indica o lugar onde, meio, modo, sucessão,
tempo, causa, estado, fim, divisão.
De um lado a intensidade carnal do sexo e do amor; do outro, as
abstrações do tempo e da memória. Momentos de intenso prazer, satisfação e
ludismo. E a ameaça do Tempo que irá acabar com tudo isso e nos separar.
O título “Em” para o curta de Raquel Minervino, do coletivo paraense de
cinema Quadro a Quadro, não poderia ser melhor. Como toda preposição, “em”
estabelece uma relação de tempo, causa ou sucessão entre elementos de uma
frase. Liga elementos que não teriam sentido se fossem dissociados ou
individualizados – no caso do curta o amor e o tempo, o prazer e o fim.
O curta Em é uma reflexão metafísica
livremente inspirado em poema do também paraense Max Martins. Reconhecido pela
sua poética em torno do tempo e do silêncio, Max Martins (1926-2009) perseguia
uma obsessão do Romantismo, embora tivesse tivesse trilhado pelo caminho do Modernismo e
Concretismo: como o homem pode expressar aquilo que está além da linguagem?
Deus, amor, prazer etc. podem ser expressos pela linguagem humana?
Esse é o desafio do curta Em:
mostrar como são indissociáveis o prazer, o amor, o tempo, o fim e a memória.
Vivemos prazeres intensos, amores verdadeiros. Mas o tempo leva embora tudo
isso nos cortando, nos separando, assim como a faca que corta o pão.
O curta mostra um casal vivendo momentos intensos em uma casa: o sexo,
corpos que se tocam, a brincadeira com o cachorro, ler um livro a dois e
brincar juntos. A câmera perscruta esses momentos em big close-ups e planos em
detalhes. Tenta transmitir as intensidades dos momentos daquele casal.
Mas o tempo é a faca que corta o pão: os planos aos poucos começam a
ficar em tons escuros e contrastes fortes. As discussões entre o casal começam.
“Como uma coisa tão boa pode não funcionar mais”, lamentava em 1980 Ian Curtis
na música Love Tear Us Apart da banda
pós-punk Joy Division. O curta Em nos faz lembrar dessa poética
desesperada de Ian Curtis que, assim como o curta, via o Tempo como algo que
pode nos despedaçar.
E finalmente a separação e a morte do amor. Por fazer essa contraposição
entre o físico e o espiritual, o carnal e o abstrato, o curta adquire esse viés
metafísico sobre o amor: por que o Tempo arranca de nós todos esses momentos de
amor e prazer intensos? Por que só nos resta a memória que, por sua vez, é
constantemente corroída pelo Tempo?
O Tempo está em nós? O curta faz esse alerta, citando a poesia de Max
Martins. Nada mais gnóstico do que essa reflexão proposta por Raquel Mervino: o
Tempo é a falha cósmica, aquilo que leva tudo à destruição, dissipação, morte,
entropia. Para os gnósticos, é a prova que a Criação é imperfeita, porque obra
de um Demiurgo que tentou fazer uma cópia da Plenitude, falhou e manteve o
homem prisioneiro em um grande engano.
Se o amor, a alegria, o prazer são o élan da alma que mantém esse cosmos
em funcionamento, o Tempo será aquilo que nos roubará essa fagulha espiritual.
Nos jogará nas trevas da morte para sermos obrigados a recomeçar tudo de novo
do zero, do esquecimento – chamam isso de “reencarnação”.
Por isso o curta Em é lindo e
poético mas, ao mesmo tempo, lúgubre e pessimista: a vida não opera por soma,
mas por subtrações. Exige o melhor de nós (alegria, disposição, amor,
vitalidade, boa-fé, brilho, confiança) para depois arrancar tudo aquilo que foi
construído por essa nossa entrega. Arrancado pelo Tempo, que nos separa e nos
faz esquecer.
Ficha
Técnica
Título: Em
Diretor: Raquel Minervino
Roteiro: Raquel Minervino
Elenco: Raoni Moreira, Vittória Braun
Produção: Cassio França, Marcelo Tavares,Rafael Samora,
Raquel Minervino, Tiago Freitas e Vince Souza, Rodolfo Mendonça
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Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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