quinta-feira, dezembro 09, 2021

A operação psicológica Lula-Alckmin e um conto identitário de Natal


Se para o PT a chapa Lula-Alckmin está ainda em discussão, para a grande mídia já é realidade: “pode definir a eleição”, diz colunista de “O Globo”. Por que a grande mídia está tão entusiasmada com a aliança? A primeira pista está no destaque midiático dado pelo arquivamento pelo MPF da acusação contra Lula no caso do Triplex, após a grande mídia ficar em silêncio em todas as vitórias judiciais anteriores do ex-presidente. Há uma típica psyOp militar em andamento: dissonância cognitiva – é mais fácil enganar alguém convencendo-o de que está certo, ao invés de dizer que está errado. “Lula-Alckmin” legitima estratégia de Moro para fugir dos incômodos temas econômicos que deveriam ser discutidos no campo da economia política. E não sob o discurso do justiçamento moralista da corrupção. Também o ex-juiz conta com o discurso do identitarismo, apropriado pela grande mídia, como demonstra um verdadeiro conto de Natal distópico e identitário narrado pelo jornalismo corporativo nessa semana.

É conhecido na inteligência e propaganda militar a máxima de que a maneira mais fácil de enganar alguém não é convencê-lo de que está errado, mas convencê-lo de que está certo. O truque é fazer com que a pessoa esteja tão convencida de que está certa, que não sinta a necessidade de pensar mais profundamente na situação. Essa é uma das variantes da estratégia semiótica de dissonância cognitiva.

Em geral, percebe-se que na mídia progressista, o ensaio da formação da chapa Lula-Alckmin para as eleições 2022 está sendo bem recebida por agregar outros segmentos políticos, além do que em eleições majoritárias supostamente frentes amplas seriam bem-vindas.

Se para a mídia progressista a entrada do ex-governador paulista na chapa encabeçada por Lula ainda é uma possibilidade, para a grande mídia a aliança já aconteceu. Por exemplo, para o colunista de O Globo, Bernardo Mello Franco, a dobradinha Lula e Alckmin “pode definir a eleição”. Para ele, uma aliança como essa “foi o que faltou em 2018”.

Pode ter até resistências internas no PT (como o ex-presidente do partido, Rui Falcão: “erro estratégico”, segundo ele), mas para os analistas do jornalismo corporativo a dobradinha já seriam são favas contadas. Todos até parecem torcer para que ela finalmente aconteça.

O tucano é um político conservador e afável à elite econômica. Sua adesão complicaria a vida de quem insiste em descrever Lula como um radical”, defende o colunista de O Globo na edição de 05/12/2021. Mas quem descreve Lula como radical, a não ser os bolsonaristas? Capazes de ver comunistas na ONU, OMS, debaixo da cama... Oito anos de governo Lula já demonstraram que ele nunca foi uma ameaça nem à propriedade privada e nem ao Capitalismo – os fantásticos lucros da Banca financeira nesse período que o digam. 

Parece que a motivação da grande mídia em dar as bênçãos para essa aliança está em outra cena.

Bem que o velho Brizola dizia: “Quando vocês tiverem dúvidas quanto a que posição tomar diante de qualquer situação, atentem: se a Rede Globo for a favor somos contra. Se for contra, somos a favor”

Por que devemos desconfiar dessa aprovação da grande mídia? Cujo efeito, como esperado, foi atiçar o indefectível wishiful thinking da mídia progressista que compartilhou nas redes sociais o otimismo do colunista global.  



Por que parece que todo espectro político quer fazer acreditar que a aliança do PT, com o tucano em debandada do próprio ninho, é a coisa certa? 

O leitor desse humilde blogueiro pode ter certeza de que as psyOps militares já estão em andamento, assim como nunca cessaram durante todo o governo Bolsonaro – principalmente as operações de guerra criptografada de informações.

Nesse momento, a operação é de dissonância cognitiva, conforme explicamos acima. Mas porque a psyOp quer induzir no inimigo que a aliança Lula-Alckmin é a coisa certa a ser feita? 




O MPF e o piloto automático

A primeira pista está no pedido de arquivamento do MPF da acusação contra Lula no caso Triplex. Até aqui, as vitórias judiciais de Lula ou eram ignoradas ou noticiadas em breves notas pela grande mídia. Ao contrário, agora esse pedido de arquivamento do MPF está merecendo todo o destaque no jornalismo corporativo eletrônico e impresso.

E também comemorado pela esquerda. Porém, na prática, foi uma iniciativa proposital do MPF para ignorar a inocência do ex-presidente (confirmada pelo STF) criando a aparência de que Lula está se safando da acusação do suposto crime pela idade avançada. O suposto crime foi prescrito, o que impediria a apresentação de nova denúncia.

Entra em ação a dinâmica do “piloto automático” na guerra híbrida: ato contínuo, Moro postou a reação em redes sociais, revelando o tom para o qual quer arrastar o debate das eleições 2022: 

Manobras jurídicas enterraram de vez o caso do Triplex de Lula, acusado na Lava Jato. Crimes de corrupção deveriam ser imprescritíveis, pois o dano causado à sociedade, que morre por falta de saúde adequada, que não avança na educação, jamais poderá ser reparado.

A resposta do ex-juiz Sérgio Moro é calculada. A nova pesquisa Genial/Quaest divulgada nessa quarta-feira revela que desemprego, fome e saúde são as três primeiras preocupações do eleitor. A corrupção, tema obsessivo da grande mídia (e do “Judge Moro”) que levou ao golpe de 2016, ocupa a quarta posição – foi lembrado apenas por 10% das duas mil pessoas entrevistadas – clique aqui

Todo candidato à direita sabe que nenhum programa econômico neoliberal ganha uma eleição – defender explicitamente controle fiscal, cortes de despesas e enxugamento do Estado sempre soa para os ouvidos do povão como alguma coisa que cheira a desemprego e fim dos programas sociais.

Além do mais, Moro tem demonstrado até aqui uma total inapetência para temas econômicos, ao ponto de o conselheiro do ex-juiz, o economista Affonso Celso Pastore, estar sendo jocosamente chamado de “novo Posto Ipiranga”...




O campo imaginário da corrupção

Portanto, a estratégia é arrastar todas as mazelas da atual crise econômica (fome, desemprego, desalento etc.) para o campo imaginário do combate à corrupção. Mobilizando todos os tradicionais gatilhos cognitivos que foram disparados até aqui na guerra híbrida brasileira: judicialização, justiçamento, meganhagem, ressentimento etc.

Campo imaginário, porque o fenômeno da corrupção sempre foi hiperdimensionado para alimentar o moralismo de uma sociedade brasileira que tradicionalmente sempre foi anti-institucional – sobre isso, clique aqui

Corrupção é a menor parte do desperdício público:  partindo do PIB brasileiro em torno de R$ 1,3 trilhão, metade disso é rolagem da dívida com a Banca financeira. O restante é gasto com os demais serviços, como previdência, repasses para os estados etc. Sobram cerca de 200 bilhões para o governo aplicar e pelo menos metade disso vira compras públicas. Nesse ponto os desperdícios somariam R$ 70 bilhões, compostos da seguinte maneira: 25% via corrupção, 25% via ineficiência” – clique aqui.

Corrupção é o tema coringa para Moro: ele quer colá-lo como rótulo em qualquer coisa, seja saúde, educação, emprego ou economia – se nada disso está dando certo no Brasil é porque um país corrupto e sem segurança jurídica como o nosso não atrai “investidores”. Aliás, o mantra “atrair investidores” é a ideologia que impede um país construir seu soft power (a habilidade de um país influenciar geopoliticamente por meio das suas próprias empresas e tecnologia), destruído pela Lava Jato.

Nesse contexto, começamos a entender o entusiasmo da grande mídia com a aliança Lula-Alckmin, dada como certa. Parece até uma bola levantada na rede para Moro dar a cortada: a candidatura Lula e Alckmin, respectivamente um ex-condenado e um ex-indiciado da Lava Jato, seria a prova concreta das “manobras jurídicas” que desafiam o lavajatismo do ex-juiz “anti-sistema Judge Moro”.

Aliança Lula-Alckmin não só dá munição para Moro como legitima a sua estratégia de fugir dos incômodos temas econômicos que deveriam ser discutidos em seus próprios termos, no campo da economia política. E não sob o discurso do justiçamento moralista do combate à corrupção.



Um conto identitário de Natal

 Fugir da economia política será a estratégia eleitoral centro-direita dessas eleições. Além do discurso lavajatista da corrupção, o discurso identitário (apropriado pela grande mídia) apresenta-se como mais um biombo para esconder as verdadeiras intenções neoliberais – os temas econômicos filtrados dessa vez pelo identitarismo.

Como nos revela esse verdadeiro conto distópico de Natal.

Uma mãe com seus quatro filhos estava passeando por um shopping na Zona Sul de São Paulo. Passaram em frente à decoração de Natal e foram convidados a tirar uma foto com o Papai Noel.

O Papai Noel chamou o filho de seis anos e perguntou o que queria ganhar de presente. “Um hoverboard [skate elétrico]”, respondeu. E o Papai Noel retrucou: “quanto seu pai ganha?... olha, esse presente não condiz com sua realidade”. E diante do desejo do filho mais velho de ganhar um celular, Papai Noel foi mais enfático: “não, esquece!”.

A notícia foi dada pelo telejornal local da Globo SP1, edição de 07/12/2021. Na primeira entrada da matéria, a manchete era: “Papai Noel traumatiza criança em Shopping”. Mas estranhamente a matéria foi abortada pelo apresentador. Para ser reapresentada em outro bloco, dessa vez com uma nova manchete: “Acusação de racismo em shopping”, num flagrante de mudança de viés da matéria.

Entra um representante da ONG chamada “Novos Herdeiros” e que denuncia: “Uma atitude racista, classista. Diretamente envolvendo o Papai Noel, que está inserido e que está sob a tutela do shopping Plaza Sul".

Um verdadeiro conto distópico de Natal: um Papai Noel que fugiu do script hiper-real do bom velhinho e simplesmente contou a realidade para as crianças... Uma péssima hora para ser franco. Mas quem “traumatiza” primeiro as crianças: o Papai Noel distópico ou os pais que levam crianças para verem nas vitrinas dos shoppings coisas que não podem ter?

 Um sintoma social que é transformado pelo jornalismo corporativo em denúncia de racismo, dentro da lógica individualista, própria da ideologia meritocrática. O “racismo” do Papai Noel é o de rotular que pessoas pretas não podem ter aquilo que pessoas brancas podem comprar. Por que não? Afinal, um preto pode subir na vida pelo mérito, tanto quanto um branco.

É essa a crítica da cofundadora do movimento Black Lives Matter, Alícia Garza, sobre o caráter individualista de setores dos movimentos identitários que tem prevalecido no debate, inclusive em muitos setores progressistas.

A meritocracia passa a substituir o “envolvimento no próprio contexto político e histórico” para fazer um trabalho “que mude o mundo”. A hegemonia da competição meritocrática passaria a “despolitizar os movimentos sociais” – clique aqui.  

 Em outras palavras, ao abandonar o campo da economia política e o eixo da luta de classes, o racismo transforma-se em questão de discriminação e não de exclusão.

Com isso, a grande mídia oculta o perverso modelo econômico neoliberal de excluir grande parcela da população do desenvolvimento econômico de uma banana plantation. Se a maioria dos desempregados e desalentados são pretos, só pode ser por causa da discriminação racial de empresas e de racistas como esse Papai Noel que estereotipa pessoas como perdedoras.

Por isso que a grande mídia e “Judge Moro” se apresentam como identitários, desde quando eram criancinhas.

 

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