Imagine um mundo onde bebês são recolhidos em um campo de repolhos,
vendidos para as crianças como bonecas de brinquedo para, depois que crescem, serem
recolhidos por um sinistro capataz que os escraviza em uma fábrica, depois de
remover suas memórias. Esse é o filme canadense “Patch Town” (2015), um conto
de fadas distópico narrado em um mix improvável entre folclore russo,
iconografia do comunismo soviético e crítica ao consumismo ocidental. “Patch
Town” é mais um filme atual que explora a metáfora de seres humanos como
bonecos manipulados por demiurgos.
Título: Patch Town (2015)
Diretor: Craig Goodwill
Plot: Jon (Rob Ramsay) vive em uma pequena
vila onde todos os moradores trabalham em uma única fábrica. Repolhos são
recolhidos em um imenso campo para passarem na linha de montagem dessa fábrica.
Os repolhos são cortados para serem retirados do seu interior bebês se
contorcendo; em seguida são colocados em bonecos de plástico para serem
vendidos em todo o mundo. Os bebês tornam-se objetos imóveis que continuam a
ver, ouvir e sentir a emoção, enquanto que residem em cima da cama de alguma
criança. O que Jon não percebe é que ele e todos os seus pares na fábrica já
foram, uma vez, esses bonecos: quando os bebês crescem, os brinquedos são
roubados pelo sinistro “recolhedor de bebês” e transformados em novos trabalhadores
para a fábrica e suas memórias são removidas de suas mentes.
Por que está “Em Observação”? – Ao fazer essa
espécie de contos de fada distópico, o diretor certamente tinha em mente Brazil, O Filme de Terry Gilliam e Ladrão de Sonhos de Marc Caro – sobre o
filme clique aqui. Um filme ambicioso que
combina a iconografia da era soviética, folclore europeu, pitadas de números
musicais e crítica ao consumismo ocidental.
Quando estamos
diante de um filme cujos temas passam pela prisão/escravidão a partir da
remoção de memórias, estamos em uma narrativa com um evidente sabor gnóstico.
Isso sem falar da analogia entre bebês e bonecas – a filmografia recente está
repleta de filmes onde fantoches, autômatos e bonecos são metáforas da própria
condição humana nesse mundo: as relações homem/autômato ou homem/Deus onde
algum Demiurgo nos manipularia. Um imaginário construído desde Platão nos
diálogos As Leis e A República: a metáfora de cada ser vivo
como um fantoche ou o jogo de sombras que os prisioneiros veem na parede da
caverna como fosse a própria realidade.
Patch
Town explora ainda o curioso folclore russo que envolve bebês e repolhos.
Por centenas de anos o repolho tem sido uma parte importante na dieta e
remédios caseiros na Rússia. Até o século 16, era um costume na Rússia colocar recém-nascidos
em folhas de couve, antes de serem lavados e vestidos. As folhas eram
suficientemente grande e disponíveis quase por todo o ano. Depois, a cada banho,
os bebês eram envolvidos em camadas de tecidos, como fossem folhas de repolho.
Talvez aí estejam
as origens arquetípicas do porquê quando muitos pais são confrontados pelos
filhos sobre questões das origens das crianças, contam histórias de cegonhas
fazem entregas de crianças recolhidas em campos de repolho.
O repolho tem uma
forte história de ser destaque na música, arte e literatura em todo o mundo.
Por exemplo, em The Cabbage Patch Mother,
do escritor russo Petrushevskaya, é narrada a história de um bebê chamado
Dewdrop, que nunca cresce. Ele é esquecido é deixado em uma plantação de
repolhos. Mais tarde a mãe descobre que Dewdrop tornou-se um desajeitado e
enorme bebê chorão.
Patch Town é uma versão estendida do curta
homônimo de 26 minutos feito em 2011, premiado em diversos festivais como de
Toronto e Fantasporto – festival de cinema fantástico na cidade do Porto em
Portugal.
Além do sabor
gnóstico que Patch Town promete –
perdas de memórias, escravidão, além da figura sinistra do “recolhedor de
crianças”, uma espécie de capataz que vai nas casas buscar as crianças
crescidas no interior das bonecas – há uma irônica crítica ao consumismo e
infantilização da cultura: o filme explora a ideia de que crianças modernas
crescem rápido e logo vão querer brinquedos mais adultos. O “recolhedor de
crianças” as sequestra e reconduz à fábrica onde se tornarão trabalhadores em
linhas de montagem e ávidas consumidoras de inutilidades da sociedade de
consumo.
O que confirma o sombrio
diagnóstico certa vez feito por Freud negando o suposto amadurecimento psíquico
que acompanharia o crescimento: o adulto não passa de uma criança crescida.
O que promete? – O espectador deverá preparar-se para um humor
escatológico e negro. A combinação parece ser muito bizarra: folclore russo
misturado com a iconografia da era do comunismo soviético, crítica à sociedade
de consumo capitalista e sequências musicais com canções e danças. A crítica
norte-americana define o filme como “loucura gonzo carnavalesca”. Mas temos que
levar em conta que para os americanos, os canadense são um povo muito
estranho...