Dia 2 de julho de 2019. Acontecia no Maracanã o jogo Brasil e Argentina, com a presença do presidente Bolsonaro e do Ministro da Economia Paulo Guedes. Em um bar, do outro lado da cidade, Laura Macedo, uma advogada trabalhista, dizia que iria torcer pela seleção, “mas a camiseta do Brasil continua em casa, na parte de trás de uma gaveta. Não quero ser confundida com um apoiador de Bolsonaro ou política de direita”, disse
E mais ao Sul do País, Euclides Bitelo, dono de uma padaria em Canoas/RS, que usava habitualmente a camiseta canarinho, também se tornou relutante em usá-la: “Sinto-me envergonhado de usar a camisa da seleção” – clique aqui.
A polarização política e a forma como a lendária camiseta canarinho da seleção brasileira de futebol foi apropriada às manifestações políticas de extrema-direita chegaram a ser objeto de pauta de publicações de economia, como nessa matéria de 2019 de David Biller para a Bloomberg, agência de notícias de informações econômicas – a apropriação do uniforme pelo extremismo de direita parece estar incomodando os gestores de comunicação da Nike, patrocinadora da seleção.
A questão é que todo o esforço midiático na guerra híbrida brasileira em detonar sistematicamente bombas semióticas para criar um pseudoambiente na opinião pública que culminaria no golpe de 2016, implicou em queimar todos os ativos simbólicos nacionais – uma mobilização midiática nunca antes vista, desde o golpe militar de 1964: atores, filmes, minisséries, camiseta da CBF, bandeira nacional, sem falar de outros símbolos como as armas nacionais, o selo nacional, o hino etc.
Controle de danos e o amarelo da Folha
No rescaldo do golpe de 2016 (crise econômica crônica e crise política), todos os principais atores nacionais da articulação da guerra semiótica iniciada em 2013 (nas “Jornadas de Junho”) começaram a tentar apagar a memória dessa implosão cívica.
A TV Globo foi a primeira, ao fazer uma política de controle de danos: no jornalismo mobilizou pautas identitárias, feministas, raciais e de gênero para tentar se descolar da extrema-direita à qual dava visibilidade diária nas manifestações anti-Dilma.
E agora, é o jornal Folha de São Paulo: depois de um sem número de primeiras páginas com patos amarelos da Fiesp e fotos de avenidas repletas de camisetas, faixas e bandeiras amarelas com extremistas raivosos gritando por impeachment e golpes militares constitucionais, agora tenta jogar água fria na fervura.
“A Folha busca inspiração no seu papel histórico nas Diretas Já para resgatar a cor amarela como símbolo da democracia”, diz o editorial publicado pelo jornal neste domingo. E exorta a Folha: Assim, as vitrines das edições dominicais trarão uma faixa dessa cor com os dizeres #UseAmarelo pela Democracia, e o slogan da Folha desde 1961, UM JORNAL A SERVIÇO DO BRASIL, passa temporariamente para UM JORNAL A SERVIÇO DA DEMOCRACIA até as próximas eleições presidenciais”.
O que é sintomático nesse “amarelo”, que a Folha pretende resgatar supostamente por ideais de “campanha da democracia”, é o matiz: um estranho amarelo bege estampado nas primeiras páginas.
Cabe a pergunta: qual amarelo, cara pálida? Amarelo profundo? Amarelo limão? Amarelo vibrante? Pois essa foi a evolução cromática dos amarelos das diversas edições do uniforme canarinho desde a copa de 2002. E que foram apropriadas pela estratégia simbólica alt-right da extrema-direita brasileira.
Apropriação e ressignificação
Essa Cinegnose já abordou em postagem anterior a estratégia semiótica da chamada direita-alternativa (alt-right): apropriação de símbolos para ressignificá-los como ícones – como, aliás, é a base do mecanismo de produção dos memes. A iconificação ou iconicização - clique aqui.
As origens estão lá na década de 1920 com a construção do logo da suástica nazi: pega-se um símbolo místico budista tibetano e “iconifica”: invertida e colocada na forma sinistrogira (giro anti-horário, ao contrário da normal, dextrogira), num design clean, tornou-se um ícone.
Ícones têm a propriedade de serem facilmente massificados, ao contrário dos símbolos. Símbolos são sectários e exclusivos – dependem do domínio de um código para ser decifrado pelo iniciado.
Tomar a TV Globo como inimiga (“globolixo”) ou usar o discurso das teorias conspiratórias antiglobalização e antissistema, são outros exemplos de apropriação cujo mecanismo semiótico é o da simples troca de sinais – de temas à esquerda do espectro político, foram deslocados para a direita.
Com um objetivo: roubar o discurso da esquerda com três consequências bem claras:
(a) forçar não só a exclusão da esquerda do “debate” político (concentrado entre extrema-direita e direita);
(b) também deixar como única opção para voltar ao jogo político fazer parte de “frentes democráticas”, enquanto vira “baba ovo” da grande mídia: passa a vibrar com as “denúncias” no Jornal Nacional contra a família Bolsonaro, por exemplo;
(c) preparar o estratégico de movimento em pinça para um futuro controle total de espectro – destino final da esquerda e oposições caso não conseguirem desarmar essa cama de gato – voltaremos a esse ponto adiante.
Os amarelos bolsomínios: sólido, vibrante, limão
Por que o amarelo é bege?
Mas por que essa estranha matiz de amarelo da Folha de São Paulo? Para partir em diante nessa linha de raciocínio é necessário deixar bem claro a qual o lado pertence o veículo da grande mídia: sempre foi defensora da agenda neoliberal como “modernização” necessária para o País – contra o Estado de Bem Estar Social, direitos e organizações trabalhistas, a favor da desnacionalização da economia e das pautas de privatização, chegando as raias do anarcocapitalismo.
A esquerda comemora o jornal como aliado na luta contra Bolsonaro. Parece perder de vista como historicamente o jornal sempre estreitou o debate público em torno da tão prezada pauta neoliberal.
E como as primeiras páginas da Folha construíram semioticamente o radicalismo simétrico: de um lado, os seguidores dos patos amarelos da Fiesp e do Skaf de um lado; do outro, os simpatizantes vermelhos de Dilma. E nos últimos meses, os bolsomínios vestidos de amarelo exortando fechar Congresso e STF de um lado e as roupas negras dos Antifas do outro.
Essa construção de sentido do radicalismo simétrico entre os “extremismos” (deslizando para o termo “terrorismo” nos últimos dias) faz parte da lógica marota do discurso abstrato da “Defesa da Democracia” – de qual democracia se está falando? Liberal? Social Democracia?
Nem os amarelos limão, sólido e vibrante dos extremistas de direita; e nem o vermelhou o preto dos extremistas de esquerda – petistas, sindicalistas, Antifas etc. Mas um estranho amarelo bege para criar o signo cromático que diferencie os “extremos”.
Não se perca, caro leitor, pelo espírito megalomaníaco do marketing da Folha (desde os tempos do “Projeto Folha” dos anos 1980-90, catapultada pela sua pro-atividade no apoio ao Diretas Já) que agora quer se colocar na vanguarda da luta pela democracia.
Para além do farisaísmo, hipocrisia e do controle de danos (a queima da credibilidade jornalística na aventura da guerra semiótica dos últimos anos), a Folha e a grande mídia são muito cuidadosas na garantia da estreita aplicação do programa neoliberal.
O primeiro passo foi se voltar contra o discurso anti-democrático e de ódio do clã Bolsonaro – nomeado com o rótulo de “ala ideológica”. Para quê? Para salvaguardar o neoliberalismo e seu campeão, o ministro Paulo Guedes, nomeado como “ala técnica” do Governo.
O segundo passo (e principal ponto da Guerra Híbrida do consórcio militar-jurídico-midiático) é aquele representado pela estratégia do amarelo bege que doravante representará a “Defesa da Democracia” - “dizer NÃO aos extremismos” (com STF e com tudo...), de Sara Winter a uma manifestação do MST, tipificados como “extremistas” ou, pior, “terroristas”.
Os dispositivos legais já existem para tal tipificação porque os militares já deram o golpe e ninguém percebeu – clique aqui.
É o momento em que a pinça se fechará e o militarizado Gabinete de Segurança Institucional terá o controle total do espectro político.
O amarelo bege da Folha tem todo sentido porque faz parte de um sistema linguístico. E como todo sistema, o valor de um signo é sempre contextual: um valor puramente distintivo, definido não positivamente pelo seu conteúdo, mas negativamente por suas relações com os outros termos do sistema.
Portanto, seu valor não é a “Democracia”, como informa o álibi da Folha. Ele pretende criar um sistema linguístico de distinções binárias – nem amarelo da extrema-direita, nem o preto e vermelho da extrema-esquerda.
Mas é o amarelo bege que diz NÃO aos “extremismos”, o segundo ato que começou com a bomba semióticas dos “terroristas”, na verdade verdadeiros “cavalos paraguaios”, false flags para justificar as frentes e movimentos de “Defesa da Democracia”.
E a pinça se fechará: quem não embarcar nessas frentes será considerado “extremista”. A Justiça tipificará como terrorista; os militantes, os buscarão e os destruirão; e a grande mídia gritará nos telejornais nas imagens aéreas de helicópteros nas primeiras horas da manhã: POLICIAIS FEDERAIS NAS RUAS!!!
Esse é o subtexto do editorial da Folha, verdadeira peça de exortação propagandística: Amarelo Bege: Ame-o ou Deixe-o!