Há muito tempo em uma galáxia muito distante não havia Deus... mas “A
Força”. “Star Wars” foi o ápice da popularização do Panteísmo no Ocidente,
iniciado com os Beatles nos anos 1960. Conceito tomado do livro “Relatos de Poder” de
Castaneda, George Lucas nunca deixou clara as conexões teológicas do termo “A
Força” com alguma religião em particular, mas há evidentes ligações com
cosmovisões budistas, taoístas e nas atuais religiões New Ages. Mas o panteísmo
de “Star Wars” é bem diferente: na saga, a “Força” ora é uma energia cósmica
impessoal, ora uma entidade inteligente que manipula deliberadamente os eventos
em busca do “equilíbrio” como fosse Deus, ora um instrumento de poder dos
Jedi. Estamos no panteísmo hollywoodiano onde o confronto entre Bem e o Mal
busca um equilíbrio sem redenção final para que a franquia torne-se uma
narrativa transmídia e se expanda infinitamente em múltiplas mídias e plataformas.
Assistir à saga Star Wars chega a ser uma experiência
quase religiosa.
A série salvou os
estúdios da 20th Century Fox da falência em 1977, criou o padrão blockbuster de
comercialização em Hollywood (onde um filme cria franquias de jogos, brinquedos
etc.), e foi tão influente que fez o presidente dos EUA Ronald Reagan a chamar
seu novo dispositivo de defesa militar durante a Guerra Fria nos anos 1980 de
“Guerra nas Estrelas”.
Além de ser o
primeiro “filme recuperativo”, série de retro-fantasias que se contrapôs à
chamada Nova Hollywood – conjunto de filmes críticos e realistas dos anos 1970
como Taxi Driver, com Robert De Niro,
e Um Estranho no Ninho, com Jack
Nicholson. Depois de Star Wars vieram
Indiana Jones, E.T., De Volta Para o Futuro, Ghost Busters,
etc.
A retro-fantasia
criada por George Lucas (inspirada no timing narrativo de séries sci fi antigas
como Flash Gordon) pode também ser
considerada a primeira produção hollywoodiana a explorar mitologias de várias
religiões e mitos antigos.
Podemos considerar
que a indústria do entretenimento explora três tipos de mitologias: as
judaico-cristãs monoteístas, as politeístas e as gnósticas. Certamente, Star Wars chamou a atenção para a visão
panteísta de Universo – da palavra grega “pan”, que significa “tudo” e
“teísmo”, que significa Deus.
Star Wars e o Panteísmo no Ocidente
Lucas não tinha a
intenção de promover uma religião em particular no filme. No entanto ele queria
que os jovens pensassem em questões espirituais: “os jovens pensam sobre os
mistérios. Mas não quer dizer: ‘aqui está a resposta’. Mas sim: ‘pense nisso
num segundo. Existe um Deus? Como ele parece?’ Levar os jovens a pensar nesse
nível é o que tentei em Star Wars.”,
afirmou George Lucas - leia MOYER, Bill. "Of Myth and Men" In: Time Magazine, 26/04/1999, p.93.
Com a ideia de “A
Força” que transpassa a narrativa da saga Star
Wars, Lucas quis passar uma cosmovisão monista ou panteísta. É a crença de
que Deus é impessoal, como uma essência que rege todo o Universo. Deus habita
todas as coisas, seja a vida ou uma simples pedra. Deus não estás esperado do
Universos, mas está contido dentro dele.
Percebe-se na série o ardil da Força, revelando também ser uma entidade inteligente como um Deus o que, paradoxalmente, o panteísmo pretende negar. A Força manipula eventos, cria profecias e sonhos e até mesmo engravida uma mulher da qual nascerá a figura messiânica (Luke Skywalker) que trará o equilíbrio da Força.
Essa cosmovisão
está na base das religiões hindus, budistas e nas atuais religiões New Ages.
Essa visão de mundo ganhou popularidade no Ocidente a partir da década de 1960
por meio de celebridades como os Beatles e os livros de autoajuda da atriz
Shirley McClain. O sucesso de Star Wars despertou ainda mais o interesse popular
pelas ideias do panteísmo.
Até então tanto a
literatura como nos filmes sci-fi (C.S. Lewis, J.R. Tolkien ou filmes como O Planeta Proibido de 1956 ou 2001 de Kubrick) também apresentavam
respostas a questões espirituais, porém ainda dentro de uma perspectiva teísta ou
judaico-cristã. Ou mesmo sci-fis gnósticos dos anos 1970 como Zardoz (clique aqui) ou O Homem Que Caiu na
Terra (clique aqui).
Star Wars foi o ápice popular dessa cosmovisão
panteísta. Panteístas acreditam na ausência de um ser divino pessoal e criador.
Atestam uma força impessoal, uma energia cósmica que flui ao longo de todas as
coisas do universo. Essa energia pode ser chamada “O Um”, o “Divino”, “Chi”,
“Mana” ou “Brahma”. Em Star Wars é
chamada de “A Força”.
A Força
O Mestre Jedi Obi
Won Kenobi introduz a ideia de Força no primeiro filme em 1977, ao explicar
para Luke Skywalker a sua natureza: “A
Força é o que dá ao Jedi o seu poder. É um campo de energia criado por todas as
coisas vivas. Ela nos cerca, nos penetra e conecta todas as galáxias.
Embora George
Lucas tenha se inspirado nas religiões orientais como o Taoísmo que ensina que
essa energia cósmica chama-se “Chi”, em Star
Wars essa ideia de Força é, no mínimo, ambígua. Em certos momentos da série
é vista um poder vinculativo, metafísico e onipresente; mas em outros momentos
vê-se a Força como uma entidade sensível, dotada de pensamento inteligente e
que direciona eventos na busca de um equilíbrio cósmico futuro; ou ainda como
simples ferramenta para o Jedi aumentar a resistência, curar, telepatia,
velocidade, telecinesia (movimentação de objetos à distância), visões
pré-cognitivas e aguçamento dos sentidos.
O equilíbrio da Força
A saga Star Wars gira em torno da figura de
Anakin Skywalker, que é identificado pelo Mestre Jedi Qui Gon Jinn como “O Escolhido”
para restaurar o “equilíbrio da Força”, esperança que atravessa toda a série.
Esse é o centro da
mitologia Star Wars: a Força envolve
um equilíbrio de luta pelo poder entre os Jedi (do lado da Luz) e os Siths – o lado
escuro da Força. Lembrando o princípio taoísta de Yin/Yang, o universo é composto
por forças que serão sempre mantidas em estado de oposição. Nenhum dos lados
tem domínio sobre o outro. Forças mutuamente dependentes – um não pode ser
conhecido sem o outro. A Escuridão, a Morte e o Mal nunca serão derrotados;
somente há equilíbrio enquanto existir oposição.
Em Star Wars o desequilíbrio ocorreu porque
o lado escuro tornou-se mais influente com a consolidação do Império e deve ser levado ao
equilíbrio pelas forças do bem. O lado escuro jamais será derrotado de forma
permanente pela Luz, mas deve-se apenas restaurar a Força por meio da
recuperação do equilíbrio. Esse é o conceito que George Lucas explora ao longo
da série.
O ardil da Força
Percebe-se na série o ardil da Força, revelando também ser uma entidade inteligente como um Deus o que, paradoxalmente, o panteísmo pretende negar. A Força manipula eventos, cria profecias e sonhos e até mesmo engravida uma mulher da qual nascerá a figura messiânica (Luke Skywalker) que trará o equilíbrio da Força.
Em última análise,
ao passar para o lado negro da Força e transformar-se em Darth Vader, Anakin
traz um novo equilíbrio a um desequilíbrio inicial: a purga dos Jedi aos
transformá-los em inimigos da República surge num momento em que o lado
luminoso era mais forte, quando haviam centenas de Jedi, enquanto no lado
escuro havia um número reduzido.
Os episódios do I
ao III revelam como a religião Jedi turvou seus próprios pontos de vista,
corrompendo-os e tornando-os tão maus quanto os Sith – passaram a operar pela
mentalidade “os fins justificam os meios” e sua reputação fica tão obscura que,
quando são enviados dois Jedi (ao invés de diplomatas treinados) para resolver
uma disputa comercial comum, causam grande medo – parecem a Gestapo da
República.
Darth Vader traz
um novo desequilíbrio, cuja solução veio através dos próprios filhos de Anakin:
Luke Skywalker e Leia.
O perfeito panteísmo hollywoodiano
Por isso essa
noção panteísta da Força é um moto-contínuo perfeito para uma franquia
hollywoodiana: jamais nenhum dos lados sofrerá uma derrota final. Potencialmente
a série não tem um fim, está em constante expansão. No universo Star Wars não há redenção e todos os
meios parecem justificar o fim – o equilíbrio da Força.
A Força parece ser
sempre um “deus ex machina” do roteiro (termo usado para designar intervenções
arbitrárias em uma narrativa para fazê-la fluir) – um panteísmo hollywoodiano
perfeito para produzir um blockbuster sem fim, uma narrativa transmídia onde a
história jamais termina, apenas continua através de múltiplas mídias e
plataformas.
Embora a série Star Wars tenha um appeal gnóstico (as
análises mais apressadas veem nos Siths o Demiurgo e nos Jedi os anjos da Luz) e
até um planeta chamado Geonosis (Gnosis?), não há uma redenção, uma gnose
que faça os personagens transcenderem a dualidade sem fim. Na saga, a dualidade não é maniqueísta (no sentido do pensador gnóstico persa Mani) mas monista - Bem e Mal são dependentes um do outro para manter uma ordem onde indivíduos e acontecimentos são meras peças de um jogo.
Gnosticismo e Panteísmo
O Gnosticismo
possui uma cosmovisão essencialmente dualista: é impossível existir harmonia
nesse cosmos – o conflito entre o Bem e o Mal será sempre entre aqueles que
anseiam fugir da prisão cósmica material e as forças que pretendem nos manter
prisioneiros – tema central de um arco de produções que vai de Truman Show e Matrix até a atual série Sense8 - clique aqui.
Nesses filmes até
há sugestões panteístas onde o protagonista somente será bem sucedido se puder
sentir a uma voz interior que o conecte a um Todo – principalmente em Sense8 onde os sensates se conectam por meio de um sistema nervoso coletivo través
do qual partilham emoções e percepções. Porém, a finalidade não é a busca de um
equilíbrio, mas a destruição de uma sinistra conspiração que envolve a própria
construção da realidade.
Ao contrário, em Star Wars desde a Realpolitik (tramas
palacianas envolvendo Federações, Confederações, Repúblicas e Impérios) até as
relações afetivas são ardilosamente manipuladas pela Força por meio de sonhos
(as premonições de Anakin sobre a morte da sua esposa grávida, Padmé, é o
primeiro passo para a sedução pelo lado Escuro) e profecias.
Por um ponto de
vista gnóstico, a Força é um Demiurgo – talvez bem próximo do Deus impiedoso do
Velho Testamento bíblico. Para a Força, o fim (equilíbrio/desequilíbrio) justificam os meios - até a destruição de planetas inteiros.
E por um ponto de
vista comercial da indústria do entretenimento, a Força é o ardil dos
roteiristas e da própria franquia, agora da Disney. Nada mais irônico do que o
novo filme da série Star Wars
chamar-se O Despertar da Força –
depois de mais de uma década do último filme e a aposentadoria do criador George Lucas, a saga
continua em busca de um equilíbrio. E os fãs e a Disney esperam que essa busca nunca tenha uma redenção
final.
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