Vários efeitos colaterais da viagem ao espaço são estudados, dos efeitos da radiação cósmica na cognição e visão dos astronautas, à perda de massa óssea, muscular e alto risco de câncer. Além de misteriosos relatos de visões de luzes cegantes provenientes de aparições no espaço semelhantes a anjos. A série Apple TV+ “Constelação” (2024-) dá a sua interpretação para tudo isso. E na atual onda de produções sci-fi, somente pode ser dentro do campo dos multiversos quânticos. Mas aqui, a “sobreposição quântica” na verdade é a sobreposição da ficção-científica com o conto de fadas: a Alice de “Alice Através do Espelho” de Lewis Carroll encontra-se com o experimento imaginário de Schödinger do gato numa caixa ao mesmo tempo morto e vivo.
Cinquenta e cinco anos depois de parecer termos perdido no tempo aquela tecnologia maravilhosa que não só fez o homem pisar na Lua mas também tornar a viagem Terra-Lua rotineira entre 1969 e 1972, somente agora os cientistas estão tendo a noção real dos efeitos colaterais de uma viagem ao espaço.
Para começar a exposição à radiação cósmica leva à diminuição da capacidade de visão, perdas cognitivas, alterações significativas na flora gastrintestinal com alto de risco de câncer no intestino. Sem falar na já conhecida perda da massa óssea e muscular, cujo protocolo de duas horas diárias de exercícios físicos não são suficientes para mitigar as perdas, segundo estudos mais recentes.
A esses efeitos se somam a misteriosas visões recorrentes de astronautas que veem luzes cegantes de seres humanoides pairando no espaço, semelhantes a anjos: de cosmonautas soviéticos das estação espacial Salyut 7 nos anos 1980 (obviamente acobertadas pelo governo soviético) a um controlador de um ônibus espacial que viu um “anjo” em uma tela do controle da missão em Cabo Kennedy. E em 2015, o astronauta Mark Kelly vislumbrou oito seres brancos se deslocando para a Terra, enquanto consertava as câmeras do lado de fora da estação espacial.
A atriz sueca Noomi Rapace em Prometheus (2012), de Ridley Scott, já teve que ficar cara a cara com algumas criaturas monstruosas mais assustadoras já concebidas pelo cinema. Mas agora, na série da Apple TV+, Constelação (2024-), a atriz enfrenta outro tipo de perigo que nos coloca a sanidade e a loucura – a interpretação quântica de todos esses efeitos cósmicos.
Como discutíamos em postagem anterior sobre a série Matéria Escura, (clique aqui) temos aqui mais uma produção audiovisual sobre o tema do multiverso e a matriz de vários subgêneros sci-fi, da viagem no tempo aos mundos paralelos: o experimento imaginário de Schrödinger sobre o gato numa caixa para ilustrar os paradoxos da “sobreposição quântica”.
“A curiosidade matou o gato”, diz a certa altura a protagonista Jo Ericsson, interpretada por Noomi Rapace, numa clara alusão ao experimento de Schrödinger.
Mas a verdadeira sobreposição está entre a narrativa direta de ficção científica com o conto de fadas sombrio em “Alice Através do Espelho” de Lewis Carroll.
Tudo começa com um estrondo de mais uma ameaça que nos aguarda no espaço: algum tipo de detrito espacial (entre milhares que circulam a Terra) atinge em cheio a Estação Espacial Internacional no exato momento em que a tripulação terminava a montagem de um experimento da NASA sobre “um novo estado da matéria” chamado “LAR”.
A colisão é catastrófica, obrigando a tripulação a fugir para a Terra, deixando Jo sozinha para realizar os últimos procedimentos antes de também escapar, ao lado do cadáver de uma vítima. Mas algo dá errado, lembrando as vertiginosas sequências de Gravidade de Alfonso Cuáron.
A desenvoltura e firmeza de Jo para superar os percalços e conseguir voltar para a Terra numa arriscada reentrada pela atmosfera nos faz automaticamente ficarmos ao lado dela quando as coisas começam a dar errado na Terra – numa espécie de Efeito Mandela exponencial, as memórias de nomes, carros e relacionamentos estão completamente alteradas.
Aparentemente tudo parece familiar (seu marido, sua casa na Suécia, sua filha etc.), porém Jo sente ter entrado em alguma realidade alternativa. Deslizando os episódios da série em um thriller cada vez mais paranoico.
Ao longo dos oito episódios, a série começa a derivar para o modo de conto de fadas, com trilhas de farinha de pão, ventos uivantes, um armário aparentemente mágico e uma criança que carrega o peso da compreensão e do julgamento.
Funcionando como uma espécie de correlativo para estranheza dos fenômenos quânticos — a explicação do que aconteceu com Jo, embora seja fundamentada na física, se desenrola como fantasia.
A Série
Um roteiro original do criador e escritor Peter Harness (“Jonathan Strange & Mr. Norrell”, “Doctor Who”), Constelação é uma exploração da psicologia dos astronautas e segredos nas viagens espaciais. Ele literalmente usa o espaço como plataforma de lançamento para a série e depois decola em outra direção. O público que espera algum tipo de série de exploração espacial ficará desapontado ao descobrir que é um mix de drama psicológico com o Fantástico .
Os três primeiros episódios encontram Jo Ericsson lutando contra probabilidades intransponíveis para voltar à Terra para reencontrar com seu marido Magnus (James D'Arcy) e sua filha Alice (as gêmeas Davina e Rosie Coleman).
O acidente a bordo da estação espacial custou a vida do comandante Paul Lancaster (William Catlett) e a tripulação restante escapou rapidamente em uma das naves de emergência. Isso deixa Jo com a difícil missão de preparar sozinha a última nave de emergência, enquanto seu oxigênio restante se esgota rapidamente. Enquanto isso, o marido e a filha obedientes aguardam notícias sobre Jo.
Numa arriscada manobra de controle manual, Jo consegue atravessar a atmosfera e controlar a queda na Terra.
À medida que Jo se ajusta à vida perto da sede da Agência Espacial Europeia em Colônia, Alemanha, ela rapidamente percebe que algo está errado — embora não esteja claro se o problema está com o mundo ao seu redor ou com sua própria mente instável.
Ela se lembra mal do nome da viúva de Paul Lancaster e da cor do carro de sua família. Sai filha Alice não consegue entendê-la quando fala sueco, embora fosse fluente antes de sua mãe sair. Seu marido está à beira da separação, embora Jo não se lembre da qual crise conjugal Magnus relata. Para Jo, ela deixou na Terra uma feliz vida conjugal.
Mais controversamente, Jo insiste que o projétil que atingiu a Estação Espacial foi o cadáver de um cosmonauta soviética, uma possibilidade que seus superiores descartam como a alucinação de um cérebro momentaneamente privado de oxigênio no espaço.
A origem de tudo talvez esteja num misterioso experimento chamado LAR (Laboratório Atômico Resfriado) da NASA comandado por Henry Caldeira (Jonathan Banks), um experimento de natureza quântica conectado a algum tipo de conspiração com a Roscosmos (agência espacial russa) e uma realidade paralela na qual aconteceu a missão Apollo 18 (em nossa realidade, a Apollo 17 foi a última) com um desfecho trágico.
Ambas as realidades se conectam efemeramente através de espelhos. O problema é que a outra versão alternativa de Henry (“Bud” Caldeira) é belicosa e pretende vingar-se do outro eu bem-sucedido no outro mundo – e substituir sua versão que teve um destino melhor do que o seu.
A filha Alice e espelhos serão as mediações entre esses mundos paralelos: Alice, tentando conectar sua verdadeira mãe, enquanto Jo tenta reencontrar sua verdadeira filha. Para tentar conexão, Alice tranca-se em armários com espelhos numa direta alusão à obra de Lewis Carroll – com direito a cenas de transição entre mundos deixando rastros de farelos pelo caminho para não ficar perdida.
Necessariamente, narrativas paranoicas acabam passando pelo conhecido tropos: Jo é capturada e internada pela Agência Espacial Europeia num hospital para “recuperação de cosmonautas” na Rússia. A série sugere um estranho efeito colateral no espaço – a divisão da personalidade. Obviamente, uma questão ocultada por uma conspiração russa, desde os tempos da União Soviética.
Na verdade, a sobreposição quântica entre mundos, assim como quando o gato estava simultaneamente vivo e morto na caixa de Schrödinger.
A natureza verdadeira do experimento do LAR e das relações nada amistosas entre Henry e “Bud” Caldeira são pouco desenvolvidas nessa temporada, deixando tudo aberto para uma segunda temporada na qual o espelho deverá ser totalmente atravessado.
Ficha Técnica |
Título: Constelação (série) |
Diretor: Michelle McLaren |
Roteiro: Peter Harness, Ragna Wei, Sean Jablonski |
Elenco: Noomi Rapace, Jonathan Banks, James D’Arcy, Davina e Rose Coleman, William Cattlet |
Produção: Turbine Studios, Hault Et Court TV |
Distribuição: Apple TV + |
Ano: 2024- |
País: EUA, França, Reino Unido |