Depois dos anos de governos do PT prisioneiros do chamado “efeito fliperama” (sempre reativo à agenda midiática – como bolinhas que batem num fliperama – sem conseguir impor agenda própria), nessas últimas semana o Governo parece ter aprendido: conseguiu reagir à agenda de judicialização e meganhagem que iniciava e conseguiu impor a agenda econômica com anúncio do arcabouço fiscal (no dia da volta de Bolsonaro ao país, evento que “flopou”). Com a ajuda do contra-ataque do depoimento do advogado Tacla Duran incriminando Sérgio Moro. Porém, o tempo está do lado da grande mídia – a âncora fiscal de Haddad precisará combinar com os russos: queda dos juros para o crescimento econômico e da receita; e a colaboração do Congresso para medidas de saneamento fiscal. Rentista, grande mídia avisa que o arcabouço fiscal será uma “longa jornada” e nada será “da noite para o dia”. Isto é, mídia aposta na crise econômica e no “terceiro turno” no Congresso.
“A longo prazo, estaremos todos mortos” (John Maynard Keynes)
O que já estava em germe na obra de Walter Lippmannn “Opinião Pública” (1922), os pesquisadores Maxwell McCombs e Donald Shaw, na década de 1970, tornaram explícita com a teoria Agenda Setting ou “Agendamento”: consumidores de notícias tendem a considerar mais importantes os assuntos que são mais pautados e destacados na cobertura jornalística.
Lippmann falava como “nossas imagens mentais” (a “opinião pública”) eram formadas por um “pseudoambiente” a partir do embate de diferentes agendas de grupos de interesses, líderes de opinião e meios de comunicação. A teoria da Agenda Setting comprovou empiricamente essa tese de Lippmann no estudo em uma cidade da Carolina do Norte para verificar a correlação entre a agenda midiática, a agenda da opinião pública e a agenda dos candidatos nas eleições presidenciais.
De Lippmann à teoria do agendamento de Shaw/McCombs, o que resultou foi a sofisticação da engenharia da opinião pública e a percepção de que a “opinião pública” nada mais seria do que o resultado da uma luta entre os grupos de interesses pela hegemonia da agenda midiática – uma batalha na qual conceitos como timing, acumulação, consonância e onipresença são fundamentais na guerra da modelagem do “pseudoambiente”.
Nos treze anos os governos do PT nunca conseguiram impor uma agenda própria, para fazer um movimento anticíclico contra a grande mídia. Acabou caindo na armadilha daquilo que chamamos “efeito fliperama” (ou “pinball”) – limitou-se compulsivamente ou à reatividade ou a pura e simples estratégia de controle dos danos sucessivos provocados pelas agendas criadas pela mídia e replicada pela oposição parlamentar.
O que criava efeito análogo ao fliperama: com a mesma dinâmica da diversão eletrônica, a grande mídia disparava a bolinha que começava a rebater em pinos e flips, somando pontos - mensalão; caos aéreo; a descontrolada inflação do tomate; as manifestações de rua do “gigante que acordou”; o “terceiro turno”; o “petrolão” etc. – clique aqui.
Elas rebatiam aleatoriamente nos pinos e flips criando ressonância, recursividade, loopings: numa estratégia reativa de controle de danos o governo era obrigado a dar respostas em notas aqui e ali. Dando legitimidade e pertinência ao jogo... e as bolas batiam e rebatiam... tlim!... tlim!... tlim!.... E pontos eram somados num ciclo vicioso infernal.
Controle da agenda
Depois de todos esses anos de guerra híbrida, pelo menos o PT aprendeu uma lição: a guerra da comunicação começa pelo controle da agenda.
Estratégia que a direita alternativa (alt right) conhece desde sempre: controlar a agenda através do caos como método. Basta ver a máquina de promoção semanal de “caneladas” do governo Bolsonaro com o vice Mourão como a “tecla SAP” para traduzir os coices do presidente nos jornalistas no “cercadinho”, a crise do “golden shower” no Carnaval de 2019 que ganhou capa na revista Veja, esporros nas lives semanais, participação em atos golpistas, motociatas, o “manifesto do apocalipse” compartilhado por Bolsonaro nas redes sociais (clique aqui), Xvideos compartilhados pelo Carluxo no perfil do presidente etc.
Aquilo que o linguista Chomsky falou sobre a estratégia de Trump, facilmente aplica-se a Bolsonaro:
Olhe a televisão e as primeiras páginas dos jornais. Não há nada mais que Trump, Trump, Trump. A mídia caiu na estratégia traçada por Trump. Todo dia ele lhes dá um estímulo ou uma mentira para se manter sob os holofotes e ser o centro da atenção. Enquanto isso, o flanco selvagem dos republicanos vai desenvolvendo sua política de extrema direita, cortando direitos dos trabalhadores e abandonando a luta contra a mudança climática, que é precisamente aquilo que pode acabar com todos nós – clique aqui.
Mesmo fora do Governo (auto exilou-se na Flórida para não passar a faixa presidencial a Lula), Bolsonaro não sai das escaladas dos telejornais e capas de jornais: vídeo fazendo compras num mercado e supostamente sinalizando um “apito de cachorro”; o ex-presidente teria estimulado a invasão de Brasília no 08/01? A denúncia do senador Marcos “Swat” do Val sugerindo a participação do ex-presidente numa “tentativa de golpe de Estado”; o episódio da “minuta do golpe”; Bolsonaro discursa em eventos de extrema direita nos EUA; e finalmente o escândalo das joias das arábias – Bolsonaro será preso quando voltar para o Brasil? Não percam os próximos episódios!
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Ilustração: Roberto Negreiros, 2019 |
Agenda de Governo, Agenda de Estado
Desde o Gabinete do Governo de Transição, a grande mídia dava sinais de que não iria respeitar o tal handicap dos “cem dias”: já partiu para o ataque com lobby de jornalistas em frente ao CCBB montando a chantagem da “responsabilidade fiscal”.
O divisor de águas certamente foram os episódios do 08/01: a princípio, os ataques aos prédios dos três poderes deveria ser o evento que complementaria o emparedamento do governo, forçando-o a cair mais uma vez no efeito fliperama: sempre reagir ao invés de pro-agir.
Lula contra-ataca com mais um evento de forte poder simbólico: cruzar a Praça dos Três Poderes caminhando lado a lado com governadores e políticos de todo espectro político, ao vivo nos canais de notícia, todos indo na direção do prédio do STF destruído. Lula ao lado da presidenta do STF Rosa Weber.
Tudo num dia em que presidentes de vários países, além de um telefonema de Biden a Lula, deram apoio irrestrito ao governo eleito.
Resultado: por algumas semanas, Lula passou a ter uma agenda não só de Governo, mas principalmente de Estado.
As duas últimas semanas o timing dos plot twists para reverter a agenda da grande mídia foram perfeitos.
Seguindo o modus operandi de outros episódios (p.ex., o dia da aprovação da Reforma da previdência no Congresso), a Juíza lava-jatista Gabriela Hardt e a PF do Paraná desfecharam a “Operação Sequaz” para desarticular um plano do PCC para sequestrar e matar autoridades, supostamente envolvendo também o senador ex-juiz Sérgio Moro. Foi o contra-ataque lavajatista para responder à hegemonia da pauta econômica que dominava a agenda midiática: primeiro, pelos ataques de Lula ao Banco Central e os juros altos; e depois, o aprofundamento da discussão econômica com evento no BNDES que promoveu o retorno da pauta econômica em alto nível na grande mídia, com debates em torno das críticas à racionalidade da taxa Selic em 13.75% feitas pelo prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz e pelo economista de renome mundial Jeffrey Sachs.
Voltava para a ribalta midiática a judicialização e a meganhagem com o bordão “policiais nas ruas!” exortado por apresentadores na TV.
Apesar do “bate cabeças” entre Flávio Dino e Lula (Lula sugeriu armação na operação da PF... mas Dino tinha conhecimento da ação meses antes), o ministro da Justiça respondeu com a impecável performance na sabatina na CCJ da Câmara.
E Lula saindo sincronicamente de cena acometido por uma “pneumonia leve”, após uma semana de “caneladas” contra o governo.
“Colonistas” da grande mídia festejaram o destempero de Lula e o ex-juiz Moro, até então condenado ao esquecimento pela sua intrínseca mediocridade como “marreco de Maringá”, foi revivido como o cruzado anticrime.
O contra-ataque da agenda econômica
Mas o contra-ataque governista veio já na segunda-feira (27) quando o advogado Tacla Duran prestou depoimento ao juiz Eduardo Appio no âmbito do processo em que é réu por lavagem de dinheiro para a empreiteira Odebrecht. O advogado apresentou provas incriminando Sérgio Moro em práticas criminosas de extorsão na Lava Jato.
Embora escondido nas prime time da grande mídia, o depoimento foi o suficiente para a grande mídia esquecer Moro e retornar à agenda econômica do chamado “arcabouço fiscal” – a demora do anúncio da âncora fiscal parece que foi até proposital: só alimentou a ansiedade dos “colonistas” que quiseram ver nisso uma “crise” interna no governo. A isca foi jogada e a pauta da economia permaneceu na semana.
E, por último e não menos importante, o Dia D do anúncio do “arcabouço fiscal” pelo ministro Haddad (quinta-feira, 30) propositalmente colocado no mesmo dia da chegada de Bolsonaro ao Brasil, esvaziou a estratégia de comunicação do PL. Bolsonaro apostava em mais um momento de caos: ser recebido por milhares de bolsonaristas enlouquecidos, dominando as manchetes e as redes sociais. Alguns até apostavam que algum juiz de primeira instância decretaria a prisão do ex-presidente, propositalmente para criar um fato político explosivo.
Mas a agenda econômica, prioridade para Lula, dominou - estudo realizado pela consultoria Genial Quaest revelou que as novas regras fiscais do país foram mais comentadas nas redes sociais do que o retorno do ex-presidente.
De acordo com o levantamento, a chegada de Bolsonaro ao Brasil foi o assunto mais comentado das redes até as 10h. Porém, foi superado pelo arcabouço fiscal, que foi anunciado em coletiva de Fernando Haddad por volta das 12h – clique aqui.
Projeções
A luta do controle da agenda das últimas semanas entre o Governo e bolsonarismo/lavajatismo leva a algumas projeções:
(a) Grande mídia tem uma predileção pelo lavajatismo. Tanto pela retórica da judicialização e meganhagem (a despolitização é uma das ideologias midiáticas) mas, principalmente, porque seus “colonistas” jamais farão a mea culpa (quem sabe, só daqui a 60 anos – p. ex., Globo News só AGORA está apresentando documentário sobre o Golpe de 1964 sob a perspectiva da intervenção da CIA) sob pena de perderem definitivamente a credibilidade. Moro poderá ser um fusível a ser queimado para salvar a Lava Jato – esse movimento já começa a ser feito por alguns analistas;
(b) Mas também a grande mídia é rentista e os grupos midiáticos cada vez mais se tornam holding financeiras – a Globo, p. ex., apresentou em 2022 receita financeira de R$ 2,1 bi e lucro líquido inferior de R$1,2 bi – clique aqui. Por isso é sensível à agenda econômica como arena de combate em defesa do hiperliberalismo, da independência do Banco Central e da estratégia dos juros elevados como única forma de combater a inflação.
Essa é a isca para o Governo manter a agenda econômica na pauta do dia, acentuando a contradição do jornalismo corporativo: de um lado, forçosamente admite que juros altos prejudicam o desenvolvimento; por outro, aceitam a ortodoxia do BC como fatalidade e tecnicalidade.
Mas a mídia corporativa joga com o tempo a seu favor: o discurso é que a âncora fiscal não terá efeito a curto prazo, que será o início de uma "longa jornada", apostando que o atual viés ortodoxo do BC só mudará no ano que vem. Como dizia o economista John Maynard Keynes, “a longo prazo, estaremos todos mortos” – o jornalismo corporativo aposta na crise econômica com os juros elevados para desgastar do governo Lula, principalmente junto àqueles que o elegeram: a faixa de até dois salários-mínimos, mais sensível às crises.
Anteve-se até o futuro mote dos "colonistas": "Lula não entrega promessas de campanha"...
(c) Os “colonistas” da grande mídia sabem que o arcabouço fiscal costurado por Haddad é frágil porque depende da combinação com os “russos”: primeiro, que os juros caiam para possibilitar crescimento econômico e aumento da receita; segundo, que o Congresso apoie as medidas de saneamento fiscal (fazer aqueles que não pagam impostos começarem a pagar).
O Governo parte do wishifull thinking de que o Congresso não poderá ficar contra as medidas que beneficiam a Nação (medidas que até volátil mercado financeiro deu, pelo menos nesse início, sinalização positiva). Mas pode! A ex-presidenta Dilma Rousseff sentiu na pele como a grande mídia pode transformar a batalha no Congresso em uma espécie de terceiro turno eleitoral.