quinta-feira, abril 28, 2022

Lula deve fugir de dois ardis semióticos do xadrez eleitoral: comunicação indireta e dilema midiático


As últimas pesquisas mostram diminuição da diferença entre Lula e Bolsonaro. Não por acaso, o PMiG (Partido Militar Golpista) intensifica a PsyOp “telecatch” do script da “crise entre poderes”, com a colaboração da grande mídia que simula fazer oposição a Bolsonaro: há uma semana só se fala em Daniel Silveira que, desinibido, desfila para as lentes das câmeras com o “indulto” em uma moldura verde-amarela. Na entrevista com youtubers e veículos alternativos, Lula mostrou-se consciente desse jogo. Porém, o panorama geral é frio: ruas vazias, sem manifestações ou protestos. Diferente do Chile, sem uma onda a partir das bases sociais, o PT conta unicamente com as armas semióticas de Lula: Carisma, Retórica, Memória e Rejeição. Como amplificar essa munição semiótica do líder político? Evitar as duas armadilhas das estratégias de comunicação alt-right de Bolsonaro e sua trupe calculadamente aloprada: a “comunicação indireta” e o “dilema midiático”.

Na entrevista concedida por Lula, nessa segunda-feira, para integrantes de veículos independentes e youtubers, parece que calculadamente o ex-presidente evitou dois temas: primeiro, a questão militar; e, segundo, a questão geopolítica – o golpe de 2016 e a prisão de Lula como movimentos do Departamento de Estado dos EUA para destruir o soft power brasileiro por meio da Lava Jato, mantendo a geopolítica Norte-Sul ameaçada pelo fortalecimentos dos BRICS.

A questão militar: o processo eleitoral transcorrerá tutelado pelas Forças Armadas (sob a cotidiana tensão ou da ameaça da “corda esticada”, jogo de simulação da ameaça de uma “quartelada” para manter sob terror o cenário político), cujo fiador é um Estado já lotado por militares a partir do governo de ocupação que chegou ao poder (eleitoralmente) em 2018 a partir de um “golpe militar híbrido” – sobre esse conceito, clique aqui).

E a questão geopolítica: na entrevista Lula sinalizou que retomará a política da construção do soft power, defendendo o fortalecimento das relações internacionais e trocas comerciais como foram o financiamento pelo BNDES na construção do porto cubano de Mariel e projetos de empreiteiras brasileiras na África. 

Além de dizer não ter problemas com um Banco Central “privatizado”, mas que irá “negociar” com as autoridades monetárias metas de crescimento e criação de empregos.

“Mas será que ele combinou com os russos?”, poderíamos indagar de forma jocosa: a questão geopolítica atual tende à nova bipolarização com uma Guerra Fria 2.0 entre Rússia-China vs. OTAN-UE – nesse contexto, para a Casa Branca, o destino de países como o Brasil é o neocolonialismo hightech – desindustrializado, exportador de commodities e sob o capitalismo de plataforma. Ao contrário, Lula pretende nadar contra essa corrente.

A questão é que até mesmos os blogueiros e os youtubers que estavam ali presentes, em suas análises cotidianas do cenário político, parecem esquecer, minimizar ou colocar entre parênteses esses temas, como se uma eleição fosse magicamente nos blindar de todas essas forças que, como testemunhamos, são capazes de corroer um governo de dentro para fora. 

Claro, poderíamos pensar, a sabedoria política de Lula em eventos como esse faz o experiente político contornar temas espinhosos. Em algumas passagens chegou até a tangenciar por esses temas: para ele tudo o que aconteceu teria sido uma “vingança” de uma elite que não quer perder suas benesses e chegou até a celebrar uma espécie de providência divina ou mítica pelo fato de ele estar ali depois de ser preso, e o seu algoz, Sérgio Moro, estar caindo no ostracismo.

Também na segunda-feira saiu pesquisa pelo Instituto FSB com o BTG Factual dando conta que Lula continua na liderança, mas a diferença de Bolsonaro diminuiu – 41% contra 32% - queda de 5 pontos, demonstrando que a saída de Moro da disputa prejudica Lula.



Paralelo a tudo isso, a estratégia de guerra criptografada do PMiG (Partido Militar Golpista) está se intensificando, tomando conta do noticiário e consumindo a atenção do distinto público – o episódio deputado Daniel Silveira, com o “indulto” do presidente (um simulacro diante de uma condenação que nem foi consumada), tornozeleira sem bateria e o deputado passeado pelo Congresso e até eleito para a prestigiada CCJ, Comissão de Constituição e Justiça...

Guerra criptografada que simula o isolamento de um presidente cercado por instituições democráticas e que tenta seduzir as Forças Armadas a fazer uma “quartelada”. Além de, através de “apitos de cachorro” constantes, arregimentar a base social bolsomínia. Jogo do qual a grande mídia participa, dando relevância e pertinência na pauta a qualquer bravata, provocação ou as “caneladas” de qualquer general que estiver de plantão se oferecendo como informante a qualquer “colonista”. 



PT como partido-Estado

Numa conjuntura “complexa” como essa (na verdade, jogos se simulações alt-right para sequestrar a pauta e aloprar o cenário político) é difícil acreditar que uma eleição magicamente colocará a Nação nos trilhos da democracia, desenvolvimento e soberania.

O PT fez a opção por ser um dos “partidos-Estado”, desde que chegou ao poder em 2002. Ao invés de fundir com os interesses da sociedade, partidos-Estado passam a se amalgamar com interesses do Estado e governos – os partidos viram uma elite pública que passa a viver de cargos e privilégios do Estado. Dessa maneira, os partidos-Estado distanciam-se das mobilizações populares (que no passado sempre eram convocadas pelos partidos) fazendo a sociedade perder sua qualidade cívica. 

Dessa maneira, desmobilização e apatia dos ativistas e movimentos sociais são a consequência na sociedade nesse início de campanha eleitoral. Campanhas como a de Joe Biden, nos EUA, e Gabriel Boric, no Chile, foram impulsionadas por grandes mobilizações nas ruas. Nos EUA, as grandes mobilizações antirracistas após o assassinato de George Floyd. E no Chile, a vitória de Boric depois das mobilizações estudantis intensas, populares e vitoriosas – comitês populares impulsionaram os movimentos de massa no Chile.

Como um partido-Estado, o PT, pelo menos até agora, conta apenas com o recall das pesquisas: “o melhor presidente da história do País”, segundo o próprio DataFolha.

Na entrevista com os youtubers e veículos alternativos, Lula mostrou toda a sua experiência das suas origens no sindicalismo de resultado. “No governo não existe direita e esquerda”, disse. “Não pode pedir 100... se conseguir 90, será uma derrota”, disse também a certa altura.

Lula insistiu nos conceitos de “narrativa” e “memória”: (a) o eleitorado deve conhecer a narrativa do PT para vencer a narrativa imposta pela grande mídia e bolsonarismo; (b) memória: contar para o povo que nos governos petistas o salário e as condições de vida em geral eram muito melhores.

Sem mobilizações nas ruas, inflamadas por palavras de ordem reivindicatórias e incendiando o cenário político, o PT conta unicamente com a força de comunicação de Lula centrada em quatro características que se tornam armas semióticas: carisma, retórica, memória e rejeição.

(a) Carisma

De líder sindical sua imagem transitou para o carisma mítico do sebastianismo – crença mística propagada em Portugal após o desaparecimento de D. Sebastião segundo a qual este rei retornaria como um messias, conduzindo o país a um novo apogeu de glórias e conquistas. Lula habilmente reforça esse carisma quando fala numa providência divina que o fez ressurgir dos cárceres da PF em Curitiba. “Negociação” e “união” são palavras-chave para fugir da polarização “esquerda-direita”. 

A resposta alt-right bolsonarista à imagem de herói mítico de Lula é a figura de super-herói para Bolsonaro – reforçado pela onda da expansão do universo dos super-heróis Marvel e DC Comics nas franquias cinematográficas. Se o herói mítico sebastiano baseia-se na fé e religiosidade, o imaginário do super-herói estrutura-se nas soluções de força. Nesse sentido, compreende-se a insistência no imaginário das armas, militarização e meganhagem – o último lance da Lei Rouanet financiar um livro sobre a história das armas foi muito mais um dispositivo ideológico em ano eleitoral. 

Imaginário também reforçado pelo fenômeno da gameficação da política, a “gamocracia”, “casual política” ou “neodemocracia”: a política moldada pela irresponsabilidade lúdica de um jogo eletrônico – sobre esse conceito, clique aqui



(b) Retórica

Lula movimenta-se no campo semiótico da retórica política clássica da sedução como, por exemplo, a figura da palilogia, várias vezes utilizada na entrevista – a mesma palavra é repetida duas ou mais vezes seguida sem permeio (“Amigo, amigo, vamos refletir...”) ou como espécie “pontuação” (“O Paulo Guedes NÃO TEM projeto, NÃO TEM política, NÃO TEM nada...”). É o campo clássico da propaganda na cultura midiática de massa. Lula cresce no debate.

Ao contrário, a estratégia alt-right não busca a sedução pela argumentação e debate. Desconstrói esse campo semiótico através da desconstrução pós-moderna de um debate político: comunicação indireta, desautorização do interlocutor etc. – clique aqui. Em última instância, descola-se para a semiótica do humor e da tosquice: memes, choque, cinismo e ironia.

(c) Memória

Na entrevista, Lula insistiu na necessidade de apelar para a memória dos brasileiros, e em particular dos evangélicos: “no meu governo eu cuidei bem dos evangélicos, tinham uma boa vida, poder aquisitivo...”. O recall do ápice que o Brasil viveu no passado (“no meu governo o Brasil era respeitado em todo o mundo”) será a pedra de toque da estratégia de comunicação do PT. Principalmente no atual cenário de inflação, desemprego e o retorno dramático da fome.

Qual a estratégia alt-right? Fazer uma campanha inédita sobre o primeiro título de eleitor, o “Bora Votar”. De repente o TSE se imbui de civismo e faz uma campanha “como nunca dantes vista no país”. Claro, os jovens de 16 a 17 anos são um segmento a ser conquistado porque não têm a memória dos bons tempos da Era Lula. Sem falar em outras características detectadas pela pesquisa DataFolha: polarização e indecisão – um voto que se caracterizará mais pela rejeição do que pela opinião – clique aqui.

A presença de youtubers na entrevista de segunda é um sinal da luta encarniçada que será travada nessa faixa etária, que pode ser decisiva na reta final.




(d) Rejeição

Essa eleição é plebiscitária. Quem será mais rejeitado? O governo Bolsonaro ou a “narrativa” de Lula? Pela natureza dessa eleição, dois objetos de rejeição estão em jogo: a rejeição econômica política (desemprego, inflação e fome) e a rejeição moral (o discurso moralizador da luta contra a corrupção).

Com a prestativa ajuda da grande mídia, denúncias sobre corrupção não saem da pauta (além das indefectíveis telecatchs das “crises” que alimentam o terror das “quarteladas”), varrendo para debaixo do tapete a crise econômica – a não ser quando é naturaliza pela pandemia e a guerra na Ucrânia. A grande mídia cria o simulacro de oposição, mas diligentemente fornece munição às armas semióticas alt-right.

O que fazer?

Como essas quatro armas semióticas de Lula podem se sobrepor à contra artilharia da guerra criptografada de informações urdida pelas psyOps do PMiG? Basicamente, evitando cair na cilada da comunicação indireta, dispositivo principal das estratégias alt-right de comunicação que produz o contexto ideal de dissonância cognitiva, caos e dilema midiático.

Comunicação indireta: técnica em que o emissor não quer falar nem com o espectador e muito menos com o interlocutor. Seu alvo é a “maioria silenciosa”, os não-convertidos: aqueles que não compõem o “núcleo duro” de nenhum dos lados.

Para entender essa estratégia, um exemplo didático é o filme Obrigado Por Fumar (2005). Nele vemos uma sequência em que o porta-voz da indústria do tabaco, Nick Naylor, dá uma pequena aula de relações públicas para o seu filho Joey. 

Sentados no quiosque em um movimentado calçadão conversam: “Convença-me de que o melhor sorvete é o de chocolate”, desafia Nick. “Eu acho que é o de baunilha!”, completa. “Mas você não me convenceu!”, reage Joey. “É por que eu não estou falando com você, estou falando com eles...”, diz Nick apontando para as pessoas ao redor.

A filosofa Marcia Tiburi talvez tenha sido uma das primeiras a perceber essa jogada ao se recusar a participar de um debate com Kim Kataguiri, em 2018, na rádio Guaíba, em Porto Alegre. Convidada pela rádio a ser entrevistada ao vivo, foi pega de surpresa ao chegar no estúdio da emissora. Lá se encontrava o então coordenador do MBL. “Não converso com gente indecente e perigosa”, disse a filósofa. E abandonou o estúdio da rádio.

O esquema da comunicação indireta pode ser sintetizado no esquema abaixo:



O emissor “A” dirige a “B” um enunciado em tom assertivo, provocativo. Receptor “B” responde em tom reativo, seja emocional ou tentando uma asserção argumentativa mais dura. A treplica do emissor “B” será em tom jocoso, não contra-argumentando, mas expondo a uma suposta reação destemperada ou desautorizando “A” como interlocutor relevante. Na verdade, ele faz isso dirigindo-se para C, a maioria silenciosa de observadores. A ideia geral é figurar a réplica de “B” como reativa, histérica, autoritária etc. 

 Trazido para o campo das mídias, lances criptografados como a típica provocação de Bolsonaro em anunciar a publicação de um “indulto” ao deputado Daniel Silveira, condenado a prisão pelo STF por ameaçar ministros da corte, fazem parte dessa estratégia: espera o buzz na internet com a reação das esquerdas com críticas, memes, charges etc. Além do esperado temor da “crise entre poderes” ou da “ameaça às instituições democráticas”. Enquanto a base social bolsonarista ridiculariza tudo como um grande “mimi” ou “ameaças à liberdade de expressão”. 

A espiral provocativa se eleva, com o deputado desfilando pelo Congresso sem a tornozeleira, posando para cinegrafistas com o “indulto” enquadrado em moldura verde-amarela, retroalimentando a alopração do cenário político.

Na entrevista, Lula também observou esse ardil ao apontar que Daniel Silveira ocupa a pauta midiática desde o dia 21/04. “A mídia só fala nisso... se quiser ele facilmente se reelege, seja falando bem ou mal dele...”, observou.

A grande mídia (aquela que simula ser de oposição ao atual governo) participa dessa estratégia, que retroalimenta esse cenário simulado de crise com um script recorrente – como sempre, ressurgindo o ex-presidente Temer como o “poder moderador”.

A mídia alternativa acaba caindo na cilada do dilema midiático: como não falar nada se o jornalismo corporativo está repercutindo tudo diariamente? 

Muito pior é quando a esquerda acaba compartilhando vídeos ou textos de supostas críticas da grande mídia contra os “atos antidemocráticos” de atores como o blogueiro Allan dos Santos ou o inefável Daniel Silveira.

Como bem observou a cantora Anitta, do alto da sua sabedoria midiática como estrela pop, a estratégia “do lado oposto” deve ser repercutir o menos possível as provocações do chefe do executivo e sua trupe calculadamente aloprada – clique aqui.



Se o PT não conta com as ruas inflamadas em protestos, apostando todas as fichas no carisma e retórica de Lula e na memória afetiva de um tempo em que o País estava muito melhor, então pelo menos “ligue-se, sintonize e caia fora” - não participe do buzz alimentado pela guerra criptografada de informações. E não caia nas armadilhas criadas pelo colonistas (as correias de transmissão das psyOps do PMiG na grande mídia) como Andreia Sadi, de O Globo: segundo ela, o QG da campanha de Bolsonaro estaria preocupado com a extensão dos indultos do presidente, porque “desgastam a campanha”. Notinha plantada (“agrojornalismo”) para encorajar a esquerda a participar da dança da repercussão desses jogos de simulação.

A esquerda e veículos alternativos precisam agir muito mais com a cabeça do que com o fígado.

 

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