quinta-feira, agosto 11, 2016

Série "Mr. Robot", segunda temporada: o labirinto PsicoGnóstico


A série “Mr. Robot” é fascinada por sistemas. Depois de mostrar a virtualidade do sistema financeiro e a sua destruição por sistemas de computadores na primeira temporada, agora a série mergulha no sistema esquizofrênico do protagonista Elliot. Dos temas CosmoGnósticos, agora a série aprofundará temas PsicoGnósticos: como o controle do Ego é uma ilusão – assim como Tyler Durden libertou-se do psiquismo do protagonista em “Clube da Luta”, da mesma forma Mr. Robot desafiará as ilusões dos medicamentos antidepressivos, psicoterapias e todo o ideário da autoajuda.


Agora que os segredos da primeira temporada de Mr. Robot foram revelados (as alucinações do protagonista foram explicadas, o porquê da relação paternal com Mr. Robot,  enquanto os mercados mundiais foram reduzidos a cinzas pelos cyber-ativistas), a segunda temporada enfrenta um grande desafio: manter a tensão e o mistério já que a brilhante primeira temporada simplesmente respondeu a todas as questões – sobre a análise do Cinegnose da primeira temporada clique aqui.

A série Mr. Robot tem que ser agora reinventada pelo criador Sam Esmail. Como o protagonista Elliot Anderson (Rami Malek) diz no início da temporada, o mais difícil não foi apagar todos os back-ups da E-Corp, mas o que virá depois.

Obviamente, o império do Mal vai contra-atacar com o FBI e a costumeira socialização das perdas com a ajuda do Governo aos mercados financeiros em bancarrota. Como todos os crashs financeiros nos ensinam, os ganhos são privatizados e as perdas sempre socializadas.

Por isso a segunda temporada abre com o mundo aparentemente o mesmo. Mas aos poucos descobrimos que há uma aparência que esconde um certo pânico: caixas de bancos impotentes, contas correntes zeradas, o dinheiro vivo como um produto escasso e o comércio querendo o pagamento em papel-moeda antecipado para qualquer transação.

E o suicídio ao vivo na TV e em rede nacional de um executivo da E-Corp que retira uma pistola de uma maleta e estoura os miolos – o episódio faz uma clara referência a um incidente real ocorrido em 1987 quando um político da Pensilvânia chamado Budd Dwyer disparou um tiro na boca em uma coletiva para a imprensa transmitida pela TV.


O labirinto PsicoGnóstico


Porém, os primeiros episódios vão se aprofundar no labirinto pessoal de Elliot e nos seus delírios esquizofrênicos com o arrogante personagem Mr. Robot (Christian Slater), uma nova versão para o personagem Tyler Durden de Clube da Luta.

Dessa forma, se a primeira temporada explorou o imaginário CosmoGnóstico de Matrix (o mundo como uma ilusão no qual estamos prisioneiros através das tecnologias virtuais – aqui, no caso, a virtualidade do sistema financeiro), agora Mr. Robot irá explorar os temas PsicoGnósticos: o protagonista prisioneiro no interior do seu próprio psiquismo, sem conseguir distinguir o delírio da realidade.

Como assistimos na primeira temporada, Elliot vive uma clivagem esquizofrênica parecida com a do protagonista do Clube da Luta. Assim como nesse filme, é a condição esquizofrênica de Elliot que o faz despertar da ilusão da realidade cotidiana.

O arrogante Mr. Robot é a nova versão de Tyler Durden que incita Elliot ao hacker-ativismo para salvar o mundo. Mas se na primeira temporada, a meta-paranoia foi o dispositivo de Elliot proteger-se de si mesmo e não sabotar a missão, agora na segunda temporada ele tenta se livrar de Mr. Robot e voltar a se apegar à rotina diária.

Aqui temos uma interessante retomada de temas gnósticos basilidianos que foram explorados em Clube da Luta: a necessidade da suspensão do Ego e da racionalidade para buscar “o grau zero”, o silêncio e a gnose.

Nos primeiros episódios da atual temporada acompanhamos a dura luta de Elliot para se livrar de Mr. Robot, a luta do Ego contra o despertar interior. Ele recorre à medicação antidepressiva, psicoterapia, grupos de autoajuda e até a religião.


Controle é ilusão


Elliot tenta fazer um diário no qual anota a cada hora o que está fazendo, apega-se a uma rotina repetitiva e vazia e participa de um grupo católico de autoajuda. Rotina, racionalidade, religião e drogas antidepressivas: os múltiplos instrumentos da nossa existência para nos alienarmos até o esquecimento.

Para o Gnosticismo, são as formas de consolação ou de racionalização para enfrentar o mal-estar provocado por esse mundo. Formas de reforçar o Ego e impedir qualquer visão ou vislumbre de consciência. O controle do Ego é apenas uma ilusão.

Sem resultado efetivo, Elliot propõe a seguinte estratégia: um jogo de xadrez com Mr. Robot. Se vencê-lo, ele terá que desaparecer para sempre. Aqui Sam Esmail faz uma curiosa alusão ao filme de Ingmar Bergman O Sétimo Selo (1956): um Cruzado retorna para sua casa e se depara com a personificação da Morte e lhe propõe uma negociação – um jogo de xadrez para ganhar tempo e indagar o sentido da vida e da morte.

Se em Bergman o xadrez é uma alegoria da busca do sentido da existência através da racionalidade, em Mr. Robot a abordagem é contrária: o jogo sempre termina empatado, até que os rivais entram em um estado de suspensão de toda racionalidade. O jogo de xadrez não foi o instrumento para a racionalidade triunfar, mas para ser suspensa.

Se em Clube da Luta, o silenciamento do Ego (mente e corpo) é por meio da dor e violência, na série é por vias mais “cerebrais”: o fracasso do Ego por meio de um “bug” inserido nele mesmo, assim como os cyber-ativistas inseriram um script exploit para detonar os servidores e derrubar os mercados mundiais.

É um tema basilidiano (de Basilides, filósofo gnóstico do início da Era Cristã) por excelência: o estado alterado de consciência da suspensão como instrumento de anulação do Ego e o despertar da Gnose.


O culto fetichista da f*society


Os primeiros episódios da segunda temporada ainda aborda um outro tema interessante: o momento em que a marca f*society torna-se tão famosa na mídia que a icônica máscara que representa o grupo cyber-ativista torna-se objeto de culto fetichista pelas pessoas. Vemos nas ruas grupos de jovens com a máscara da f*society correndo e praticando pequenas depredações.

Uma delas é quando “castram” escultura de bronze do touro (o “Charging Bull”) no distrito financeiro de Wall Street e levam os seus testículos para uma festa de hackers que os ostentam como prêmio e objeto de culto fetichista: a castração do próprio poder financeiro – assim como foram simbólicas as quedas das torres gêmeas nos atentados de 2001: a castração do poder fálico dos EUA (arranha-céus são símbolos fálicos do poder financeiro mundial) pelos terroristas.

Numa evidente alusão ao episódio bíblico de Moisés no qual após descer o Monte Sinai surpreende seu povo adorando um bezerro de ouro e esquecendo-se de Deus. Zangado ao ver os hebreus adorando um falso deus, Moisés joga no chão as tábuas de pedra dos Mandamentos e manda seus homens pagarem as espadas para matar os adoradores.

Darlene (Carly Chaikin – irmã de Elliot e hacker integrante da f*society) interrompe a festa criticando a superficialidade das comemorações  e a perda do sentido da vitória. Mas nada ainda foi conquistado e a E-Corp e FBI estão vindo com tudo. É necessário traçar novos planos contra o império do Mal.  

O sistema foi danificado, mas tudo permanece ainda tecnicamente intacto.

Mr. Robot é uma série fascinada por sistemas. Mas não apenas pelos sistemas criado pelos códigos dos computadores. Mas também pela maneira como as pessoas criam sistemas internos para lidar com o caos ao redor.

Por isso Sam Esmail faz uma interessante correspondência que fica mais evidente nessa segunda temporada: a analogia entre o sistema virtual da economia que aprisiona as pessoas em débitos e dívidas e o loop esquizofrênico de Elliot, capaz de criar novos sistemas e rotinas para tentar aprisionar o Mr. Robot que há dentro dele. 

                  E que também há dentro de cada um de nós.


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