Enquanto em 1979 o filme “Bye Bye Brasil”, de Cacá Diegues, era a despedida
de toda uma geração para um País que não mais existiria graças a americanização
trazida pela TV, no filme “Boi Neon” (2015), de Gabriel Mascaro, a geração
atual declara: “Welcome to Brazil”. Não mais o Brasil da “Caravana Rolidei”
cuja trupe visitava rincões de subdesenvolvimento, mas agora o Brasil de um
road movie que circula nos bastidores dos agro shows do Nordeste – vaquejadas e
leilões. A selvageria por trás do "mise en place" dos agronegócios é amenizada através dos signos do “rústico”, do “rural”, do “selvagem” padrão
exportação. Desdobramento do chamado “cinema de retomada”, cujos diretores e produtores são egressos do mercado audiovisual publicitário e televisivo. “Boi Neon” é a história de um vaqueiro que tem um sonho:
transformar-se em estilista de Moda.
Ao assistirmos
ao filme brasileiro Boi Neon é impossível deixar de lembrar de outro filme
brasileiro chamado Bye Bye Brasil (1979) de Cacá Diegues. O filme
mostrava uma trupe de um circo itinerante que se despedia do velho Brasil
substituído pela TV e modismo norte-americanos. Nesse filme, uma geração
inteira se despedia de um País deixado para trás pelos aparelhos de TV
sintonizados na Rede Globo.
Agora, com Boi
Neon (2015) de Gabriel Mascaro é como se a geração atual dissesse: “Welcome
to Brazil” – não mais o Brasil americanizado dos anos 1970 mas, bem diferente,
uma cultura brasileira tipo exportação.
É comum ler na
imprensa estrangeira como os filmes brasileiros atuais estão cada vez mais
parecidos com os americanos, franceses ou mesmo tailandeses. Para críticos
estrangeiros, parecem-se muitos pouco com uma certa ideia que fazem do Brasil,
ainda do Cinema Novo dos anos 1960.
A onírica
sequência no filme de um boi iluminado por neon em um espetáculo de vaquejada
no interior qualquer do Nordeste dá a imagem exata da atual produção cultural
brasileira: vaquejada, forró, samba, cinema etc. continuam existindo, mesmo
após a invasão da cultura norte-americana mostrada por Bye Bye Brasil.
Mas ela foi ressemantizada, isto é, foi reelaborada para se encaixar a uma
linguagem internacionalizada, um marketing universal multiculturalista.
Assim como o
próprio filme Boi Neon: uma narrativa ao estilo road movie
através da qual uma história rodada no interior do Nordeste torna-se atraente
para o mercado internacional. Assim como o subgênero favela movie de
filmes como Cidade Deus ou Cidade dos Homens mostrou a cultura
marginal dos morros cariocas em uma linguagem a la Tarantino ou Guy Ritchie
misturando comédia, o gênero policial e violência.
E, para
completar essa ressemantização (ou ressignificação) para se adequar ao padrão
internacional de linguagem dos mercados cinematográficos, temos também um olhar
para a cultura nordestina das vaquejadas pelo viés ecologicamente correto –
como se homem, animal e natureza estivessem perfeitamente fundidos em longas e
tranquilas sequências de planos gerais. Uma terra suja, seca e rústica, mas
esteticamente linda.
O Filme
Boi Neon não tem
propriamente uma história. É um filme muito mais descritivo onde os personagens
são o que são, não há um desenvolvimento ou um crescendo para um objetivo
maior.
Conhecemos uma
trupe de trabalhadores que atuam nos bastidores das vaquejadas preparando os
bois para disputas e cavalos para leilões. Eles muitas vezes literalmente
chafurdam nas fezes bovinas. Mas conhecemos o protagonista, Iremar (Juliano
Cazarré), que apesar do cotidiano rústico tem o sonho de se tornar estilista de
moda. Passa o seu tempo livre desenhando
vestidos sobre fotos de revistas de mulheres nuas, além de frequentar lixões
para catar pedaços de bonecos para montar manequins.
Compõem o grupo
itinerante a motorista do caminhão chamada Galega (Maeve Jinkings) que usa os
vestidos de Iremar para fazer bicos de dançarina de boate; a sua filha Cacá
(Alyne Santana), além de Zé (Carlos Pessoa) e Mário (Josinaldo Alves).
Ao contrário da “Caravana
Rolidei” de Bye Bye Brasil que rodava o Norte do País nas estradas
enlameadas e rincões de pobreza e subdesenvolvimento, aqui em Boi Neon
vemos os bastidores dos agronegócios e longas estradas asfaltadas passando por
polos urbanos, industriais e shoppings do novo Nordeste brasileiro.
Inversão de papéis e de gêneros
É um mundo de
repetições que se iguala a uma linha de montagem industrial: tocar o gado,
abrir e fechar porteiras, derrubar as res, lavar animais, preparar
cuidadosamente o rabo dos bois para as competições de vaquejada.
O diretor Gabriel
Mascaro parece querer brincar com as inversões de papéis dos gêneros e com as
expectativas do espectador. A figura apolínea e rústica de Iremar esconde um
desejo reprimido de tornar-se um estilista. Galega, a única mulher do grupo, é
quem dirige o caminhão.
Os potenciais
vilões, os personagens ricos dos filmes e grande empresários de agronegócios,
não são figuras maquiavélicas com seus pequenos poderes. Pelo contrário,
parecem seres desapaixonados como fossem dominados pelos seus próprios
negócios.
E a própria
sexualidade de Iremar, o vaqueiro que gosta de estilismo (sugerindo
homo-afetividade em um universo rural masculino) , que é mantida em suspense e
só revelada no final do filme em uma longa sequência erótica.
Estilo “Welcome to Brazil”
Do início ao fim
Boi Neon parece ser atravessado pelo estilo Welcome to Brazil, a
construção imagética do País para Festivais e mercados no Exterior.
Uma bela
fotografia repleta de luz natural com planos abertos que raramente se aproximam
dos personagens. Isso porque é insistente a necessidade de mostrar uma
integração homens, animais e natureza: cavalos sendo lavados para depois vermos
em um plano geral de vaqueiros nus tomando banho; a cena de sexo da Galega ao
lado dos cavalos; os planos abertos figurando uma aparente harmonia entre
autoestradas, instalações industriais e natureza.
Os bois jamais
são maltratados, vemos apenas eles sendo derrubados nas corridas de vaquejada. “Veleu
Boi!”, agradece o locutor a cada queda final do animal na areia. Os bastidores
dos agro shows (vaquejadas e leilões) são de lirismo, beleza estética e
harmonia homem-animal. Bem diferente da realidade.
Para ter melhor
penetração no mercado internacional, produções audiovisuais brasileiras devem
mostrar um Brasil “tipo exportação”: a cultura brasileira deve ser
“multiculturalizada”, ou seja, filtrada e traduzida pelos cânones do
ecologicamente correto, de uma fotogenia e estilização que iconifique o Brasil
para o mundo.
Vaqueiros e cowboys da Marlboro
A selvageria por
trás do mise en place dos agronegócios é amenizada para se transformar
na iconização do signo do “rústico”, do “rural”, do “selvagem”.
Por isso, Boi
Neon em tudo lembra o destino do cowboy após a globalização da marca
Marlboro. Nas suas origens as imagens e símbolos das campanhas da
Marlboro foram retiradas do imaginário rude e violento do “western” da cultura
americana - paisagens hostis, homens fortes dominando a natureza, laçando e
submetendo cavalos, bois etc.
Na sua fase
pré-globalização, as campanhas Marlboro reproduziam este imaginário mítico nas
origens das tradições nacionais americanas (o pioneiro, o herói brutal, o
guerreiro).
Na fase
globalizada, esta imagem original necessitou ser “ressemantizada” ou
“resignificada”. Para evitar possíveis choques culturais nos mercados externos
a imagem original teve que ser “limpa” - tudo o que fosse regional ou nacional
(elementos que podem criar choques culturais) foram eliminados para ficar
apenas os símbolos depurados, signalizados, abstratos.
Dessa
maneira, o cowboy mítico americano agressivo e dominador foi substituído por
uma imagem mais “ecológica” e “correta”: o cowboy da Marlboro agora não mais
doma ou confina animais. Apenas observa o pôr do sol, os animais correndo
livres, senta-se em frente à fogueira, contempla a harmonia da natureza.
A signalização do Brasil
Filmes
brasileiros como O Invasor (2001) é um contraponto nesse contexto de
signalização do Brasil. Diferente de Cidade de Deus, mostra a violência
da periferia e marginalidade de São Paulo com uma linguagem autônoma, sem
filtrar a cultural regional paulistana pelo padrão de linguagem
multiculturalista.
No caso de Boi
Neon é sintomática essa lógica Welcome to Brazil - é o próprio
reflexo de uma coprodução multinacional Brasil, Uruguai, Holanda e Espanha.
E também um
desdobramento do chamado “cinema da retomada” brasileira, cujos diretores e
produtores são egressos do mercado audiovisual publicitário e televisivo.
Ficha Técnica |
Título: Boi
Neon
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Diretor:
Gabriel Mascaro
|
Roteiro: Gabriel Mascaro
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Elenco: Juliano Cazarré, Maeve Jinkings,
Josinaldo Alves, Alyne Santana
|
Produção: Desvia Filmes, Malbicho Cine, Viking Film, Canal Brasil, Programa
Ibermedia
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Distribuição:
Memento Films International
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Ano:
2015
|
País:
Brasil, Uruguai, Holanda, Espanha
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