quarta-feira, junho 10, 2020

Curta da Semana: "Wannabe" - a três segundos da celebridade



Com tanta gente produzindo conteúdo, fala-se que um vídeo na Internet deve conquistar a atenção do público nos primeiros três segundos. Segundos que podem ser a fronteira que separa o anonimato da fama: um influenciador digital com milhões de seguidores. O desejo pela celebridade não é um fenômeno novo na sociedade, mas na era digital assume características distintas. É o que mostra o curta-metragem alemão “Wannabe” (2017), de Jannis Lenz – um projeto transmídia conectanto o curta com vídeos on line de Coco, uma adolescente aspirante ao estrelato. Para ela, a fama e o sucesso não são consequências naturais do talento. São fins em si mesmos. É a forma dela fugir da sua vida e até de si mesma. Um drama pós-moderno: de tanto criar simulacros de si mesma naqueles três segundos decisivos, esqueceu de quem ela é. 

“Eu teria clicado em você depois de três segundos... você não é desse jeito... você está totalmente tímida... você precisa de algum foco: imagine que estou com um mouse na mão, e se eu ficar entediado vou clicar em você”. 
Assim Paul (Mathias Dachler) critica Coco (Anna Suk), dirigindo o primeiro vídeo da namorada, uma adolescente aspirante à fama em seu canal de estreia no Youtube. Para Paul, literalmente a fama está a apenas três segundos – supostamente, o limite de tempo para capturar a atenção de alguém em uma plataforma de vídeos na Internet.
Algo excitante e interessante deve acontecer logo no início, e fazer um vídeo em ritmo acelerado e envolvente.
Coco quer fazer um canal no Youtube que seja uma espécie de diário, revelando os bastidores (behind the scenes) da sua busca em ser atriz, cantora, dançarina “dependendo de como as coisas funcionem”. Mas na verdade, Coco está atrás fundamentalmente da fama, da celebridade, e muito menos do aprimoramento do talento e da atividade artística.



O diretor Jannis Lenz e sua dupla de roteiristas, Andi Widmer e Matthias Writze, utilizam a brilhante performance da atriz principal para explicar os perigos de construir um eu fictício.

O Curta

Acompanhamos nesse curta de 30 minutos como a adolescente Coco aos poucos vai perdendo a esperança de alcançar a celebridade de uma digital influencer – suas tentativas em conseguir contatos com agentes de artistas, tentar pequenas participações em clipes musicais, como foi rejeitada por uma escola de formação de atores. E também como tenta transformar essa jornada em busca da celebridade em material do seu próprio canal no Youtube: mostrar os bastidores da sua caminhada para o estrelato... que nunca acontece.


Wannabe é um projeto transmídia: o curta está conectado com vídeos on line no Youtube da própria personagem Coco – a personagem fictícia faz o contraponto dos personagens reais dos canais do Youtube que fazem ficção de si mesmos para alcançar a fama – www.youtube.com/cocochannel99.
A ingenuidade e o carisma de Coco são inerentes. Não podemos deixar de sentir pena de Coco e esperar pelo seu sucesso.
O que é fundamental em Wannabe é a natureza da fama e do sucesso: não são consequências naturais do talento. Coco os considera como um fim em si mesmo. É a forma dela fugir da sua vida e até de si mesma. 

O Eu mediado

O desejo pela celebridade não é um fenômeno novo na sociedade, mas na era digital assume características distintas: há uma relação proporcionalmente direta entre a democratização dos meios para alcança-la e o potencial de auto-ilusão e frustração.
O crítico cultural Neal Gabler, em seu livro “Vida: O Filme” chama isso de busca de um “Eu mediado”: temos indícios no curta que é filha de pais separados e vive com a mãe. O cotidiano é cinzento, de uma vida num bairro suburbano. Não quer mais frequentar a escola e está determinada em não ter a mesma vida dos adultos: trabalhar num emprego burocráticos nos próximos 40 anos, uma vez por ano tirar férias e todo dia cozinhar a própria comida... “No fucking way!”, grita Coco para sua mãe.


 O “Eu mediado” busca “aparatos cênicos” para transformar a própria vida num filme: a busca por reconhecimento, causar boas impressões nos relacionamentos, usar tecnologias do Eu (de cirurgias plásticas, cosméticos até as técnicas motivacionais e de manipulação das relações pessoais), o que quase sempre causam frustrações – a realidade teima em não confirmar a auto imagem que o eu cria para si mesmo.
Mas como dizia a atriz Elizabeth Taylor, quando falta o talento resta se apegar a um escândalo na vida pessoal para a busca da celebridade. Expor a própria vida pessoal será a último caminho para a redenção final da ingênua Coco.
Mas como dizíamos, o desejo pela celebridade não é um fenômeno novo. Porém, na atualidade com a democratização tecnológica (a princípio, qualquer um pode fazer seu próprio canal no Youtube, criar o próprio perfil nas redes sociais etc.) a busca pela fama assume novas consequências.

A celebridade no cinema

 O sonho de passar para “o outro lado do vidro” já foi muitas vezes tematizado criticamente no cinema. Dois novos clássicos tornaram-se obrigatórios para revisitar o tema: O Rei da Comédia (1982) de Scorsese e Um Sonho Sem Limites (1995) de Gus Van Sant. São narrativas sobre o desespero de chegar lá e a compreensão do que é preciso para se obter o sucesso – nem que seja da pior forma possível.
No filme de Scorsese, Robert De Niro faz Rupert Pumpkin, um aspirante à celebridade já meio passado e aturdido pelos sonhos da fama. Decide sequestrar a celebridade Jerry Langford (Jerry Lewis) em troca de permitirem Pumpkin fazer uma apresentação no “Jerry Langford Show” – “era a única chance de entrar no show business”, afirma.
Enquanto no filme de Gus Van Sant, acompanhamos uma bela jovem (Nicolle Kidman) encalacrada numa provinciana vida de casada: “você não é ninguém nesse país se não aparecer na televisão”, pensa. E faz de tudo para se tornar uma apresentadora de telejornal na emissora local... inclusiva matar o próprio marido para se livrar dele e ter o caminho aberto para sua carreira.
São estórias de uma era pré-redes digitais, onde a única forma de passar para o outro lado do vidro era aparecer na TV e ganhar a fama efêmera.  E esquecer do próprio eu através da mediação eletrônica.


Popularidade = Amor
Os pressupostos psíquicos desse Eu mediado já estavam dados: primeiro, a descoberta freudiana de que aquilo que o homem mais tema não é a morte, mas não ser amado, ser rejeitado e terminar os seus dias solitário.
Theodor Adorno expandiu esse insight freudiano: segundo ele, nas massas todos nós nos sentimos mal-amados – leia “Educação Após Auschwitz”, In: Theodor Adorno, Coleção Grandes Cientistas Sociais, Ática.
Os meios de comunicação nada mais fizeram do que amplificar esse sentimento, ao criar as celebridades como modelos de pessoas amadas. São amadas porque são populares, famosas. E a equivalência popularidade = amor tornou-se um fantasma para seres humanos comuns, anônimos e imersos nas suas vidas cotidianas.
Mas nessa era pré-Internet pelo menos ainda havia uma distância entre as celebridades e os pobres mortais aspirantes ao estrelato – os aparatos cênicos usados para alcançar a fama eram ainda próteses ou instrumentos através dos quais o Eu almejava o sucesso.


Como fica evidente no curta Wannabe, esses aparatos cênicos se tornaram hiper-reais: a revolução gráfica (o crescimento vertiginoso da capacidade de produzir e transmitir imagens de si mesmo em lugares e eventos) alterou a sensibilidade dos indivíduos, a ponto de acreditarem que eles são as imagens se si mesmos que produzem e compartilham nas redes: aqueles eus performados em selfies e vídeos em canais do Youtube onde a distância da celebridade está a apenas três segundos de fisgar a atenção de um internauta – ou abreviada pelo clique de um usuário entediado.
 De tanto criarem uma imagem artificial de si mesmos passaram a acreditar no própria artifício – é o drama do mitômano, que passa a acreditar nas mentiras de tanto repeti-las. Esqueceu de quem já foi.
Do Eu mediado passaríamos então para o Eu hiper-real – o simulacro tomou conta do Eu. De parasitas (próteses) os aparatos cênicos tornaram-se a própria personalidade do hospedeiro. O simulacro puro.
Hiper-real: A imagem em retorno substitui a consciência e a pessoa esquece quem ela já foi e passa a ver a si mesma por meio da sua performance. É o momento em que a imagem supera o real de tal maneira que a realidade é seduzida pela própria imagem e tenta se equiparar a ela. 
Na fase anterior ainda havia no horizonte a nostalgia do Eu real que ele queria se assemelhar à celebridade. Ansiava em ter não o talento, mas a fama da celebridade. Ansiava pelo amor das massas, que tanto achava que a celebridade era o depositário.
 De tanto o indivíduo posar para a câmera simulando atitudes ou personas, tais modelos acabariam confundindo-se com a própria personalidade criando uma situação onde se esquece onde termina a realidade e começa a ficção, o Eu e o não-Eu. 
Distinção ociosa para o indivíduo que não se importa mais com isso.


Ficha Técnica 

Título: Wannabe (curta
Diretor: Jannis Lenz
Roteiro: Jannis Lenz, Andreas Widmer, Matthias Writze
Elenco: Anna Suk, Mathias Dachler, Simone Fuith
Produção: Filmakadamie Wien, Ocean Pictures Filmproduktion
Distribuição:  Youtube, Sixpack Film
Ano: 2017
País: Alemanha, Áustria

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