Há milênios
filósofos como Platão especulam que a vida como a conhecemos talvez não seja
real. Com o advento da era da computação, essa ideia ganhou um novo impulso,
principalmente quando a cultura pop passou a debruçar-se sobre o tema chegando
ao imaginário cinematográfico em filmes como A Origem, Dark City, 13o Andar e a trilogia Matrix dos Wachowski.
Em duas postagens
anteriores o Cinegnose desenvolveu
esse argumento do Universo como simulação computacional finita a partir de
pesquisas da Universidade de Bonn, Alemanha, onde uma equipe de cientistas
tenta substituir a ideia de espaço-tempo contínuo pela busca de uma “assinatura
cósmica”: minúsculos espaços cúbicos parecidos com grades – pixels? – sobre
isso clique aqui.
Ao mesmo tempo, o
pesquisador da NASA Richard Terrile, baseado na chamada Lei de Moore ( que
sustenta que os computadores duplicam sua capacidade a cada dois anos), leva a
sério a possibilidade de que o Universo possa ser alguma espécie de game em um
computador cósmico. E a principal evidência é que nós também procuramos repetir
isso por meio de meta-simulações como games e mundos virtuais como o Second
Life.
Quem
começou toda essa especulação filosófica nesse início de século foi o filósofo
e matemático da Universidade de Oxford, Nick Bostrom, que criou o conceito de
“substrato independente”: consciência e inteligência poderiam se manifestar por
meio de diversos suportes, entre eles um supercomputador senciente que conteria
toda a simulação cósmica. Em outras palavras, seríamos todos partes de uma
versão de um role-playing cósmico como um World
of Warcraft – sobre isso clique aqui.
Nos últimos anos
essa hipótese vem sendo levada a sério em artigos de revistas como a New Scientist e diversos blogues
pessoais de físicos, filósofos e cientistas. Em todos eles há uma tentativa de
reunir evidências para resolver mistérios e paradoxos a partir da analogia com
o funcionamento de um computador digital, seja no mundo da mecânica quântica,
seja nas nossas observações empíricas do dia-a-dia: realidade pixelada, os
paradoxos das ondas quânticas, falhas no contínuo da realidade (déjà vu,
fantasmas, fenômenos sobrenaturais), princípio antrópico, paradoxo de Fermi
etc.
O Cinegnose vai reunir cinco principais evidências que reforçariam a hipótese de que o Universo poderia ser uma
simulação computacional. Evidências que parecem trazer de volta as milenares mitologias gnósticas em torno da suspeita da ilusão da realidade.
Mas o Cinegnose
vai além: quais as possíveis implicações religiosas e espirituais se levarmos
essas evidências às últimas consequências?
1. O Princípio Antrópico e o Paradoxo de Fermi
É surpreendente
que existam seres humanos. Para que a vida começasse nesse planeta foi
necessário que todos os fatores resultassem em uma feliz coincidência: a
distância perfeita do Sol, a atmosfera com a composição correta e a força da
gravidade na medida exata.
Embora possa haver
muitos outros planetas com essas condições, a felicidade do surgimento da vida
na Terra se torna ainda mais impressionante ampliando a perspectiva para além
do nosso planeta. Se algum fator cósmico como a energia escura fosse um pouco
mais forte, a vida não existiria.
Daí vem a questão
do princípio antrópico: Por que essas condições convergiram de forma tão
perfeita para nós? A explicação lógica seria de que as condições foram
deliberadamente criadas com a intenção de dar-nos vida. Cada fator teria sido
convenientemente criada em algum vasto experimento. Os fatores foram apenas
programados no Universo e a simulação foi iniciada.
Esse princípio se
ligaria ao chamado Paradoxo de Fermi (o primeiro físico a controlar a reação
nuclear) que poderia ser resumido em uma simples pergunta formulada pelo físico
na década de 1960: “onde está todo mundo?” – haveria uma contradição entre o
nosso crescente conhecimento do Universo e a ausência de contato com qualquer
forma de vida existente em algum outro ponto do cosmos.
Com bilhões de
outras galáxias lá fora, muitas delas bilhões de anos mais velhas que a nossa,
pelos menos uma não poderia ter dominado as viagens espaciais?
Uma resposta seria
a possibilidade da existência de multiversos – sim, haveria outras formas de
vida, porém em outros universos paralelos, cada um ignorando os demais. Um
argumento que reforça a hipótese da simulação – o nosso universo seria mais uma
simulação dentro de outras simulações. Todas isoladas, cada qual em sua prisão
virtual. Será que o objetivo desses role play games talvez fosse o de testar os
efeitos do ego sobre a civilização?
2. Mecânica Quântica e a modelagem da simulação
Um argumento
contra a hipótese da simulação é que um computador com tal capacidade de
processamento e renderização da realidade seria impossível. Para além do
argumento de que os computadores atuais certamente seriam impensáveis há 100
anos, existe uma solução mais interessante confirmada pela própria mecânica
quântica – o computador simula unicamente o que ele precisa. Isso é algo que
realmente acontece em games de computadores atuais.
Não seria
necessário para esse supercomputador modelar toda a realidade a um nível que a
simulação fosse indistinguível da realidade. Apenas os elementos observados
precisam ser modelados a um nível de resolução que coincida com as limitações
da nossa observação ou aos nossos instrumentos de medida. Um programa poderia
fazer isso dinamicamente gerando resoluções incrementais de vários componentes
conforme fosse necessário, tal como quando colocamos um objeto em um microscópio.
Talvez a simulação cósmica seja muito menor do que imaginamos.
Isso esclareceria alguns paradoxos da mecânica
quântica como o porquê do estado quântico ser digital, bem diferente da
concepção contínua e analógico do espaço-tempo. Ou ainda o chamado “efeito do observador”
e a noção de “entrelaçamento quântico”.
No paradoxo do
observador, uma partícula subatômica é uma onda de probabilidade onde diversas
realidades ou alternativas coexistem simultaneamente. Somente quando observamos
a partícula ela “decai” (decoerência)
entrando em colapso a função de onda estabelecendo-se as propriedades do
objeto.
Em 2008 o
Instituto de Ótica Quântica e Informação Quântica (IQOQI) em Viena determinou a
uma certeza de 80 ordens de grandeza que a realidade objetiva não existiria por
si só, passando somente a existir quando conscientemente observada.
3. O universo pixelado
Se a simulação
estiver sendo realizada nesse momento por um computador quântico, o universo
não seria contínuo e dotado de uma resolução infinita: ele seria digital e
fundamentalmente composto por informações.
Em 2008 o GEO 600,
detector de ondas gravitacionais em Hannover, Alemanha, captou um sinal anômalo
sugerindo que o espaço-tempo é pixelado. É exatamente o que seria esperado de
um universo “holográfico” onde a realidade 3D é na verdade uma projeção de
informação codificada na superfície dimensional na fronteira do Universo (New Scientist, janeiro de 2009, p. 24).
Vivemos em um
mundo real. Pensamos que aqui não há pixels e que podemos nos mover de uma
forma contínua de um ponto para outro. Não somos seres digitalizados, pensamos:
somos seres analógicos que vivem em um mundo fluido sem a pixelização de uma
tela de computador.
Mas a mecânica
quântica parece comprovar o contrário na alta resolução do mundo das partículas
subatômicas. É como se nos movêssemos tão rápido em um moderno game de
computador que superássemos a capacidade da placa gráfica em renderizar os
cenários: confrontamo-nos com paradoxos, ondas pixeladas, pedaços de quantum
binários sim/não.
Para essa
evidência, a capacidade de resolução de qualquer programa seria análoga à
resolução espacial da nossa realidade simulada, apenas em um nível diferente.
4. Falhas na Matrix
Mas até mesmo
simulações avançadas podem ter falhas, certo? Na clássica trilogia Matrix dos
Wachowski é apresentado um exemplo do déjà vu como uma falha na simulação:
quando algo parece inexplicavelmente familiar, a simulação poderia estar
“pulando”, como em um CD riscado. Matrix sugere que essas falhas poderiam ser também
representadas por insônias e desordens mentais como a esquizofrenia.
Para essa teoria,
elementos sobrenaturais como fantasmas ou milagres também poderiam ser falhas.
As pessoas realmente testemunhariam esses fenômenos devido a erros no código da
simulação.
Mas mesmo para um
supercomputador cósmico, memória, velocidade de modelagem da realidade e a
resolução poderiam ser cruciais. Sem falar na possibilidade de podermos
descobrir a natureza simulada do universo, já que ingressamos na era da
meta-simulação com os games e os diversos mundos simulados oferecidos online na
Internet.
Por isso o
esquecimento e a morte seriam cruciais para a simulação – permitiria a
reinicialização de cada “personagem” da simulação garantido sempre espaço para
novas memórias – religiões chamam isso de “reencarnação”.
Mas, assim como
nos computadores onde os arquivos nunca são deletados completamente do HD
permanecendo rastros por um certo tempo, as memórias passadas podem retornar,
criando déjà vus. Em vida, o sono cumpriria esse papel: o do esquecimento. E a
insônia seria a luta do “personagem” da simulação contra esse recorrente mal
estar.
Além de Matrix, filmes gnósticos como Dark City exploraram esse tema: em um
mundo simulado criado por demiurgos alienígenas, durante o sono dos humanos a
simulação é reparada e as identidades são trocadas mantendo todos em um
perpétuo estado de esquecimento. Até o protagonista despertar no meio de uma
dessas trocas e descobrir uma sinistra realidade.
5. Raios Cósmicos e a grade da simulação
Se estamos vivendo
em um simulador, esperaríamos encontrar evidencias da existência de bordas do universo observável. Pelo menos é o que a equipe de Silas Beane da
Universidade de Bonn procuram encontrar em seu cálculos publicados em um artigo
publicado na arXiv.org – Cornell University Library - "Contraints on the Universe as a Numerical Simulation".
As partículas cósmicas
voam através do Universo, perdem a energia e mudam de direção e se espalham
através de um espectro de valores de energia. Há um limite conhecido para a
quantidade de energia que essas partículas possuem, porém Beane e sua equipe
calcularam que essa queda no espectro de energia é consistente com a ideia de
uma espécie de limite do Universo.
A investigação
sobre a forma de dispersão dessas partículas poderia revelar não somente as
fronteiras da simulação mas também a estrutura da simulação em grade ou “treliça”.
Como a hipótese da simulação afeta nossas vidas
a) Deus é um programador? – Deus é um programador
de óculos debruçado sobre um teclado? Será que o Divino Programador codificou
dentro de nós o desejo de adorá-lo, parte fundamental nas religiões? Certamente
essa concepção digital de Deus aproxima-se da noção de Demiurgo do Gnosticismo
– de um lado quer que o adoremos, mas do outro esconde a verdadeira natureza do
fenômeno religioso: esquecimento da simulação que nos aprisiona.
b) O que há fora da simulação? – mais um ponto
de contato com o Gnosticismo. Há milênios os gnósticos rejeitam esse mundo como
“falso” por ser uma “cópia imperfeita do Pleroma”, a Plenitude que existiria
fora dos limites desse Cosmos. Porém, a hipótese da simulação esquece de um
elemento vital da concepção humana gnóstica: se por um lado temos algo que nos
codifica e aprisiona, por outro temos a “fagulha de Luz”, impulso espiritual
ouviria o chamado lá de fora da simulação.
Algo como o
impulso de Truman em fugir de Seaheaven em Truman
Show ou das entidades sencientes em 13o
Andar que constroem meta-simulações até descobrirem que eles próprios estão
vivendo em uma espécie de cebola cósmica, com diversos mundos simulados
sobrepondo-se.
c) Reinterpretação dos fenômenos espirituais, religiosos e psíquicos – Se aceitarmos a hipótese da simulação, fenômenos espirituais e
religiosos como a crença em um Deus Divino como um bondoso criador e os
fenômenos espirituais como metapsíquicos ou etéreos deverão ser reconsiderados.
Como sintomas de falhas na Matrix poderiam ser rastros de memórias deletadas nos
seguindo, sejam fantasmas, arquétipos ou, na psicanálise, traumas.
Fala-se na
Parapsicologia que fantasmas poderiam ser projeções de certos ambientes
saturados de energia psíquica que dada a certas condições “materializam-se” de
forma efêmera.
O fato é que as
religiões e crenças esotéricas poderiam ser racionalizações codificadas na
simulação para promover o esquecimento, tornando a simulação menos “pesada” em
termos de informações.
d) Não persiga coisa materiais – pode parecer
piegas, mas não fique tão obcecado por dinheiro e riqueza. Em primeiro lugar,
nem mesmo são coisas materiais. Você está vivendo em uma simulação tão irreal
quanto aquele velho jogo de computador de 8 bits do Atari. A obsessão em ganhar
dinheiro nessa simulação seria tão insensato quanto coletar moedas de ouro em
um role-playing game qualquer de computador.