domingo, dezembro 20, 2015

Curta da Semana: "Treevenge" - a vingança das árvores de natal


Nessa época do ano surgem na Internet várias listas de filmes que fazem paródias com muito humor negro sobre o espírito do Natal. O curta canadense “Treevenge” (2008) é mais um exemplo – pinheiros arrancados da floresta por cruéis lenhadores para serem explorados no mercado de decorações natalinas planejam uma sangrenta vingança contra os humanos. Além da crueldade, os humanos ainda adoram as bregas músicas natalinas. O que irrita ainda mais os pinheiros que veem sua dignidade perdida aos serem transformados em árvores de natal no canto de uma sala de jantar qualquer.  Por trás do horror trash de “Treevenge” há ainda mais: Nietzsche e o espírito de Natal transformado em valor agregado dos produtos.

Certa vez o filósofo alemão Nietzsche disse que qualquer coisa que nos faz rir é como fosse um sintoma de uma emoção que morreu. Toda vez que rimos é uma emoção, uma emoção séria que deixou de existir em nós. O que dizer então sobre a série de produções cinematográficas em tom de humor negro sobre o Natal? Seguindo esse insight nietzschiano, se rimos desses filmes é porque o espírito do Natal já está morto dentro de nós?

O curta canadense Treevenge(2008) de Jason Eisener, premiado no Boston Underground Film Festival, é outro exemplar do mix Natal, horror trash e humor negro. Mas dessa vez, sem papais nóeis assassinos ou algum serial killer que invade lares de famílias inocentes. Aqui, o horror foi trazido para dentro de casa, decorado e colocado em um canto das salas de jantar: pinheiros transformados em árvores de natal.


O curta começa com uma floresta de pinheiros. A música, a atmosfera, tudo inspira harmonia. Até a chegada de raivosos lenhadores com seus machados e motosserras. Eles estão irritados e apressados para cortar o maior número possível de árvores para o mercado de decoração natalina. Os pinheiros assustados comunicam-se entre si em seu próprio idioma, suplicam por piedade, mas são cruelmente ceifados com requintes de crueldade.

Depois são amarrados, compactados e transportados em caminhões para as lojas de produtos natalinos. “Por que fazem isso conosco? O que fizemos?”, perguntam os pinheiros uns para os outros amarrados na escuridão dos caminhões. A associação com o holocausto nazista é imediata.

Uma estereotipada família feliz (os MacMichael) escolhem o pinheiro perfeito para a sua ceia de Natal e levam para casa uma árvore assustada, suplicando por ajuda que ninguém ouve.

Mas haverá revanche, sangue e vingança para macular a abertura dos presentes sob os pinheiros em cada casa: com seus poderes telepáticos, as árvores combinam a vingança sobre os humanos. Ninguém será poupado!

Treevenge utiliza um conceito bastante aplicado em filmes de terror: pegue um objeto comum ou um pequeno ser vivo qualquer e o transforme em um inimigo a ser temido. Os fãs do gênero provavelmente estão familiarizados com ataques de tomates assassinos, vinganças de sapos, aranhas e formigas, automóveis que ganham vida própria e até pneus - clique aqui. E o mestre de todos, Hitchcock e o seu filme Os Pássaros – a Natureza vingando-se do ser humano.


Além de confirmar uma velha premissa do gênero: nunca faça sexo em um filme de terror – você será castigado da pior forma. É o que confirma, em tom de paródia, Treevenge com o infeliz destino de um casal que tenta fazer sexo ao lado de uma irritada árvore de natal.




Em todo curta os seres humanos são retratados como cruéis, ridículos e de péssimo mau gosto: a cena da árvore de natal irritadíssima com a “muzak” natalina da casa dos MacMichael (“Por que tenho que ouvir isso!”, suplica o pobre pinheiro) é impagável.

A breguice, o frenesi consumista das compras, a ansiedade idiota pelos presentes e as pessoas ridiculamente felizes, reforçada com uma fotografia propositalmente retro como fosse um filtro do Instagram, tornam o espírito do Natal hipócrita frente à chacina dos indefesos pinheiros.

Por isso, Treevenge faz lembrar a realidade retratada pela jornalista Naomi Klein em seu livro Sem Logo: a tirania das marcas em um planeta vendido, onde denuncia como o excessivo valor que as empresas gastam para gerar imagens, marcas e estilo de vida esconde a  triste realidade dos trabalhadores fabricantes desses produtos em países “emergentes” – precarização, semi-escravidão, exploração do trabalho infantil etc. “... para que as crianças americanas possam colocar roupas cheias de babadinhos em sua boneca favorita da América, é necessário que outras crianças na Indonésia e na China estejam trabalhando praticamente em regime de escravidão”, escreve a jornalista.

Talvez Nietzsche tenha razão: se rimos e premiamos filmes como Treevenge é porque a emoção do Natal já morreu dentro de nós.



Ficha Técnica


Título: Treevenge (curta metragem)
Diretor: Jason Eisener
Roteiro: Rob Cotterill, Jason Eisener
Elenco:  Jonathan Torrens, Sarah Dunsworth, Maris Morgan
Produção: Yer Dead Productions
Distribuição: independente
Ano: 2008
País: Canadá

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