No momento em que o presidente eleito Jair Bolsonaro saiu da sua zona de conforto e se expôs em cenários não controlados como o Fórum Econômico de Davos ou a tragédia humano-ambiental de Brumadinho/MG, revela-se a sua condição limítrofe, com sérias deficiências cognitivas. E diante de pesquisas de opinião cujos resultados se colocam contra as principais linhas da sua “plataforma de governo”, muitos questionaram: mas afinal, como ele foi eleito? Discurso fascista? Anti-petismo? Há um fator ainda não tematizado - as relações intrínsecas entre a chamada “alt-right” (direita alternativa) e as redes sociais não é um mero acaso ou oportunismo. Personagens como Bolsonaro ou Trump são produtos das tecnologias de convergência da Revolução Industrial 4.0. Tecnologias que criaram uma cultura de aplicativos e redes sociais estruturada na noção algorítmica de “Inteligência Artificial”, que consiste em rebaixar os padrões do que entendemos como “inteligência”, enquanto os usuários se tornam simples processadores de informação.
Recente pesquisa Datafolha mostrou que a maioria dos brasileiros é contra privatizações e a redução das leis trabalhistas, propostas defendidas pelo atual governo.
Ao mesmo tempo, a participação do presidente eleito no Fórum Econômico de Davos, Suíça, foi um vexame internacional. Diante de um cenário que exigia interações políticas mais sofisticadas, Bolsonaro revelou sua condição de limítrofe: um curto “discurso” em linguagem quase tatibitate (herança da cultura da obediência infantil na caserna), cuja linha mais forte foi convidar os empresários a vir passar férias no Brasil, “país de belas riquezas naturais...”
Além de fugir de qualquer contato humano que exigisse algum tipo de relação dialógica e expusesse ainda mais suas deficiências cognitivas.
Diante do silêncio nas redes sociais dos próprios apoiadores da ultra-direita (principalmente diante bomba-relógio do caso Queiroz) muitos começaram a se perguntar: então, porque diabos ou como o capitão da reserva foi eleito?
Será porque a facada providencial tirou-o dos debates, livrando Bolsonaro de situações constrangedoras, como a que foi exibida em Davos? Seria porque o discurso populista de ultra-direita despertou o psiquismo fascista do Brasil profundo? Ou, então, a ausência de debates na campanha eleitoral tirou o foco da discussão dos programas de governo para a polarização sobre questões identitárias, culturais e de costumes?
Talvez todos esses fatores sejam explicativos no contexto de uma campanha eleitoral na qual os candidatos favoritos da “Casa Grande” (Alckmin, Meirelles e cia.) naufragaram nas pesquisas. Restando tão somente um militar rústico, ignorante e limítrofe com um histérico discurso anti-PT, líder de um clã do baixo clero que vive de rapinas financeiras. Não tem tu, vai tu mesmo...
Não tem tu, vai tu mesmo... |
“Alt-right” e Revolução Industrial 4.0
Mas há um fator que ainda não foi tematizado, relacionado com conexão íntima entre a chamada “direita alternativa” (alt-right populista e nacionalista) e as redes sociais, cujas plataformas tecnológicas fazem parte da chamada Revolução Industrial 4.0 – Inteligência Artificial, algoritmos probabilísticos, mineração de Big Data, ao lado de nanotecnologia, biotecnologia e neurotecnologia.
Uma conexão entre o retrocesso político e cultural paradoxalmente turbinado por um capitalismo hiper-tecnológico.
Em postagens anteriores, este humilde blogueiro vem apontando para a importância do fator da canastrice na política – acostumados com simulacros televisivos e fílmicos, a opinião pública veria nos candidatos canastrões, que emulam personagens ficcionais, políticos verossímeis ou críveis... por lembrarem personagens da ficção. Trump e o reality show televisivo "O Aprendiz" ou Doria Jr. e o meme do “Rei do Camarote”. E as “mitagens” de Bolsonaro, iniciadas como um personagem bizarro de humor em programas como Pânico na TV ("as mitagens do Bolsonabo”) ou no quadro “O Povo Quer Saber” no CQC da Band seriam os exemplos mais atuais.
Mas o fenômeno da canastrice na política ainda está associado às mídias clássicas de massas como Cinema e TV.
Bolsonaro e a alt-right vão além disso: também são produtos das tecnologias de convergência da RI 4.0. Tecnologias que criaram uma cultura de aplicativos assentada sobre a noção dúbia de “inteligência artificial”.
Rebaixamento dos padrões de inteligência
Dúbia, porque, para muitos pesquisadores, a noção de “inteligência” trabalhada pelos cientistas computacionais e designers de softwares e aplicativos pressupõe uma autoabdicação humana: rebaixar os padrões do que entendemos como “inteligência”, enquanto os usuários se tornam simples processadores de informação.
Por exemplo, segundo o engenheiro computacional Jaron Lanier, para acreditarmos que aplicativos e algoritmos são realmente “inteligentes” temos que obrigatoriamente reduzir os nossos padrões de inteligência humana – o exercício diário de tratar máquinas ou aplicativos, como por exemplo Waze ou Google Maps, como formas de inteligência reais. O que resulta num senso de realidade mais flexível.
Isso sem falar nos aplicativos de relacionamentos que reduzem as relações afetivas à probabilidade estatística. Chama-se isso de “inteligência emocional” – a capacidade de adaptação irrefletida em um ambiente como forma de sobrevivência emocional.
Inteligência coletiva, nuvem, algoritmo ou qualquer outro objeto cibernético é aceito como uma super-inteligência por que reduzimos os nossos padrões e expectativas sobre a inteligência. As pessoas se degradariam o tempo todo para fazerem os aplicativos parecerem espertos.
Por exemplo, a ideia de amizade nas redes sociais é vulgarizada e reduzida. Uma pessoa se orgulha em dizer que possui milhares de amigos no Facebook. Essa afirmação só poderia ser verdadeira se a ideia de amizade for restrita. Ignora-se que a verdadeira amizade deve expor à estranheza inesperada do outro.
Talvez não seja mera coincidência ou determinismo tecnológico (Trump e Bolsonaro apenas teriam sido espertos em se aproveitar das mídias em ascensão no momento, assim como Goebbels se apropriou do cinema e rádio à sua época) essa relação íntima entre a atual direita alternativa e as redes sociais como locus privilegiado para a guerra semiótica.
Mais do que o discurso fascistoide, beligerante e que apela mais ao fígado do que à mente dos receptores, a normatização ou verossimilhança de uma figura tão limítrofe como Bolsonaro (achar “aceitável” o capitão da reserva, com explícitas limitações cognitivas, ser um candidato a chefe de Estado), está sincronizada a esse projeto hipertecnológico que consiste em rebaixar o conceito de “inteligência”.
Uma das consequências mais importantes da precarização do conceito de inteligência com a cultura dos aplicativos e das redes sociais é, principalmente, o rebaixamento das expectativas sobre o que seja um debate político ou de ideias. E a confusão entre uma importante categoria civilizatória: a distinção entre público e privado.
Jaron Lanier: Aplicativos reduzem os nossos padrões de inteligência |
Redes sociais confundem Público e Privado
Semioticamente, a linguagem das redes sociais é indicial e performática – embora simbólica, emula características e funções da comunicação oral e não verbal. Como plataformas “públicas” (embora com interesses privados) são semioticamente simbólicas: digitamos textos e postamos mensagens supostamente de interesse público. Porém, os índices de comunicação não verbal (emoticons, memes, gifs animados, onomatopeias, recursos de digitação etc. que imitam conotações ou entonações) simulam comunicação oral presencial – reforçado pelo efeito on-line e tempo real que acabam simulando uma situação presencial.
Daí uma forma de comunicação composta por pitacos, adjetivações, xingamentos, provocações, insultos, como fosse comunicação presencial mas, paradoxalmente, com o anonimato “garantido” por um avatar. Do isolamento de um indivíduo diante da tela de um smartphone ou computador, o ponto de vista da comunicação é privado, sem o ritual ou a necessidade do rigor argumentativo de uma esfera pública.
A noção de debate de ideias e da própria ideia de Política ou de ideologia é rebaixada ao pitaco, frases chapadas, platitudes e clichês – “Conspiração para esconder a verdade da Terra plana!” ou “matar um gay é profilático!” são sofismas que, num ambiente de precarização generalizado, ganha a aparência de “debate”.
Assim como um deficiente cognitivo como Jair Bolsonaro ganha o status de “candidato presidencial” e, depois, “presidente da República”, com um “discurso” de bravatas e provocações que se confunde com “debate político” ou “programa de governo”.
Nesse momento as rusgas da Globo e Folha contra o clã Bolsonaro é mais um episódio desse enredo: a pobreza cognitiva de Bolsonaro (e do próprio clã) é tão evidente que não perceberam em seus cálculos políticos que, como egressos da corrupção de baixo clero (milícias e tráfico), não são bem vindos às mesas elegantes da “Casa Grande” – especializados na alta corrupção de empreiteiras e portos.
O clã Bolsonaro apenas foi o meio para que o projeto neoliberal (ruim de voto em qualquer eleição democrática) passasse incólume numa campanha eleitoral sem debates. O vice General Mourão é o núcleo duro militar e racional que garantirá a permanência do projeto da pulverização de direitos e garantias sociais com as “reformas” visadas pela “Casa Grande” (banca financeira e grande mídia).
E Bolsonaro, assim como Trump e tantos outros tantos “líderes” que ainda virão pela cruzada internacional da nova direita populista nacionalista comandada pelo norte-americana Steve Bannon, foi apenas um avatar criado para surfar na cultura de redes sociais e aplicativos.
A precarização das noções de inteligência e política é o meio para hackear a Democracia. Enquanto no mundo real, fora das bolhas digitais, as políticas de controle e extermínio de garantias e direitos sociais e econômicos passam sem nenhum debate público e inteligente.
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