segunda-feira, julho 31, 2017

Cinco motivos que explicam porque educação é o melhor negócio de todos os tempos


O mundo das altas finanças está de olho no ensino superior brasileiro: empresas de private equity, banco de investimentos e fundos de investimentos nacionais e estrangeiros estão por trás dos grandes grupos da oligopolização do setor. Para justificar a tendência consultores, analistas, conselheiros e gestores falam em “inserção do ensino superior no mundo global”, “internacionalização do ensino superior”, “cooperações vencer-vencer” etc. Como sempre, a verdade está em outra cena: descobriram que a educação é o melhor negócio (legal) de todos os tempos. Diferente de muitos outros negócios, a sua mão de obra (a resiliência dos professores), sua “clientela” (alunos que tendem a esquecer) e o seu insumo (a liquefação do conhecimento em informação) são bem peculiares. O que tornam as possíveis resistências, críticas ou até mesmo ativismos fáceis de serem geridos. Vamos listar cinco peculiaridades que tornam a educação um negócio imperdível: a folha de parreira da titulação, a Síndrome da Vida de Inseto, a amnésia discente, ausência de espírito de corpo e o fetiche da “uberização” tecnológica da educação. 
  
Certamente a imaginação artística não é páreo para o surrealismo daquilo que chamamos por realidade. Nos anos 1970 Raul Seixas cantava que a “solução é alugar o Brasil!”. Só que o cantor não viveu o suficiente para ver o quanto sua crítica estava aquém da imaginação fértil de políticos e economistas dessas plagas.

O Brasil está sendo é vendido mesmo: aeroportos, usinas, distribuidoras de água e energia, riquezas naturais, partidos políticos e, por que não,... universidades privadas?

Esqueça aqueles donos de faculdades folclóricos, membros de conselhos de clubes de futebol, donos de antigos cursos de admissão ou de escolas técnicas e supletivos... e alguns até se aventuravam a vender máquinas caça-níquel em favelas de São Paulo...

Esqueça aqueles empresários locais e provincianos que pensavam em lucros extraídos da produção em larga escala nas chamadas “faculdades de boca de metrô”, “universidades pé-de-chinelo”, “fábrica de diplomas” etc.

Esqueça de todos eles, porque o ensino superior privado ficou na mira das fusões e aquisições, incorporações e abertura de capitais de fundos de investimentos estrangeiros – com a participação de empresas de private equity, banco de investimentos e fundos de investimentos como UBC Pactual, GP Investimentos, Capital Group (EUA), Fundo Pátria ou a KKR (EUA) participando em grandes empresas educacionais que oligopolizam o ensino superior brasileiro como a Kroton Educacional (Anhanguera, Unopar etc.), a norte-americana Laureate International Universities (Anhembi-Morumbi, FMU entre outras).


Efeitos imediatos


Os efeitos do interesse no ensino superior desse mundo das altas finanças já são sentidos. Só para ficar no exemplo mais recente: a demissão de 220 professores da FMU/SP no mês de junho e a reestruturação curricular que reduz linearmente 25% das aulas.

Sem falar no caso desse desafortunado blogueiro, demitido no ano passado (depois de ter perdido o prazo de validade, após 30 anos de casa) da Universidade Anhembi Morumbi, cujo curso também sofreu redução curricular de 25% - modus operandi Laureate. 

Embora consultores, analistas, conselheiros, gestores e toda essa miríade novos cardeais da administração e da chamada ciência econômica falem em “inserção do ensino superior no mundo global”, “internacionalização do ensino superior”, “cooperações vencer-vencer” entre outros eufemismos para explicar essa mudança estrutural no ensino superior, na verdade escondem a descoberta de que educação é o melhor negócio de todos os tempos – principalmente por causa da natureza peculiar da mão-de-obra principal (professores), sua clientela (alunos) e o seu insumo (conhecimento).


Escolástica versus capital global


Confesso que acreditava que a universidade, por descender diretamente do método escolástico medieval, seria a última coisa que atrairia o interesse do grande capital dos global players.

Razão pela qual esse humilde e ingênuo blogueiro optou pela carreira acadêmica – acreditava que, apesar da exploração da mais-valia absoluta perpetrada pelos capitalistas locais, pelo menos o insumo trabalhado pelo professor ainda resistiria às formas de quantificação da linha de montagem – o professor era explorado, mas não despojado do seu saber.

Porém, após as incansáveis pesquisas qualitativas, prospecção de mercado, análises de perfis sócio-psicográfico, benchmarking, público alvo e testes de conceito, os novos demiurgos do ensino superior vislumbraram o tesouro que tinham em mãos: um negócio de natureza psicográfica, social e ideológica bem especial.

Vamos listar cinco traços do mundo acadêmico que devem ter feito crescer os olhos dos gestores:


(a) A folha de parreira da titulação


Professores ostentam orgulhosos nas suas Plataforma Lattes, seus títulos de Mestrado e Doutorado, livros ou artigos publicados em revistas científicas. Nos processos de reconhecimento de cursos nas universidades privadas ou na proximidade das visitas dos técnicos do MEC e avaliações do Enade, coordenadores correm atrás da produção científica dos professores.

Logo os novos professores descobrem aquilo que os mais antigos melancolicamente já perceberam: o divórcio entre a pesquisa científica e conhecimento adquirido no cumprimento dos créditos na pós-graduação e o trabalho didático exigido em sala de aula.

Se na pesquisa o professor lida com o conhecimento (produção científica), em sala de aula, através da chamada “metodologia ativa”, transforma-se em gestor de efeitos de conhecimento (informação) – o ofício do professor primeiro é engessado e depois diluído no teach-learning previsto minuto a minuto em planilhas Excel.

Mas nos anúncios publicitários dessas universidades falam em professores “mestres e doutores” como se isso quisesse dizer alguma coisa na prática de ensino universitária.

A verdade está em outra cena: titulações acadêmicas funcionam muito mais como folhas de parreira para esconder a nudez dessas instituições: o abismo entre a Ciência e a tecnicização do conhecimento reduzido por slogans como “empreendedorismo”, “foco na criatividade”, “pro-atividade” etc.  


(b) Professores e a Síndrome da “Vida de Inseto”


O leitor deve lembrar da animação da Pixar Vida de Inseto (A Bug’s Life, 1998). Se sim, deve lembrar também do circo de insetos de um empresário embusteiro chamado P.T. Flea. O circo tinha sido contratado pela formiga protagonista chamada Flik,  com a missão de afugentar os gafanhotos que escravizavam seu formigueiro.

Mas os insetos artistas foram enganados pelo empresário charlatão: eles pensavam que apenas fossem encenar que eram guerreiros, e não protagonizar uma guerra real contra a gangue de gafanhotos.

Indignado com o oportunismo do patrão, o louva-deus mágico Manny protestava: “Como ousa! O senhor é o charlatão nessa história. Aproveitando-se das almas de artistas infelizes, sedentas por atenção...”.

Com salários atrasados, os pobres artistas insetos se submetiam a P.T. Flea unicamente por carência de reconhecimento e atenção de pequenos públicos.

Muito se fala da decantada “paixão por ensinar” (aliás, slogan do grupo Kroton) para caracterizar o ofício do professor, transformando a profissão numa espécie de sacerdócio. Mas é inegável que muito da resiliência do professor vem, em muitos casos, dessa necessidade psíquica por atenção, da conquista de corações e mentes do público, seja qual for.

No final, essa Síndrome de Vida de Inseto vira a energia da resiliência de um ofício que se liquefaz: com um cotidiano em sala de aula totalmente divorciado da produção científica pessoal, pelo menos alguém presta mínima atenção ao que o professor fala.


(c) Amnésia discente


O que se torna oportuno nessa guinada radical das demissões em massa, reestruturações curriculares arbitrárias para redução de aulas, “uberização educacional” (sobre esse conceito clique aqui) e diluição do conhecimento em informação é que a “clientela” discente sempre se renova.

Sem parâmetros para fazer comparações entre passado, presente e futuro, novas turmas entram nas universidades privadas e acham que tudo sempre foi assim. O conhecimento histórico será sempre de curto prazo, limitados aos quatro anos em média do curso superior.

Um ótimo negócio: diferente de outros produtos, o ensino superior conta com o esquecimento como um importante insumo – mesmo aquelas turmas de anos avançados que, chocados, testemunham ondas de demissões e as reestruturações preparadas para as novas turmas ingressantes, sabem que estão na reta final da sua, por assim dizer, “vida acadêmica”.

Por isso, é melhor esquecer, pegar o diploma e cair fora.


(d) Ausência do espírito de corpo discente


Mas é claro que essa amnésia discente somente é possível com uma importante doutrinação ideológica que já começa nos filmes publicitários e nos materiais informativos das universidades privadas – Internet, folders etc.

Para o negócio do ensino superior não existe “corpo discente”. Existe apenas “o discente”, e é para ele, e somente ele, que fala toda a comunicação publicitária e acadêmica.

A retórica é individualista, jamais coletiva. Afinal, desde o primeiro momento que senta na sua carteira e olha para frente,  o aluno já está sendo preparado para a precarização, trabalho desregulamentado, salários miseráveis, patrões invisíveis escondidos por trás de plataformas tecnológicas e transações econômicas misteriosas na sombra do espaço digital.

Por isso, é cada um por si e todos, obrigatoriamente, “inovadores”, “empreendedores”, “focados em resultados”, “internacionalizados” e assim por diante com tantos eufemismos tão etéricos que acabam quase se tornando algum tipo de tratado de metafísica.

Diretórios Acadêmicos (oportunidade para criar um centro de convivência acadêmica, mantenedor da memória histórica e do espírito de corpo) são obviamente desestimulados ou simplesmente proibidos. No lugar, estimula-se a criação de associações atléticas, nas quais a prática esportiva é pretexto para organizar cervejadas, carnafolias, carnafacul entre outros eventos etílicos com péssimo gosto musical...


(e) Uberização da educação


Nada como o avanço tecnológico, principalmente dos aplicativos. Afinal, o discurso da educação atual identifica-se cada vez mais com as novas tecnologias digitais, tomadas como objetos fetichistas – algo assim como fossem máquinas que, por si mesmas, ensinassem enquanto o professor “facilita” o processo.

Um projeto da prefeitura de Ribeirão Preto/SP, apelidado de “Uber da educação” ou “Professor Delivery”, prevê o pagamento avulso de aulas da rede pública para professores acionados por um aplicativo – após receber a chamada pelo aplicativo no celular, o professor teria 30 minutos para aceitar a tarefa e uma hora para chegar na escola.

Tudo a título precário, sem vínculo empregatício. Professores seriam acionados sempre quando um profissional da rede municipal faltasse – sobre a notícia clique aqui.

Nesse clima de “reformas” que varre a agenda da grande mídia e da política nacional, essa é certamente uma experiência seminal e de vanguarda cujos resultados serão ansiosamente aguardados pelo oligopólio educacional.

Assim como olham atentos para experiências como a do inspirador Vale do Silício na Califórnia: a criação de uma universidade “revolucionária” sem professores – a universidade chama-se “42”, número que seria o “sentido da vida”, segundo o clássico sci-fi O Guia do Mochileiro das Galáxias – sobre a notícia clique aqui.

Porém, abaixo do equador, não será necessário tanto investimento tecnológico: bastam um smartphone, a Síndrome da Vida de Inseto docente e a amnésia discente na efêmera “vida acadêmica”, por assim dizer.  

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