Nessa época do ano surgem na Internet várias listas de filmes que fazem paródias com muito humor negro sobre o espírito do Natal. O curta canadense “Treevenge” (2008) é mais um exemplo – pinheiros arrancados da floresta por cruéis lenhadores para serem explorados no mercado de decorações natalinas planejam uma sangrenta vingança contra os humanos. Além da crueldade, os humanos ainda adoram as bregas músicas natalinas. O que irrita ainda mais os pinheiros que veem sua dignidade perdida aos serem transformados em árvores de natal no canto de uma sala de jantar qualquer. Por trás do horror trash de “Treevenge” há ainda mais: Nietzsche e o espírito de Natal transformado em valor agregado dos produtos.
Certa vez o
filósofo alemão Nietzsche disse que qualquer coisa que nos faz rir é como fosse um
sintoma de uma emoção que morreu. Toda vez que rimos é uma emoção, uma emoção
séria que deixou de existir em nós. O que dizer então sobre a série de
produções cinematográficas em tom de humor negro sobre o Natal? Seguindo esse
insight nietzschiano, se rimos desses filmes é porque o espírito do Natal já
está morto dentro de nós?
O curta canadense Treevenge(2008) de Jason Eisener,
premiado no Boston Underground Film Festival, é outro exemplar do mix Natal,
horror trash e humor negro. Mas dessa vez, sem papais nóeis assassinos ou algum
serial killer que invade lares de famílias inocentes. Aqui, o horror foi
trazido para dentro de casa, decorado e colocado em um canto das salas de
jantar: pinheiros transformados em árvores de natal.
O curta começa com
uma floresta de pinheiros. A música, a atmosfera, tudo inspira harmonia. Até a
chegada de raivosos lenhadores com seus machados e motosserras. Eles estão
irritados e apressados para cortar o maior número possível de árvores para o
mercado de decoração natalina. Os pinheiros assustados comunicam-se entre si em
seu próprio idioma, suplicam por piedade, mas são cruelmente ceifados com
requintes de crueldade.
Depois são
amarrados, compactados e transportados em caminhões para as lojas de produtos
natalinos. “Por que fazem isso conosco? O que fizemos?”, perguntam os pinheiros
uns para os outros amarrados na escuridão dos caminhões. A associação com o
holocausto nazista é imediata.
Uma estereotipada
família feliz (os MacMichael) escolhem o pinheiro perfeito para a sua ceia de
Natal e levam para casa uma árvore assustada, suplicando por ajuda que ninguém
ouve.
Mas haverá
revanche, sangue e vingança para macular a abertura dos presentes sob os
pinheiros em cada casa: com seus poderes telepáticos, as árvores combinam a
vingança sobre os humanos. Ninguém será poupado!
Treevenge utiliza um conceito bastante aplicado
em filmes de terror: pegue um objeto comum ou um pequeno ser vivo qualquer e o
transforme em um inimigo a ser temido. Os fãs do gênero provavelmente estão
familiarizados com ataques de tomates assassinos, vinganças de sapos, aranhas e
formigas, automóveis que ganham vida própria e até pneus - clique aqui. E o mestre de todos, Hitchcock
e o seu filme Os Pássaros – a
Natureza vingando-se do ser humano.
Além de confirmar
uma velha premissa do gênero: nunca faça sexo em um filme de terror – você será
castigado da pior forma. É o que confirma, em tom de paródia, Treevenge com o infeliz destino de um
casal que tenta fazer sexo ao lado de uma irritada árvore de natal.
Em todo curta os seres humanos são retratados como cruéis, ridículos e de péssimo mau gosto: a cena da árvore de natal irritadíssima com a “muzak” natalina da casa dos MacMichael (“Por que tenho que ouvir isso!”, suplica o pobre pinheiro) é impagável.
A breguice, o
frenesi consumista das compras, a ansiedade idiota pelos presentes e as pessoas
ridiculamente felizes, reforçada com uma fotografia propositalmente retro como
fosse um filtro do Instagram, tornam o espírito do Natal hipócrita frente à
chacina dos indefesos pinheiros.
Por isso, Treevenge faz lembrar a realidade
retratada pela jornalista Naomi Klein em seu livro Sem Logo: a tirania das marcas em um planeta vendido, onde denuncia
como o excessivo valor que as empresas gastam para gerar imagens, marcas e
estilo de vida esconde a triste
realidade dos trabalhadores fabricantes desses produtos em países “emergentes”
– precarização, semi-escravidão, exploração do trabalho infantil etc. “... para
que as crianças americanas possam colocar roupas cheias de babadinhos em sua
boneca favorita da América, é necessário que outras crianças na Indonésia e na
China estejam trabalhando praticamente em regime de escravidão”, escreve a
jornalista.
Talvez Nietzsche
tenha razão: se rimos e premiamos filmes como Treevenge é porque a emoção do Natal já morreu dentro de nós.
Ficha Técnica |
Título: Treevenge
(curta metragem)
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Diretor: Jason Eisener
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Roteiro: Rob Cotterill, Jason Eisener
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Elenco: Jonathan Torrens, Sarah
Dunsworth, Maris Morgan
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Produção: Yer Dead Productions
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Distribuição: independente
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Ano: 2008
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País: Canadá
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