Cansados de sempre buscar novos filmes que repitam o prazer dos filmes
clássicos, dois fãs de cinema desenvolvem uma máquina que consegue escanear o
cérebro e localizar as memórias específicas de cada filme assistido. A memória é
apagada e o mesmo filme pode ser assistido de novo com o prazer da primeira
vez. O mesmo filme pode ser assistido infinitas vezes, por toda a vida! Esse é
o impagável curta “Movie Mind Machine” (2015), uma comédia em estilo
mockumentary sobre a neuro-máquina que promete revolucionar o mercado
audiovisual. O curta é uma crítica bem humorada da cultura atual retro e
obcecada por nostalgia. Mas também suscita uma questão mais séria: como a
cultura atual estimula o psiquismo do vício e do esquecimento, por meio da indústria de drogas, fármacos e sociedade de consumo, como mecanismos
psíquicos de negação da realidade.
Matt é um
estudante na Universidade de Los Angeles. Ronn um balconista de uma loja de
locações de vídeos e DVDs em Santa Monica, Califórnia. Uma coisa os une: são
fãs de cinema, mas não daquele das telonas das salas de exibição. Mais
sedentários, preferem ficar em casa com enormes copos de pipoca em frente à
telinha da TV.
Até que um dia
Matt tomou contato com uma pesquisa de uma equipe de neurologistas da
Universidade de Boston onde foi descoberto os caminhos pelos quais a mente
acessa as memórias em largas áreas do cérebro. Então a partir dos dados de
mapeamento do cérebro, Matt colocou essas imagens no computador e localizou as
áreas extas onde estão as memórias sobre as narrativas cinematográficas.
As aplicações
práticas dessas pesquisas se tornaram clara para esses dois fãs de cinema:
poderiam assistir seus filmes favoritos como fossem a primeira vez, para
sempre! Bastava antes de assistir ao filme novamente, vestir um capacete para
apagar áreas específicas de memória e pronto! Você assistirá ao filme como
fosse a primeira vez – o frescor das surpresas, reviravoltas, o suspense, as
piadas, tudo de volta, novinho em folha como fosse uma estreia.
Em forma de mockumentary (algo que
muitas vezes não passa de uma muleta cômica, mas que funciona perfeitamente
nesse curta), Movie Mind Machine entrevista esses dois cinéfilos sobre
sua grande descoberta que revolucionará à indústria cinematográfica e
plataformas streaming como o Netflix.
É um curta
engraçado, em movimentos rápidos e repleto de linhas de diálogo com
referencias a novos clássicos do cinema.
Obsessão por nostalgia
O primeiro tema
interessante desse curta: culturalmente vivemos numa época em que estamos
obcecados por nostalgia: pastiches, refilmagens, narrativas ambientadas nos
anos 70 e 80 etc. O que aconteceria se pudéssemos fazer tudo que é antigo em
novo de novo?
O curta parece
ser uma resposta aos cinéfilos e críticos, sempre à procura de coisas
absolutamente inovadoras e inéditas. Mas, no fundo, gostamos mesmo de
entretenimento com o qual estamos familiarizados com apenas um toque de
novidade. Por isso, Movie Mind Machine é também uma sátira a essa
fórmula hollywoodiana: a construção dos gêneros e seus cânones.
Mas há um tema
ainda mais sério: o esquecimento e o psiquismo do vício. Os protagonistas Matt
e Ronn são viciados em filmes e, como todo vício, é regido pelo mecanismo
psíquico da busca do prazer da “primeira vez”.
Assim como no
consumo de drogas, na primeira vez o prazer é intenso. Na segunda vez o prazer
já não é mais ou mesmo, o que leva o usuário da droga a um trabalho de Sísifo
de rolar sempre a pedra do seu vício montanha acima na busca do prazer da
primeira vez que nunca alcança. E o trabalho sempre recomeça.
Esse é o
mecanismo psíquico da oralidade freudiana: o prazer oral da infância é o mais
intenso e marcante das nossas vidas, do qual renunciamos após o drama edipiano
e a ruptura materna. Passamos o resto das nossas vidas tentando traduzir esse
prazer seminal em termos de desejos e fantasias que serão capturados pela
indústria do entretenimento, fármacos, drogas e sociedade de consumo.
Positividade e esquecimento
Se Freud
acreditava que o homem deveria “simbolizar”, por meio da psicanálise, esse
psiquismo infantil que permanece na vida adulta, na atualidade encontramos o
oposto: reforça-se uma cultura do esquecimento - devemos deletar nossas
memórias ou experiências traumáticas.
Das técnicas de
autoajuda aos fármacos antidepressivos há uma tendência a uma positividade
baseada no esquecimento e negação da realidade.
Se o cinema for
a Caverna de Platão contemporânea, o que Matt e Ronn fazem no vídeo é negar a
própria caverna por meio do esquecimento. Assim como a positividade das
autoajudas e fármacos antidepressivos se fundamentam no mecanismo de negação
para tornar a realidade mais cor de rosa.
O mais curioso
no curta Movie Mind Machine é que o vício e dependência dos
protagonistas continuam, mas agora é transferida dos filmes para a própria
máquina de esquecimento. No curta suas mães e namoradas reclamam da crescente
sociopatia dos protagonistas – estão esquecendo as chaves, o trabalho, a
família, os amigos...
Que tal uma
meta-máquina na qual esquecemos daquilo que nos fez esquecer? Será que atual
onda da realidade aumentada (Google Glass, Pokémon Go!) seria o início disso?