Há um assustador subgênero dentro dos filmes de terror: protagonistas
tomadas por uma assustadora gravidez que pode trazer dentro de si a própria
semente do Mal. É um tema recorrente no cinema, passando por clássicos como “O
Bebê de Rosemary”, “It’s Alive” ou, recentemente, “Prometheus”. Toda
recorrência na produção cinematográfica significa a existência de algum
imaginário ou arquétipo que procura expressão audiovisual. O independente “Antibirth”
(2016) é mais um filme que se enquadra nessa temática onde a gravidez é
representada como algo estranho e invasor, alienado da própria sexualidade.
Tema que ganhou espaço no cinema paralelo à revolução sexual e o individualismo
e narcisismo da sociedade de consumo. A gravidez se torna a alienação da
sexualidade e a própria alienação de nós mesmos. Por isso, no estranho filme
noir-psicodélico “Antibirth” pessoas alienadas de seus próprios desejos são
candidatos perfeitos para algum estranho experimento.
Há um subgênero
dentro dos filme de Terror que já possui uma longa trajetória: a narrativa
sobre a gravidez assustadora – O Bebê de Rosemary, It’s Alive, I Don’t Want
to be Born, Inside, Alien, Prometheus, Demon Seed etc.
Suas origens
estão em um filme de 1960 chamado Village of The Damned: em um vilarejos
todas as mulheres geram crianças mutantes com olhos malignos e capazes de fazer
coisas terríveis com as mentes das pessoas.
Depois desse
filme, o tema passou a ser recorrente por décadas, transformando-se em
subgênero. A mãe vive uma relação de estranhamento seja diante forma de
concepção (abdução, rapto, estupro, sedução etc.), estranhamento em relação ao
pai (o demônio, uma mutação, uma máquina, aliens, experiências) ou
estranhamento pela evolução da gravidez (deformação corporal monstruosa, males
psíquicos, alucinações, paranoia etc.).
Recorrências
temáticas na produção cinematográfica são sempre índices da existência de um
imaginário, arquétipo ou espírito de época que procura sua representação
imagética na cultura popular. Esse subgênero cresceu paralelo à revolução
sexual, a pílula anticoncepcional, o crescimento do individualismo e consumismo,
a indústria do sexo e do erotismo e o gozo como um tema transversal do
Feminismo até os movimentos LGBT.
Nesse espírito
de época, certamente a gravidez tornou-se a alienação do sexo - é um acidente,
algo indesejado, implica disponibilidade, dedicação e uma série de obrigações
que é o oposto do gozo e do prazer. Precisa ser planejado, calculado os seus
riscos e as relações custo-benefício.
O filme Antibirth
(2016), na estreia como diretor de Danny Perez, é mais uma produção que
atualiza esse subgênero – dessa vez não temos uma narrativa onde encontramos
uma inocente heroína que tem sua rotina familiar ou virtuosa quebrada por uma
monstruosa ou sobrenatural gravidez indesejada cujo bebê tem uma missão maligna
sob o comando paterno. Agora temos uma protagonista que já vive em um inferno
de drogas e álcool e tudo só tende a se tornar pior.
Lou (Natasha
Lyonne da série Netflix Orange Is The New Black) é uma mulher motivada apenas pela busca de
diversão e prazeres em uma pequena comunidade barulhenta formada por drogados,
boozers e veteranos militares quando, de repente, começa a sentir sintomas de
gravidez. Para ela, é certo que não teve
relações sexuais nos últimos meses, mas estranhos flashs confusos de memória
sobre uma festa psicodélica numa fábrica abandonada a assombram.
Todos os temas
desse subgênero são explorados (a paranoia, uma possível conspiração, a
gravidez que consome a própria mãe, estranhas deformações corporais etc.), mas
em estilo, por assim dizer, noir-psicodélico – todos vivem em um submundo de
losers, pequenos escroques e traidores.
Se a alienação
do sexo, a gravidez, é conduzida ao exagero do estilo trash, slash e sci-fi, Antibirth
vai ainda mais além ao retratar como a própria alienação do desejo
transforma-se no campo do domínio do poder – uma gang de traficantes alimenta
quimicamente aquela comunidade. Mas sem saberem, poderão ser instrumentos de
uma organização de poder ainda maior. E a gravidez de Lou parece ser o
epicentro de tudo.
O Filme
Quando
assistimos ao filme tudo parece ser uma combinação psicodélica de O Bebê de
Rosemary e Alucinações do Passado (Jacob’s Ladder, já
analisado pelo Cinegnose, clique aqui).
Antibirth tem a característica peculiar dos filmes
noir: todos os personagens são antipáticos e até repugnantes. Ninguém inspira
confiança e todos parecem suspeitos, como nos bons e velhos filmes de detetives
noir. Portanto, o filme não obedece a um dos mandamentos dos filmes
hollywoodianos: a identificação. Lou, a protagonista, é disgusting. Vive de
gin, tequila, bongo, cigarros, trash-foods. Só por isso, o filme merece
respeito.
Lou vive em uma
comunidade cujo auge da vida noturna é uma pista de boliche dublê de buffet de
festas infantil: a Funzone, animada por estranhos palhaços que parecem os
personagens dos Teletubbies, só que em uma versão mais sinistra.
Mas houve aquela
festa em uma instalação industrial que quebrou a rotina. Dessa festa, Lou teve
um estranho black-out com flash-backs que surgem a qualquer momento.
Em um dos seus
biscates para ganhar algum dinheiro, trabalhando na limpeza de um motel,
conhece uma mulher mais velha chamada Lorna (Meg Tilly). Uma ex-militar que
trabalhava com radares até ter uma experiência extraterrestre de abdução cujos
resultados abreviaram a carreira no exército. Depois disso estranhas bolhas de
pus brotam dos pés de Lou, enquanto a barriga cresce de uma forma estranhamente
rápida. Tudo isso enquanto Lou fuma e bebe compulsivamente.
Eventualmente
emerge uma conspiração. O útero de Lou estaria sendo usado por forças obscuras
para algum fim nefasto. É o que é pior: parece que Lou é a mãe ideal pela
intensa contaminação química.
E a pequena gang
de escroques traficantes que abastece aquela pequena comunidade seria apenas
instrumento de algum tipo de experimento com uma nova droga estranha e potente.
Seu chefe, Gabriel (Mark Webber) vê em tudo isso a oportunidade de “chegar ao
topo”. Mas ele é um instrumento de quem? Que experimento é esse e qual o seu
propósito? E, principalmente: o que Lou está gerando?
Poder e alienação do desejo – aviso de spoilers à frente
Além de Antibirth
ser mais um filme que se insere nesse subgênero que expressa o mal estar
psíquico contemporâneo da gravidez sentida como um efeito estranho da
sexualidade, Danny Perez ainda deixa outra tema sub-reptício: a alienação do
próprio desejo e como os poderes vão explorar esse campo como oportunidade de
dominação.
Lou é uma
personagem que muitas vezes nos causa repulsa. Ela parece buscar a própria destruição.
Portanto, o nefasto experimento que parece dominá-la nada mais seria para ela
do que finalmente a oportunidade dela dar cabo de si mesma.
Freud mostrou
que a sequência prototípica traumática é repetida na vida adulta: o adulto
neurótico tenta fazer o mesmo que lhe fizeram e seu drama, interiorizado, é
revivido de forma cíclica, repetitiva. Lou é filha de um ex-combatente da
guerra do Vietnã (ecos do filme Alucinações do Passado?) que deixou para
ela apenas a pequena casa em que mora que mais parece um pequeno container
caindo aos pedaços.
Lou parece
repetir neuroticamente o drama do abandono tentando abandonar a si mesma em
dosagens massivas de álcool e drogas. Lou aliena-se do desejo por amor e
afeição e torna-se repulsiva e agressiva. Candidata perfeita ao misterioso
experimento que parece envolver alguma agência do Governo.
Denny Perez
descreve em linhas gerais o próprio esquema psíquico da dominação por todos os
poderes: a alienação como o gozo do Poder.
Assim como o
Capital aliena o trabalho de nós mesmos para gozar através do lucro ou a
sociedade de consumo aliena os nossos desejos para gozar por meio das relações
de consumo, da mesma maneira a alienação neurótica de Lou é o psiquismo
perfeito para alguma forma misteriosa de Poder exercer o gozo da dominação
através de um estranho experimento.
Antibirth é um filme
estranho e desconfortável para os espectadores porque expressa esse mal-estar
moderno: a alienação em relação à sexualidade e a nós mesmos.
Ficha Técnica |
Título: Antibirth
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Diretor:
Danny Perez
|
Roteiro: Danny Perez
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Elenco: Natasha Lyonne, Chloë Sevigny,
Meg Tilly, Mark Webber, Maxwell McCabe-Lokos
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Produção: Traverse Media, Hideaway Pictures
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Distribuição:
IFC Midnight
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Ano:
2016
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País: Canadá,
EUA
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