domingo, agosto 21, 2016

Curta da Semana: "Third Reich" - Hitler não morreu para os "The Residents"


A banda mais estranha da história do rock faz um vídeo obscuro e surreal de um dos discos mais enigmáticos dos anos 1970. Estamos falando da banda “The Residents” e do disco “Third Reich N’Roll” de 1976. Ao comemorar o trigésimo aniversário em 2001, “The Residents” lançaram o box com DVD e CD chamado “Icky Flix”. Ao longo de décadas os membros da banda se mantiveram incógnitos, não dão entrevistas e nos shows apresentam-se em estranhos disfarces. O vídeo-clip “Third Reich” do DVD Icky Flix” é tão estranho quanto a banda. Se o pensador Theodor Adorno estivesse vivo, certamente gostaria desse curta – Hitler e o nazi-fascismo foram destruídos, mas seu “modus operandi” permaneceu na Indústria Cultural.

Se o pensador alemão Theodor Adorno (expoente da chamada Escola de Frankfurt) estivesse vivo, certamente teria escrito alguma coisa sobre um obscuro grupo musical chamado The Residents. Talvez Adorno não gostasse da música, mas muito provavelmente aprovaria a postura dessa banda em relação à Indústria Cultural.
The Residents é a mais influente banda anônima da história do “rock”, se é que é possível assim definir o gênero musical desse grupo – uma idiossincrática mistura de acordes eletrônicos, distorções pós-punk, avant-jazz e rock-progressivo, reinterpretando qualquer coisa de John Philip Souza, George Gershwin e Beatles a Hank Williams e James Brown.
Há quem jure que o grupo jamais existiu. Em quatro décadas de existência, sempre mantiveram suas vidas e música na obscuridade. Os membros da banda se recusam a dar entrevistas e nunca expuseram suas identidades. Nas apresentações ao vivo sempre se apresentam totalmente disfarçados. O disfarce mais conhecido consiste em smoking, cartolas e imensas máscaras de globos oculares injetadas de sangue.
Eles justificam essa atitude como inspirada em uma tal de “Teoria da Obscuridade” de um suposto teólogo e músico chamado N. Senada: a arte deve se manter pura, sem a influência do público ou do mercado. A arte deve ser julgada apenas pelo seu trabalho – etnia, gênero, identidade etc. devem ser mantidos no anonimato.
The Residents pertencem a um grupo que os empresaria: a The Cryptic Corporation. O grupo serve de porta-voz da banda, em geral rebatendo questões sobre identidade com repostas vagas e evasivas. Há teorias de que The Residents seria na verdade formado por artistas do pop e rock famosos, mas que mantêm o anonimato em um trabalho paralelo.

Quando o grupo comemorou seus 30 anos de existência em 2001, lançou uma caixa combinando DVD e CD chamado Icky Flix com vídeo-clips e versões remixadas e novas versões da sua extensa discografia.
Dos vídeo-clips o Cinegnose selecionou esse curta-clip chamado Third Reich, um vídeo-clip relativo ao segundo disco do The Residents lançado em 1976 chamado Third Reich N’ Roll uma sátira não só do Nazismo, mas da própria indústria musical, mostrando Hitler  (representado pelo cantor Dick Clark) segurando uma cenoura.
O disco continha apenas duas longas canções: “Swastikas On Parade” e “Hitler Was A Vegetarian”. O disco era recheado de paródias com o ditador nazista com fragmentos de várias canções clássicas do rock e do funk. Um dos prazeres dos ouvintes era identificar a origem dos fragmentos musicais.
Após o lançamento do disco, The Residents fez três concertos em Berkeley, Califórnia. Os shows são lendários: são os únicos realizados durante toda a década de 70; foi feito atrás de um vidro meio opaco, como se estivessem dentro de um aquário e todos estavam vestidos de múmias.
The Residents em 1976 em show do lançamento do "Third Reich N'Roll"

O Curta


Inteiramente em stop motion e em pb, o curta é estranho e surreal e com um significado tão obscuro como a própria banda. Mas fica claro que há um tema latente que certamente chamaria a atenção de Theodor Adorno: a moderna indústria do entretenimento como uma continuidade da máquina de propaganda nazista.
Assistimos a um grupo musical mascarado por capuzes de jornal (talvez os próprios Residents) que repentinamente são subjugados de forma violenta por sirenes e uma figura armada e ameaçadora. Para depois tudo se transformar numa espécie de bizarro altar nazi-midiático: um aparelho de TV com a suástica na tela empunhando uma guitarra se destaca no desfile de estranhos objetos ao som de um tema rock n’roll em sintetizador.
Nesse altar nazi-midiático, onde desponta o próprio Hitler no alto, sugere que a banda que vimos na primeira metade do vídeo, foi submetida, controlada e suas guitarras roubadas.

No livro clássico Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer, o conceito de Indústria Cultural ia muito além da noção de “meios de comunicação de massa”. Eles viam uma linha de continuidade entre as técnicas modernas de propaganda (a esteticização da política) criadas pelo nazi-fascismo e a atual cultura de massas. Hitler e o nazismo foram destruídos, mas seu modus operandi permaneceu e prosperou como uma próspera indústria de entretenimento.
Em Adorno e Horkheimer o nazismo conseguiu banalizar o mal através de uma estética kitsch repleta de estereótipos de felicidade por meio de uma incipiente cultura de celebridades – onde Hitler despontava como o primeiro pop star da História.
Principalmente para Theodor Adorno, a arte teria sido roubada (transformada em pop, design e comunicação visual) para criar uma embalagem banalizada, “bonita” e excitante para um conteúdo horrível e desumano. É o que estaria por trás da mercantilização da arte, da qual os Residents tentaram fugir e satirizaram por 40 anos.

A carreira dessa banda estranha e bizarra vale à pena ser conhecida. É um exemplo de como a indústria do entretenimento pode ser enfrentada dentro dos seus próprios domínios.

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