quinta-feira, janeiro 24, 2019

Ano 2019 é um Vortex Temporal? Como modular a atenção em tempos extremos, por Nelson Job

Este ano de 2019 aparece com recorrência no imaginário especulativo como um ano de "turning point". Parece ter sido privilegiado por obras do passado de cineastas, escritores e médiuns que o elegeram como um ano marcante. Os filmes “Blade Runner” e “O Sobrevivente”, o animê “Akira”, as previsões de Isaac Asimov e de Chico Xavier, todos fazem referência a este ano. Quais as razões disso? 2019 será, de fato, o trampolim de uma Nova Era, como astrólogos e esotéricos do mundo inteiro anunciam, ou será uma completa catástrofe? Podemos entender o ano de 2019 como uma espécie de vortex transtemporal? Forças dos acontecimentos anteriores e do futuro estariam de auto-organizando no tempoNeste artigo, investigaremos essas ocorrências e traçaremos um desdobramento delas.

Vejamos essas “profecias” em ordem cronológica:

Chico Xavier e os extraterrestres

Em 1971, no programa Pinga Fogo da TV Tupi, o famoso médium brasileiro Chico Xavier anunciou publicamente, com base em suas experiências mediúnicas, que, em 2019, os extraterrestres fariam contato oficial com a Terra. Segundo o espírita, os extraterrestres estariam preocupados com os nossos avanços tecnológicos, a saber, a criação e subsequente explosão da bomba atômica – que é, segundo ele, proibida no universo – e o início da exploração espacial, sobretudo a viagem à Lua em 1969. Xavier explica que foi convencionado pela “comunidade extraterrestre”, naquela época, que os habitantes da Terra ficariam cientes, oficialmente, de que não estão sozinhos no cosmos, no ano de 2019. Ressalta que o contexto desse “primeiro contato” seria algo benéfico, um salto de qualidade para a humanidade. Essa entrevista é bastante popular; está disponível no YouTube e gerou um livro e um documentário homônimos, Data Limite, lançados respectivamente em 2018 e em 2014.

Blade Runner: 2019 distópico

                      Em 1982, foi lançado o filme Blade Runner, drigido por Ridley Scott e estrelado por Harrison Ford. O filme foi baseado em livro do escritor norte-americano Philip K. Dick, sendo um fracasso de público, mas, como filme, tornou-se um cult movie e um dos maiores clássicos do cinema de ficção-científica (chegando a gerar uma continuação, em 2017). Se na obra literária a narrativa se passava em 1992, no filme, ela ocorre em 2019. Blade Runner mostra um futuro distópico, em que androides com Inteligência Artificial forte, ou seja, com consciência – os chamados replicantes – começam uma rebelião contra seu criador por terem prazo de validade determinado; ou seja, os replicantes gostariam de viver mais e desfrutar, com isso, de um livre-arbítrio humano. Entre várias discussões que o filme suscita, uma das mais importantes diz respeito ao estatuto de humano: o que determina nossa humanidade, quais as suas prerrogativas e seus limites. 



Isaac Asimov: “computadores móveis de bolso” em 2019

Ao final do ano seguinte, 1983, um dos mais famosos escritores de ficção-científica de todos os tempos, Isaac Asimov, foi convidado pelo jornal canadense Toronto Star para fazer previsões. Asimov escolheu o ano de 2019 como foco para empregar o mesmo intervalo de tempo que houvera entre a data de lançamento do clássico livro 1984, de George Orwell, e o ano em seu título. Asimov foi excessivamente otimista em relação à exploração lunar, mas acertou sobre o uso de smartphones ou “computadores móveis de bolso”, problemas ecológicos etc.

“O Sobrevivente”: reality show em 2019

                         Em 1987, foi lançado o filme O Sobrevivente (The Running Man), dirigido por Paul Michael Glaser, estrelado por Arnold Schwarzenegger, inspirado em conto de Stephen King. Também situado em 2019, o filme trata de um reality show que dá ao protagonista a possibilidade de obter justiça. O programa se revela uma fraude, na verdade culpabilizou o protagonista para a realização daquele episódio.

“Akira”: a Neo-Tóquio de 2019

                      Finalmente, em 1988, foi lançado o animê cyberpunk Akira, dirigido por Katsuhiro Otomo, baseado em seu mangá, que fora publicado pela primeira vez em 1982. O animê conta uma história que se passa em Neo-Tóquio, a qual teria sido construída depois de uma criança – Akira, do título – com poderes paranormais, sobretudo a telecinésia, destruir Tóquio, anos antes. Akira está congelado e o aparato militar do governo mantém sob vigília, além dele, outras três crianças com poderes semelhantes. Há uma seita aguardando seu retorno. Tetsuo, membro de uma gangue de jovens motoqueiros, começa a manifestar poderes afins. O militar que coordena as operações com as crianças paranormais enfrenta a burocracia parlamentar; entre os problemas, um político que chefia clandestinamente um grupo de rebeldes, e que está interessado somente em dinheiro e poder. A explicação para os poderes paranormais das crianças, no animê, é a equivalência energia-matéria – explicação essa com verniz animista. O ápice da manifestação da paranormalidade dos personagens gera uma grande explosão em Neo-Tóquio, e é descrita pelo cientista responsável pelo projeto militar como um “nascimento cósmico”.



Existem outros exemplos de filmes que abordam enredos situados em 2019, como o filme A Ilha, de Michael Bay, em que clones são criados para substituir órgãos dos originais; Daybreakers de Michael Spierig, que se passa num mundo onde quase todos se tornaram vampiros e, por isso, fazendas de gado humano eram feitas para evitar a “fome mundial” etc. 
Este ano de 2019 aparece com recorrência no imaginário especulativo como um ano de turning point. Vejamos o que a história recente de nossa época traz à reflexão para o agora: 

Guerra Híbrida, inteligência artificial, degradação planetária...

Politicamente, há uma guinada mundial para a extrema-direita. O caso dos EUA é o mais influente e o Brasil seguiu a tendência em suas eleições, no ano passado. Teóricos como Andrew Korybko, Pepe Escobar e Wilson Ferreira vêm trabalhando no conceito de guerra híbrida, a saber, a técnica utilizada pela inteligência norte-americana para sabotar um mundo multipolar sem entrar necessariamente em guerra com armas. A guerra híbrida possui três fases básicas: 1) mobilização das massas de um país pelas redes sociais, 2) derrubada do governo e 3) eleição de um governo escolhido pelos norte-americanos. Síria, Ucrânia, Brasil e a França têm sido atravessados pela guerra híbrida na última década, e ainda são.
Em "paralelo" a esse fenômeno, um processo anárquico e auto-organizado vem ocorrendo, identificado por autores como Dardot & Larval, David Graeber e Comitê Invisível. Muitos grupos aprenderam a se organizar de forma descentrada e não-representacional. Os coletes amarelos na França, atualmente, bem como a ocupação de escolas no Brasil, em 2016, atendem às duas investigações: tanto parecem efeitos da guerra híbrida no âmbito macropolítico, como são auto-geridos, em nível micropolítico. O entendimento da peculiar complementaridade entre esses dois fatores mostra-se uma chave de compreensão política do século XXI.
                      A China e os EUA estão em grave desacordo comercial, o que pode gerar conflitos ainda maiores. Uma provável interferência dos EUA na Venezuela, com possível ajuda do Brasil, pode gerar um conflito de ambos com a Rússia. Além disso, os EUA vêm endurecendo a sua política interna – a prática chamada shutdown – para construir o muro na fronteira com o México.



A economia mundial acumula uma progressiva concentração de renda, o que, historicamente, é associado à ocorrência de guerras civis. Especula-se que a crise de 2008 vá ser sucedida, muito em breve, por uma outra, ainda pior, cujo início pode já estar acontecendo devido às quedas das ações da Apple – uma das empresas mais rentáveis do mundo – em função da drástica diminuição de vendas do iPhone na China e de uma queda menor na vendas das novas versões do produto no resto do mercado.
No campo tecnológico, há a presença quase onipresente, mesmo entre a população de baixa renda, de smartphones e, consequentemente, da internet e das redes sociais. Há uma crescente tendência de as informações transitarem on-line, sobretudo desde a popularização de serviços de streaming.
No âmbito da Inteligência Artificial, em 2014, pela primeira vez, um computador passou pelo Testede Turing: um programa, produzido pelo russo Vladimir Veselov e pelo ucraniano Eugene Demchenko, enganou seres humanos, fazendo-se passar por um garoto de 13 anos. Em paralelo, nosso cotidiano é atravessado por algoritmos oriundos de programas de Inteligência Artificial do Facebook, Google, Amazon, bancos etc. Em 2017, o governo da Arábia Saudita concedeu cidadania à robô Sophia. A Inteligência Artificial está entranhada em nosso cotidiano e é cada vez mais sofisticada. 
Em termos ecológicos, os cientistas alertam cada vez mais enfaticamente acerca da degradação do planeta e de quanto isso já é trágico para o futuro, sendo que a política mundial, seguindo a tendência de extrema-direita, tende a ignorar o problema, chegando a ironizá-lo.
                       Como vimos, nosso planeta está política, econômica e ecologicamente instável, aproximando-nos a um cenário distópico, ou já nos instalando nele. Em outras palavras, em muitos aspectos, beiramos o futuro previsto no imaginário para 2019. Mas ainda precisamos entender a peculiaridade deste ano. Para isso, recorreremos brevemente a uma filosofia do tempo.


Henri Bergson (1859-1941)

Henri Bergson e o “Vortex Temporal”

O filósofo francês Henri Bergson lançou, na virada do século XIX para o XX, o livro Matéria e memória, em que trata do tempo enquanto um virtual. Com isso, ele argumenta pela existência de um atemporal “abrigando” a multiplicidade dos tempos, em que coexistem passado, presente e um futuro em aberto coexistem. Nosso cérebro seria uma espécie de instrumento de busca no tempo – o que faz com que Bergson se diferencie da neurociência dominante, que afirma estar a memória localizada no cérebro. Segundo Bergson, o tempo percebido é uma duração, uma apreensão determinada e flexível do tempo. 
Por exemplo: para ler este texto, o leitor contrai o mínimo de tempo para manter a atenção. Se ele lembra-se do café da manhã, ampliará a duração; para recordar o almoço de ontem, ampliará ainda mais. Se lembra de sua casa da infância, a duração é ainda mais ampla. Ecos do futuro podem ser apreendidos, não como determinação, mas como intuição do que acontecerá. Com isso, Bergson não afirma que o futuro seja pré-determinado, mas, sim, que o presente está “grávido” do futuro. Assim, podem-se apreender certas tendências, nuances do porvir, sem uma precisão absoluta. 
Desdobrando a partir do bergsonismo, podemos entender o ano de 2019 como uma espécie de vortex transtemporal, ou seja: as forças que envolvem os acontecimentos de 2019 e de sua durações vizinhas – os anos anteriores e posteriores mais próximos – são auto-organizadas no tempo. Os escritores e cineastas citados captaram algo desse vortex. Assim como Munch, em O Grito, e o expressionismo alemão, como mostra Siegfried Kracauer em De Caligari a Hitler, captaram algo do vortex da Segunda Guerra, que então estava por vir. 

O que fazer no Vortex 2019?

Diante de tudo isso, o que fazer? 2019 se anuncia como o início de uma era distópica e de uma crise sem precedentes – ou é uma espécie de Nova Era que iniciaria um momento mais consciente da humanidade, como muitos astrólogos e esotéricos prenunciam?
É inegável que problemas político-econômicos e ecológicos se agravarão. Resta saber suas magnitudes. O estatuto do humano será colocado cada vez mais em questão, pelos discursos filosóficos ciborgue e transumanista, bem como pelas cada vez mais evidentes interfaces homem-máquina.
                       Isso nos leva a entender que a interface seres orgânicos-máquina sempre esteve aí. A colônia de bactérias é uma tecnologia da bactéria, assim como a fotossíntese é uma tecnologia das plantas. O óculos, o marca-passo são consideradas interações entre natureza e cultura, entretanto há muito deixou de fazer sentido a dicotomia natureza-cultura (inclusive suas relativizações recentes). A interface homem-gadgets-internet etc. é uma amostra da imanência ao longo da natureza-cultura. A imersão pré-linguística no cosmos, realizada pelos nossos ancestrais, pode ser retomada com novos sabores, entendendo a língua, as artes e a cultura em geral enquanto extensões nossas; tudo isso com auxílio da meditação e de outras técnicas. É possível que o próximo passo evolutivo que daremos envolva um amálgama de ser humano e AI, como previra o filme de Steven Spielberg.



Está-se sofisticando nossa compreensão do que é ser ecológico e auto-organizado. Se tais ocorrências não são gerais, elas são locais e devem ser otimizadas. As próprias redes sociais, se usadas de forma consciente e coerente, podem ajudar a adquirir maior consciência política.
Nosso objetivo neste artigo é evidenciar que esse vortex 2019 deve ser cultivado enquanto potência por quem está antenado com suas possibilidades, e entre essas pessoas está você que lê este texto agora. A despeito de toda a tragédia anunciada, nossa época marca uma maior compreensão da relação ao longo dos saberes. Graças a autores como Gilles Deleuze, Tim Ingold, os nossos transaberes etc., estamos mais aptos a apreender-nos enquanto cósmicos, enquanto uma extensão do infinito, a partir de uma conceituação imanente. Não é preciso que um extraterrestre venha demonstrar isso (mas, se vier, teremos que lidar com isso, realizando, entre in´[umeras possibilidades, uma bela interface entre antropologia e cosmologia) – trata-se apenas de uma mudança de concepção ontológica, ou seja, de como concebemos a existência, o ser, ou, melhor, os devires.
Os avanços dos estudos históricos acerca da bruxaria, em Wouter Hanegraaff, e a aplicação de exercícios parapsíquicos por Waldo Vieira e outros, a maior difusão do que seria uma meditação autoinquiritiva, ou seja, uma modulação de nossa atenção para nos atentarmos de forma mais eficaz a nosso pertencimento cósmico, tudo isso nos permite apreender de forma mais precisa nosso mundo, além de tornar mais éticas nossas relações e traçar ações mais eficazes para o nosso aqui e agora. Para isso, é preciso eliminar outra dicotomia: ciência e magia. É preciso apreender que a ciência nasceu da magia. A obra dos renascentistas Paracelso, Giordano Bruno, Kepler e o pai da Revolução Científica, o alquimista Isaac Newton, nos ajudam a entender isso. É chegada a era dos cyber-bruxos! Diferente da paranormalidade descontrolada e destruidora de Akira, nosso mergulho nos exercícios de meditação e de estado vibracional nos permite adquirir um conhecimento mais amplo, em transaberes e em uma maturidade espiritual, associada aos conhecimentos científicos e de outras áreas, entendendo que tudo são linhas saídas do emaranhado de linhas de forças no vortex.
O que entendo como algo disruptivo em 2019 faz parte de um processo mais amplo que se vem delineando, segue ocorrendo, e continuará, e que não cabe mais nas categorias de Bem ou Mal. Crises econômicas e ecológicas são problemáticas, mas devemos concentrar-nos em como nosso tempo nos pode tornar mais aptos para uma vida plena. Usemos a tecnologia e as informações que temos a dispor a nosso favor, inclusive para tomar atitudes mais eficazes em relação ao que queremos evitar. 
Faço um convite para irmos além do catastrofismo e apreendermos o que há de mais potente aqui e agora. Podemos esboçar algumas linhas de ação:
(a) Potencializar os práticas transaberes, ou seja, apreender o transdisciplinar na vida, com grupos que estudem as relações ao longo da filosofia, física, magia, artes etc., sendo articulados com exercícios meditativos e estados vibracionais.
(b) Problematizar as relações estereotipadas, as famílias que são, na maioria das vezes, uma espécie de Síndrome de Estocolmo socialmente instituída, bem como problematizar a necessidade de ter tantos filhos. Diminuir espontaneamente a taxa de natalidade pode ser tanto uma atitude de resistência política quanto ecológica.
(c) Otimizar os grupos autogeridos e dotá-los de propósitos educacionais. Que esses grupos se possam tornar comunidades um pouco (não demasiado) mais complexas.
(d) Evitar a dependência da tecnologia sem a demonizar, fazendo um uso o mais assertivo possível.
(e) Sair dos paradigmas religioso ou cientificista, entendendo ambos enquanto dogmáticos e dualistas (pois um nega o outro), em direção a uma apreensão mais ampla, em transaberes.
(f) Abandonar um paradigma político polarizado em direita e esquerda e apreender organizações políticas mais éticas, por exemplo, uma anarquia sagrada.
(g) Assumir consciência dos vampiros energéticos. Há um limite entre ajudar pessoas que precisam de nós e aquelas que não desejam mudar. Há que dosar nosso investimento – a dosagem adequada determina nossa Ética.
Há muitos indícios de que este ano será muito importante para estas modulações da atenção. A tendência para o pessimismo e o derrotismo são grandes e precisamos ficar atentos a elas. É preciso que saibamos que muitos estão antenados com as grandes possibilidades de mudanças éticas, ainda que seja no âmbito micro, e que elas podem ser otimizadas no âmbito macro. Isso depende da sua postura aqui e agora. 
Bem vindo a 2019.

*Nelson Job - Professor, Doutor e Pós-doutorando em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia (UFRJ), psicólogo e autor do livro "Ontologia Onírica".

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