terça-feira, novembro 17, 2020

Eleições 2018 e 2020: Bolsonaro foi um 'candidato manchuriano'?


O termo “Candidato Manchuriano” (superespião com Desordem Dissociativa de Identidade artificialmente criado pela CIA e Inteligência militar na Guerra Fria; programado para matar, ativado mediante um sinal aparentemente prosaico, sem conservar alguma recordação disso) foi popularizado no cinema pelo filme “Sob o domínio do Mal”, nas duas versões de 1962 e 2004. Candidato cuidadosamente criado da Inteligência militar brasileira, Bolsonaro não chega à dramaticidade das manipulações neurocientíficas da Guerra Fria: sua Desordem Dissociativa está ao nível discursivo como bomba semiótica de guerra criptografada – Bolsonaro foi programado para rodar três programas que se tornaram mais visíveis nesse ano eleitoral: (a) “Manchuriano Entertainer”; (b) “Guerra Cultural Despolitizadora”; (c) “Aloprar o Cenário Político”: criar o medo antes de vender a bomba.

Em meio a expectativa do encerramento da votação e início das apurações das eleições na tarde desse domingo, a analista de economia Miriam Leitão estava com a cara meio amarrada entre o “time de analistas” do canal Globo News. A eufórica Maria Beltrão mediava as análises sobre projeções de resultados, até que direcionou uma pergunta para Leitão sobre os desafios que aguardariam os prefeitos eleitos ou reeleitos em tempos de pandemia, desemprego e crise econômica.

“Finalmente economia! Já estava com síndrome de abstinência por não discutir temas econômicos...”, desabafou a analista especializada em economia.

O chiste de Miriam Leitão foi sintomático. Afinal, o Jornalismo Econômico deve estar mesmo sendo decepcionante para ela. A atual estratégia semiótica da grande mídia é a desidratação de qualquer sentido macro político ou macro econômico na pauta noticiosa.

Como discutíamos em postagem anterior, os chamados fait divers (“fatos diversos”, antigo gênero noticioso que tratava de pequenos escândalos, fatos pitorescos, pequenas controvérsias etc.) contentavam-se a ser um pano de fundo para questões mais importantes que se destacavam nas primeiras páginas. No máximo, ocupavam colunas como os “drops da política” – clique aqui.

Porém, desde que o atual governo de extrema-direita assumiu o poder com sua guerra criptografada de informações (a manipulação de um conjunto de informações dissonantes como, p. ex., as “caneladas” entre presidente e vice – a “tecla SAP” de Bolsonaro), a grande mídia transformou a usina de produção de fatos diversos em “hard news”, relegando a pauta macro política e econômica ao esquecimento.

Faz parte do jogo duplo da mídia corporativa: morder e soprar, atacar os “arroubos antidemocráticos” do presidente e, ao mesmo tempo, ligar o piloto automático e participar do jogo de contrainformação dos militares.



E em termos de mercado, outro piloto automático é acionado: o das ondas especulativas. Cria-se um episódio irrelevante (que tal, a bravata de Bolsonaro “quando acabar a saliva, tem que ter pólvora”?), os profissionais do mercado financeiro criam a onda especulativa que é promovida pelos jornalistas econômicos que, como zumbis, replicam as informações. Passa-se então a desovar papéis, bolsa cai, dólar dispara... para depois tudo ser desmentido (principalmente pela “tecla SAP” do vice Mourão) e os movimentos de compra retornarem e a bolsa voltar a um refluxo virtuoso. Logicamente, comemorado pelos analistas como “sinais da retomada pós-pandemia”.

A guerra criptografada produz essa dupla mais-valia: os fatos principais são embaralhados pelos fatos diversos – como, p. exe., a nota conjunta das Forças Armadas afirmando que os militares são “apartidários”, como suposta resposta ao elogio à pólvora feito pelo presidente.  E esconder uma das feridas abertas da história brasileira: os militares promovem golpes de Estado desde 1889 (desde a quartelada da proclamação da República), e a participação de Temer na consulta aos militares que iniciou a queda de Dilma Rousseff foi mais uma delas. Temer e Bolsonaro mais que dobraram o número de militares em cargos civis no governo – mais de seis militares da ativa e reserva. O golpe militar já foi dado sob a mise-en-scène semanal de simulação de uma suposta insatisfação da cúpula militar com Bolsonaro.

Simulação que encobre a participação do Exército brasileiro na disseminação de informações falsas dos sites bolsonaristas, como destacou a Agência Pública na matéria “Página do Exército e sites governamentais ajudam desempenho de portais bolsonaristas no Google” – o site do Exército é o que mais faz backlinks para endereços bolsonaristas, com 723 links – clique aqui.



O candidato manchuriano

Filmes como Sob o Domínio do Mal (The Manchurian Candidate, 1962) de John Frankenheimer, e a sua refilmagem em 2004 de Jonathan Demme, popularizaram a teoria conspiratória (porém, documentados) de programas de controle mental da CIA e da Inteligência Militar dos EUA criados na década de 1950 sob codinomes como Bluebird e Artichoke – que mais tarde se desdobrou em outros programas como MKUltra.

Candidato Manchuriano é uma personalidade múltipla artificialmente criada experimentalmente, agora classificada na Associação Americana de Psiquiatria (1994) como Desordem Dissociativa da Identidade – superespiões programados para matar, ativados mediante um sinal aparentemente prosaico, sem conservar alguma recordação disso.

Poderíamos considerar Bolsonaro um candidato manchuriano, dessa vez produto da inteligência militar tupiniquim? Claro que não com os toques sinistros da manipulação neurocientífica da Guerra Fria. Mas temos que admitir que a persona representada por Bolsonaro tem o physique du rôle perfeito para as engrenagens dessa guerra semiótica criptografada.

Shannon Ebrahim, editor do site de notícias sul-africano IOL, observava em 2018 que "Bolsonaro parece um candidato manchuriano, e com isso quero dizer um político sendo usado como fantoche por outro poder..." - clique aqui.

Talvez ele não tenha a Desordem Dissociativa de Identidade, mas é impressionante como toca a flauta de Hamelin – por meio da intensa estratégia de avanços e recuos, afirmações e desmentidos é capaz de manter a pantomima de um conflito com a cúpula das forças armadas e com o seu próprio vice – a sua tecla SAP que só ajuda no embaralhamento de informações. Hipnotiza esquerda e os jornalistas da grande mídia que, no piloto automático, reagem às boçalidades num julgamento antes moral do que político.

É indiscutível como o candidato Bolsonaro foi muito bem engendrado e cuidadosamente preparado: enquanto em programas de humor na TV como CQC e Pânico merecia a alcunha irônica e humorista de “mito” (numa estratégia semiótica de normalização de um personagem grotesco), nos quartéis era recebido aos gritos de “líder!” – como quando foi recebido por aspirantes a oficiais da Academia Militar de Agulhas Negras em 2017 – clique aqui.

Antes da sua vitória em 2018, Bolsonaro passou a ser saudado com continências e a ocupar lugar especial nas tribunas, ao lado de militares de alta patente.




Digamos que a Desordem de Dissociação de Bolsonaro foi treinada para atuar muito mais no plano discursivo do que no psiquismo. Dissociativo porque explora a fragmentação e dissonâncias de informações até chegar ao relativismo: o que é verdade ou mentira? Importante e acessório? A realidade e a espuma de factoides?

E dissuasivo porque parece hipnotizar jornalistas que reagem no piloto automático. Por exemplo, quando gastam horas ou centímetros por coluna perscrutando algum sentido em supostas nuances semânticas entre as palavras “saliva” e “pólvora” – o que ele quis dizer com isso? Procura o Mourão, que falará o contrário.

Um candidato manchuriano híbrido porque não foi pinçado do baixo clero do Congresso e projetado pela Inteligência militar para espionar ou matar como em um thriller da Guerra Fria. Ele foi criado e eleito para fazer rodar três programações:

(a) O Manchuriano entertainer 

Para dar continuidade e aprofundamento à impopular agenda das maldades neoliberais iniciadas por Temer, é necessário mudar o foco, entreter o público (e as esquerdas) com “caneladas”, fogo amigo, ameaças antidemocráticas (ameaçar STF e Congresso, como se os militares já há tempos não tivessem feito isso) ... então, que tal ameaçar o presidente eleito dos EUA Joe Biden com pólvora, enquanto o Senado aprova a autonomia do Banco Central sem qualquer controvérsia pública?

Um manchuriano entertainer para suprir a principal fraqueza de uma direita que nunca foi boa de votos por defender o neoliberalismo – quem não se lembra do mico do candidato à presidência Alckmin em 2009 se deixando fotografar com boné do Banco do Brasil e jaqueta repleta de adesivos de estatais para desesperadamente se livrar da imagem de privatizador?




(b) Guerra cultural despolitizadora

Despolitizar todos os debates públicos ao pautá-los dentro do campo da guerra cultural. Quando Bolsonaro exorta que o Brasil deve deixar de ser um “país de maricas” amedrontado pela pandemia da COVID-19 ou nega incêndios generalizados na Amazônia e Pantanal, grande mídia e esquerda o acusam de “sexista” e “negacionista”. 

É a absorção do debate público por categorias privadas, pessoais, como denunciava Richard Sennett em “O Declínio do Homem Público”: seu discurso se originaria muito mais de uma personalidade obscura do que de um modelo econômico silenciosamente ocupa o país – financismo, agronegócio e controle populacional. 

(c) Aloprar o cenário político 

Quanto mais açoda a guerra cultura de extrema-direita, mais a grande mídia vende a ideia de que Bolsonaro deixa o País “menos atraente” a “investimentos estrangeiros”. Negacionismo ambiental? Afasta empresas com o selo da sustentabilidade. Sexismo e ataques à imprensa? Afasta o Brasil da comunidade das nações.

Dessa maneira, o manchuriano entertainer cria a demanda pelo “centrismo ampliado” (a busca de um Joe Biden tupiniquim que uniria liberais de centro direita aos sociais democratas) para afastar “todos os extremismos, seja de esquerda ou direita”. É a estratégia semiológica do “nem-nem” ou “ninismo” (como ironizava Roland Barthes – clique aqui).

Globo News dá a seguinte manchete que sintetizaria o resultado das urnas desse domingo: “O fim da era dos extremos!”.

Repare, caro leitor, o movimento semiótico em torno da expressão “centrismo” dos analistas nessas eleições municipais. Em passado bem recente (mais exatamente, nas eleições de 2018) “centrismo” era associado à “velha política”, ao “fisiologismo” e ao “governo de coalizão” que inevitavelmente cria corrupção ao negociar cargos em busca de “governabilidade”... do qual era acusado o lulo-petismo.

Quanto mais, de forma programada, Bolsonaro “alopra” (repare a retomada dos arroubos e “caneladas” entre presidente, vice e Forças Armadas na proximidade das eleições municipais), mais os analistas políticos vendem a ideia, agora virtuosa, de que as urnas anseiam pelo retorno “ao centro” e repudia “radicais”.

Grande mídia agora entabula o discurso de que “a esquerda morreu”, quem matou foi o PSOL e que das urnas emerge o “centro ampliado” ... Moro é incensado para 2022 e Huck mais uma vez aparece como uma espécie de reserva moral social democrata... imagina só! Há algum tempo o cineasta e intelectual orgânico do Instituto Millenium, Arnaldo Jabor, o considerava um “fazendeiro de bundas”. ... clique aqui

“Se quer vender a bomba deve, em primeiro lugar, vender o medo”, diz um velho aforismo. Antes de inventar um produto deve-se criar a necessidade. E depois de criada, deve ser retroalimentada.

Depois de anos de jornalismo de guerra alimentando irracionalidade e ódio, agora a mídia corporativa vende a necessidade do retorno à suposta racionalidade de “centro”. Mais uma bomba semiótica para vender o saco de maldades neoliberal como a racionalidade que foge dos “extremos”.


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