A série “Mr. Robot” é fascinada por sistemas. Depois de mostrar a
virtualidade do sistema financeiro e a sua destruição por sistemas de
computadores na primeira temporada, agora a série mergulha no sistema
esquizofrênico do protagonista Elliot. Dos temas CosmoGnósticos, agora a série
aprofundará temas PsicoGnósticos: como o controle do Ego é uma ilusão – assim
como Tyler Durden libertou-se do psiquismo do protagonista em “Clube da Luta”,
da mesma forma Mr. Robot desafiará as ilusões dos medicamentos antidepressivos,
psicoterapias e todo o ideário da autoajuda.
Agora que os
segredos da primeira temporada de Mr. Robot foram revelados (as
alucinações do protagonista foram explicadas, o porquê da relação paternal com
Mr. Robot, enquanto os mercados mundiais
foram reduzidos a cinzas pelos cyber-ativistas), a segunda temporada enfrenta um
grande desafio: manter a tensão e o mistério já que a brilhante primeira
temporada simplesmente respondeu a todas as questões – sobre a análise do
Cinegnose da primeira temporada clique aqui.
A série Mr.
Robot tem que ser agora reinventada pelo criador Sam Esmail. Como o
protagonista Elliot Anderson (Rami Malek) diz no início da temporada, o mais
difícil não foi apagar todos os back-ups da E-Corp, mas o que virá depois.
Obviamente, o
império do Mal vai contra-atacar com o FBI e a costumeira socialização das
perdas com a ajuda do Governo aos mercados financeiros em bancarrota. Como
todos os crashs financeiros nos ensinam, os ganhos são privatizados e as perdas
sempre socializadas.
Por isso a
segunda temporada abre com o mundo aparentemente o mesmo. Mas aos poucos
descobrimos que há uma aparência que esconde um certo pânico: caixas de bancos
impotentes, contas correntes zeradas, o dinheiro vivo como um produto escasso e
o comércio querendo o pagamento em papel-moeda antecipado para qualquer transação.
E o suicídio ao
vivo na TV e em rede nacional de um executivo da E-Corp que retira uma pistola
de uma maleta e estoura os miolos – o episódio faz uma clara referência a um
incidente real ocorrido em 1987 quando um político da Pensilvânia chamado Budd
Dwyer disparou um tiro na boca em uma coletiva para a imprensa transmitida pela
TV.
O labirinto PsicoGnóstico
Porém, os
primeiros episódios vão se aprofundar no labirinto pessoal de Elliot e nos seus
delírios esquizofrênicos com o arrogante personagem Mr. Robot (Christian
Slater), uma nova versão para o personagem Tyler Durden de Clube da Luta.
Dessa forma, se
a primeira temporada explorou o imaginário CosmoGnóstico de Matrix (o mundo
como uma ilusão no qual estamos prisioneiros através das tecnologias virtuais –
aqui, no caso, a virtualidade do sistema financeiro), agora Mr. Robot irá
explorar os temas PsicoGnósticos: o protagonista prisioneiro no interior do seu
próprio psiquismo, sem conseguir distinguir o delírio da realidade.
Como assistimos
na primeira temporada, Elliot vive uma clivagem esquizofrênica parecida com a
do protagonista do Clube da Luta. Assim como nesse filme, é a condição
esquizofrênica de Elliot que o faz despertar da ilusão da realidade cotidiana.
O arrogante Mr.
Robot é a nova versão de Tyler Durden que incita Elliot ao hacker-ativismo para
salvar o mundo. Mas se na primeira temporada, a meta-paranoia foi o dispositivo
de Elliot proteger-se de si mesmo e não sabotar a missão, agora na segunda
temporada ele tenta se livrar de Mr. Robot e voltar a se apegar à rotina
diária.
Aqui temos uma
interessante retomada de temas gnósticos basilidianos que foram explorados em Clube
da Luta: a necessidade da suspensão do Ego e da racionalidade para buscar
“o grau zero”, o silêncio e a gnose.
Nos primeiros
episódios da atual temporada acompanhamos a dura luta de Elliot para se livrar
de Mr. Robot, a luta do Ego contra o despertar interior. Ele recorre à
medicação antidepressiva, psicoterapia, grupos de autoajuda e até a religião.
Controle é ilusão
Elliot tenta
fazer um diário no qual anota a cada hora o que está fazendo, apega-se a uma
rotina repetitiva e vazia e participa de um grupo católico de autoajuda. Rotina,
racionalidade, religião e drogas antidepressivas: os múltiplos instrumentos da
nossa existência para nos alienarmos até o esquecimento.
Para o
Gnosticismo, são as formas de consolação ou de racionalização para enfrentar o
mal-estar provocado por esse mundo. Formas de reforçar o Ego e impedir qualquer
visão ou vislumbre de consciência. O controle do Ego é apenas uma ilusão.
Sem resultado
efetivo, Elliot propõe a seguinte estratégia: um jogo de xadrez com Mr. Robot.
Se vencê-lo, ele terá que desaparecer para sempre. Aqui Sam Esmail faz uma
curiosa alusão ao filme de Ingmar Bergman O Sétimo Selo (1956): um
Cruzado retorna para sua casa e se depara com a personificação da Morte e lhe
propõe uma negociação – um jogo de xadrez para ganhar tempo e indagar o sentido
da vida e da morte.
Se em Bergman o
xadrez é uma alegoria da busca do sentido da existência através da
racionalidade, em Mr. Robot a abordagem é contrária: o jogo sempre termina
empatado, até que os rivais entram em um estado de suspensão de toda
racionalidade. O jogo de xadrez não foi o instrumento para a racionalidade
triunfar, mas para ser suspensa.
Se em Clube
da Luta, o silenciamento do Ego (mente e corpo) é por meio da dor e
violência, na série é por vias mais “cerebrais”: o fracasso do Ego por meio de
um “bug” inserido nele mesmo, assim como os cyber-ativistas inseriram um script
exploit para detonar os servidores e derrubar os mercados mundiais.
É um tema
basilidiano (de Basilides, filósofo gnóstico do início da Era Cristã) por
excelência: o estado alterado de consciência da suspensão como instrumento de
anulação do Ego e o despertar da Gnose.
O culto fetichista da f*society
Os primeiros
episódios da segunda temporada ainda aborda um outro tema interessante: o
momento em que a marca f*society torna-se tão famosa na mídia que a icônica
máscara que representa o grupo cyber-ativista torna-se objeto de culto fetichista
pelas pessoas. Vemos nas ruas grupos de jovens com a máscara da f*society
correndo e praticando pequenas depredações.
Uma delas é
quando “castram” escultura de bronze do touro (o “Charging Bull”) no distrito
financeiro de Wall Street e levam os seus testículos para uma festa de hackers
que os ostentam como prêmio e objeto de culto fetichista: a castração do
próprio poder financeiro – assim como foram simbólicas as quedas das torres
gêmeas nos atentados de 2001: a castração do poder fálico dos EUA (arranha-céus
são símbolos fálicos do poder financeiro mundial) pelos terroristas.
Numa evidente
alusão ao episódio bíblico de Moisés no qual após descer o Monte Sinai
surpreende seu povo adorando um bezerro de ouro e esquecendo-se de Deus. Zangado
ao ver os hebreus adorando um falso deus, Moisés joga no chão as tábuas de
pedra dos Mandamentos e manda seus homens pagarem as espadas para matar os
adoradores.
Darlene (Carly
Chaikin – irmã de Elliot e hacker integrante da f*society) interrompe a festa criticando
a superficialidade das comemorações e a
perda do sentido da vitória. Mas nada ainda foi conquistado e a E-Corp e FBI estão
vindo com tudo. É necessário traçar novos planos contra o império do Mal.
O sistema foi
danificado, mas tudo permanece ainda tecnicamente intacto.
Mr. Robot é uma série fascinada por sistemas. Mas não
apenas pelos sistemas criado pelos códigos dos computadores. Mas também pela
maneira como as pessoas criam sistemas internos para lidar com o caos ao redor.
Por isso Sam
Esmail faz uma interessante correspondência que fica mais evidente nessa
segunda temporada: a analogia entre o sistema virtual da economia que aprisiona
as pessoas em débitos e dívidas e o loop esquizofrênico de Elliot, capaz de
criar novos sistemas e rotinas para tentar aprisionar o Mr. Robot que há dentro
dele.
E que também há dentro de cada um de nós.
E que também há dentro de cada um de nós.
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