Finalmente a oposição decidiu tomar conta das ruas, até aqui dominada pela extrema-direita em meio à quarentena que impôs um circuit braker político-econômico. Surgem os “antifas”, acabando com a tranquilidade das domingueiras bolsomínias clamando por intervenção militar e fechamento do Congresso e STF. Será que os antifas poderão se tornar aquilo que os black blocs foram para as “Primaveras” da Guerra Híbrida pelo mundo? Aqui e ali aparecem signos recorrentes das chamadas “Revoluções Populares Híbridas”: numa caçamba, jogada no meio da Avenida Paulista, pichações do acrônimo inglês ACAB (“All Cops Are Bastards”, emulando os protestos anti-racistas nos EUA) e “2013 VIVE”, além de slogans genéricos como “Defesa da Democracia”. Antifas poderão ser facilmente envolvidos no chamado “movimento de pinça”, tática militar da guerra convencional levada para o campo simbólico da Guerra Híbrida. Essas “pinças” podem ser múltiplas: junto com os antifas, surgem movimento suprapartidários. Por ex., um deles bancado por Jorge Paulo Lemann (que deu dinheiro e apoio operacional ao “Movimento Vem Prá Rua”) e a ONG norte-americana ligada às revoluções híbridas, a National Endownment for Democracy.
Mais um domingo na quarentena. Custa a lembrar que é domingo, porque todos os dias parecem iguais. Terminado mais um almoço com a família “nuclear” (na quarentena as famílias parecem ter sido reduzidas ao seu núcleo – pais e filhos), este humilde blogueiro se entrega ao ritual diário da sesta. Um costume inevitável para aqueles que foram professores por anos, dedicando-se a jornadas de aulas matinais e noturnas diárias.
Mas sou logo despertado. Vejo na tela da TV imagens ao vivo da Avenida Paulista mostrando filetes de fumaça cruzando o ar detonando bombas de efeito moral, o asfalto repleto de entulhos e blocos de pedras e em meio à fumaça manifestantes desafiadoramente gesticulando e arrastando gradis para o meio da avenida para improvisar barricadas de contenção ao avanço da polícia de choque.
Um repórter fala em grupos “Pró Democracia” que entraram em confronto com a tradicional domingueira dos bolsomínios com seus trios elétricos que gritam por “intervenção militar constitucional” e fechamento do STF e Congresso.
Uau!!! Penso comigo, finalmente a oposição está tomando as ruas que eram até aqui exclusivamente das manifestações de extrema-direita. Torcidas organizadas de futebol do Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo se uniram para defender a Democracia ameaçada. Surgem na minha cabeça ecos do movimento da “Democracia Corintiana” naquelas mobilizações pelas “Diretas Já” em meio a ditadura militar dos anos 1980.
Então, é inevitável o espírito de torcida: ficar diante da tela da TV e acompanhando as imagens da Mídia Ninja nas redes sociais torcendo pelos mocinhos contra os bandidos policiais que parecem descarregar sua munição unicamente nos “Pró-Democracia”, enquanto os bolsomínios continuam lá, do outro lado da avenida, tranquilos com suas bandeiras verde e amarelas em torno de um trio elétrico que desfralda uma bandeira da extrema-direita ucraniana.
Meu entusiasmo aumenta: os manifestantes pró-democracia, muitos vestidos de preto e com máscaras também pretas (agora na era da pandemia o look dos velhos black blocs parece fazer sentido), resistem e, em alguns momentos, até avançam contra os policiais.
Arrastam uma caçamba para o meio da avenida, viram e tocam fogo no lixo criando o efeito da fumaça ser projetada para frente, contra os policiais. Genial!!!! Penso. Os caras têm o expertise.
Sinais de uma Guerra Híbrida?
Mas uma imagem aérea de um helicóptero começa a cortar o meu entusiasmo cívico-ativista: pichado no fundo da caçamba virada estava o acrônimo inglês “ACAB” (All Cops Are Bastards) e “2013 VIVE”.
A caçamba, antes de também ser pichada com "2013 VIVE": signos da Guerra Híbrida? |
A partir desse momento uma pulga começou insistentemente incomodar uma das minhas orelhas: “2013 VIVE” é a alusão às infames “Jornadas de Junho”, início da fase aguda da guerra híbrida cujo desfecho foi o golpe de 2016 que jogaria o País no curto-circuito institucional no qual estamos.
E a pichação “ACAB” emula os protestos de rua nos EUA contra o racismo que colocou na cena política os “antifas” (abreviação de antifascista) – geralmente vestidos de pretos e usando táticas semelhantes à empregadas pelos anarquistas, seriam representantes atuais de um movimento de extrema-esquerda surgido na Alemanha na década de 1930 para combater o nazismo.
Sempre que aparecem faixas ou pichações em inglês em protestos de rua no Brasil, acende uma luz amarela na cabeça desse humilde blogueiro: um dos ingredientes da receita para fazer uma “Revolução Popular Híbrida” (RPH), recorrente nas diversas “Primaveras” pelo mundo entre 2011 e 2016, é a presença de slogans em inglês nos protestos. Afinal, é necessário ganhar as telas midiáticas e a opinião pública internacional.
Penso com meus botões se minhas elucubrações conspiratórias não passariam de um intelectualismo paralisante, aquilo que incapacita qualquer práxis política.
Mas naquela tarde de domingo os sincronismos começam: em seu perfil no Twitter, o Exército anunciou que "Em Caçapava (SP), 6º Batalhão de Infantaria Leve prepara militares para operações de Garantia da Lei e da Ordem". Se formos no site do Exército, matéria de 27/05 informa que a preparação “Além de permitir aos Soldados incorporados no corrente ano a oportunidade de colocar em prática os ensinamentos adquiridos, a atividade possibilitou o desenvolvimento da liderança dos Comandantes em todos os níveis”.
Assim como ensaia o governo Bolsonaro, lá nos EUA o presidente Donald Trump logo se apressou a apontar o dedo para os antifas como “organização terrorista” que motivaria os protestos que abalam dezenas de cidades nos últimos dias.
Jornadas de Junho e o 7 X 1 da Alemanha
Ato contínuo, durante a transmissão ao vivo do ataque dos PMs aos grupos “Pró-Democracia”, analistas da GloboNews começaram a fazer alusões às Jornada de Junho de 2013...
E quando a polícia de choque finalmente expulsou os “antifas” da Avenida Paulista, sincronicamente começou no canal fechado Sportv a reapresentação do “histórico jogo” (assim se referiram o narrador Luiz Carlos Junior e o analista Lédio Carmona) Brasil 1 X Alemanha 7, na Copa do Mundo 2014 – a cereja no bolo da guerra híbrida que jogou a autoestima do brasileiro para o ralo, engrossando o estouro da boiada anti-Dilma – sobre isso, clique aqui.
No dia seguinte, o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-SP) protocolou Projeto de Lei para tipificar os grupos antifascistas. Isso, no dia posterior ao voo de helicóptero sobre a Esplanada dos Ministérios que o Ministro da Defesa, General Azevedo e Silva, deu ao lado do capitão da reserva dublê de presidente, para prestigiar mais uma manifestação a favor de seu governo e contra o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Congresso.
Será que saíram os black blocs e entraram os antifas em cena? Será que o que foram os protestos de Seattle em 1999 (contra a OMC) para os black blocks, serão os protestos de Mineápolis contra o assassinato de George Floyd para os antifas?
Na modesta opinião desse blogueiro, o problema desses grupos com métodos de ação anarquista (não promovem iniciativas que representem um determinado setor do sistema político, considerando-se “supra-partidários”, além de sustentarem sempre pautas genéricas como “Defesa da Democracia”) são facilmente manipulados e infiltrados, seja por “P2” (policiais militares sem farda) ou oportunistas – os black blocs, p. ex., nas RPHs das guerra híbridas.
Movimento de pinça na Guerra Híbrida
Não podemos deixar as ruas dominadas pela extrema-direita? OK! Mas temos que considerar o modus operandi recorrente da “direita alternativa” (alt-right), cujo governo Bolsonaro representa.
Ao contrário dos governos derrubados pela RPHs das diferentes “Primaveras” pelo mundo (não conseguiram resistir a cenários de crises políticas e econômicas provocadas pela corrosão psicossocial das RPHs), um governo alt-right vive pela e na crise. A crise é seu elemento estruturante, nem que tenha que fazer oposição a si mesma – vide o telecatch Bolsonaro X Moro e Bolsonaro X Governadores na crise da pandemia COVID-19.
Vale lembrar que o conceito de Guerra Híbrida não se refere tão somente à detonação de bombas semióticas pela grande mídia com o objetivo de moldar a percepção do caos pela opinião pública. Trata-se principalmente de dar continuidade pelas vias simbólicas às táticas militares usadas em um campo de batalha numa guerra convencional.
A principal tática: o movimento de pinça – manobra militar na qual os flancos do exército inimigo são atacados simultaneamente por duas alas defensivas, movimentando-se como braços de uma pinça em reação ao taque inimigo. Até cercar o atacante, completando o movimento.
Primeiro flanco: Bolsonaro estica a corda, forçando os limites das instituições democráticas e o próprio Estado de Direito – o voo de helicóptero com o General Ministro da Defesa e a cavalgada em Brasília, saudando a malta de bolsomínios domingueiros, foi mais um lance calculado.
Segundo flanco: Bolsonaro está à espera da derradeira reação às suas provocações – PMs + P2+ black blocs-antifas incitam movimentos de rua à polarização e confronto violento entre ativistas e extrema-direita... enquanto, mais uma vez, esquerda e oposições olham tudo de fora da festa – a invenção do conflito Direita versus Extrema-direita (Bolsonaro X Mandetta X Moro X Governadores etc.) foi o início dessa exclusão das esquerdas da narrativa política.
A pinça se fecha: rotulação dos confrontos como ação terrorista, fechamento político do regime e decretação de “estado de sítio” consolidando um “golpe dentro do golpe”. Contando ainda com o apoio de toda a tecnologia que a reengenharia social da pandemia COVID-19 está dispondo ao Estado para controle dos movimentos dos cidadãos – monitoramento dos celulares para controle do isolamento social, p.ex, entre outros dispositivos – clique aqui.
Enquanto isso os compenetrados analistas políticos, cônscios da sua responsabilidade cívica democrática, anunciam que o presidente está “emparedado”, “isolado politicamente” e assim por diante, criando uma cortina de fumaça perfeita ao pintarem a imagem de Bolsonaro como um maluco acuado pelas “instituições democráticas que estão em pleno funcionamento”. Esse é o principal papel diversionista da grande mídia nessa guerra híbrida – no passado, era detonar bombas semióticas.
Mas guerra híbrida deve ser um jogo de ganha-ganha. As pinças devem ser múltiplas. Se Bolsonaro não for bem-sucedido, outras pinças devem ser fechadas, para garantir o mais importante: o cumprimento da agenda econômica neoliberal.
O jogo ganha-ganha da Guerra Híbrida
Um filme interessante que mostra essa estratégia ganha-ganha é Terra Prometida (Promised Land, 2012), de Gus Van Sant: a manipulação da opinião pública de uma pequena cidade no interior dos EUA por uma gigantesca empresa de gás natural. Como uma estratégia de engenharia de opinião pública é capaz de criar os próprios interlocutores de um debate, para direcionar as opiniões no limite do horizonte de propósitos do manipulador.
A empresa quer comprar terras de uma pequena cidade para fazer prospecção de gás com uma técnica que gera graves problemas ambientais. Enviar uma dupla de relações públicas para convencer os moradores a aceitar os termos dos contratos. Há resistência pelos líderes comunitários. Até aparecer um ativista ambiental que denuncia a empresa poluidora, confrontando os relações públicas da Global Cross Power Solutions.
No final, descobrimos que ambos os lados são controlados pela Global: o personagem do ativista ambiental foi inventado pela empresa. “Empresas como a Global vencem controlando qualquer resultado”, diz o “ativista ambiental” Dustin.
Jorge Lemann: as múltiplas pinças da Guerra Híbrida |
Ao lado da promessa dos “antifas” tomarem as ruas da extrema-direita, eis que surgem por todos os lados manifestos da “sociedade civil” que, como sempre, apresentam-se como isentos, suprapartidários e “frentes”: “Juntos Pela Democracia e Pela Vida”, “Manifesto Estamos Juntos” e “Basta!”, iniciativa de profissionais do Direito.
O primeiro, divulgado no “day after” da ação dos antifas por capitais do País, tem por trás Jorge Paulo Lemann (o homem mais rico do País que deu dinheiro e apoio operacional ao “Movimento Vem Prá Rua” na RPH brasileira) e a ONG norte-americana ligada às revoluções coloridas híbridas, a National Endownment for Democracy.
O segundo está repleto de personagens que foram ativos na “Primavera brasileira”, como Lobão, FHC e Luciano Huck.
E o terceiro, sincronicamente também lançado no mesmo final de semana dos antifas emergentes. Pelo menos, nesse manifesto vemos uma pauta propositiva acusando explicitamente o presidente por crime de responsabilidade. Ao contrário das pautas genéricas e “isentas” pela “defesa da democracia e pela vida”.
Essas “frentes” que se posam como isentas e suprapartidárias apenas reforçam a natureza talvez única da sociedade brasileira: ela se funda no esquecimento, incapaz de fazer um acerto de contas consigo mesma numa República que foi criada a partir de um golpe militar em 1889 – um acerto de contas com a escravidão e os crimes praticados pela ditadura militar.
Ela não é sequer capaz de fazer um acerto de contas com movimentos e personagens que foram atuantes em cenário recente que jogou o País no atoleiro atual.
Um esquecimento que é o combustível que põe em funcionamento a guerra híbrida brasileira. E condenar o Brasil a um eterno retorno ao estilo do filme O Feitiço do Tempo.
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