terça-feira, outubro 27, 2015

Mais louco é quem me diz - A exposição de Darcílio Lima, por Claudio Siqueira

Em junho deste ano houve a exposição "Darcílio Lima - Um Universo Fantástico" na Caixa Cultural, no Rio de Janeiro. Cearense de Cascavel, tornou-se um dos principais artistas brasileiros do Movimento Surrealista, mas seu trabalho, assim como de muitos outros nomes do surrealismo mundial, contém influências gnósticas que passam, como sempre, despercebidas do grande público.


Conspiracionistas atestam que os conteúdos gnósticos presentes em obras midiáticas possuem o intuito de inculcar mensagens subliminares nas mentes do grande público; outros que tudo não passa de mera paranoia da parte de quem assim pensa. Outros ainda, que os autores de tais obras não teriam conhecimento real acerca das referências gnósticas presentes em suas obras. Se isso é verdade, ao menos teríamos, talvez, a prova cabal do Inconsciente Coletivo postulado por Carl Jung, posto que os mitos e arquétipos se repetem em obras midiáticas mambembes sem o conhecimento de causa de seus autores.

Certa vez conheci um escultor autodidata, filho de torneiro mecânico, que auxilia o pai em seu ofício e manufatura cinzeiros em forma de animais biomecânicos. Sua obra me pareceu fantástica e comprei um cinzeiro, que tem a forma de um escorpião. Perguntei-lhe se havia estudado alguma coisa de Belas Artes e se conhecia a estética biomecânica desenvolvida pelo pintor e escultor suíço H.R. Giger, bem como o Movimento Surrealista. Embora já soubesse a resposta de antemão, não custava nada perguntar, pois era difícil acreditar que o Inconsciente Coletivo, de forma não arbitrária, escolhera ao redor do mundo seus gênios.

Da mesma forma, Darcílio Lima, cearense e autodidata, passaria invariavelmente pelo escrutínio do preconceito, sendo considerado, sem dúvida alguma, simplório. Mas um olhar mais atento à sua obra, trazida de forma displicente pela fraca curadoria que veiculou a exposição, perceberá que as referências gnósticas não estão ali de forma arbitrária ou mesmo salpicadas por mero acaso.

Mais louco é quem me diz

No ano de 1966, ano do Cavalo de Fogo, conhecido na Astrologia Chinesa por ser um período nefasto e repleto de acontecimentos fatídicos, Darcílio esteve internado na instituição psiquiátrica Casa das Palmeiras, fundada pela psiquiatra e terapeuta Jungiana Nise da Silveira, criadora do Museu de Imagens do Inconsciente. Segundo ele, “o ano em que aceitara completamente sua verdadeira natureza”. O carvão só se torna diamante sob extrema pressão.
Darcílio foi então apadrinhado pelo pintor e designer Ivan Serpa, que o levou para morar em sua residência. Lá, pôde ler sobre determinados assuntos que, não por acaso, se tornaram os seus prediletos: mitologia, misticismo, cosmologia, astrologia, religião, ficção científica e sexualidade. Vamos analisar algumas de suas obras.

Gnosticismo Oculto – Conhecimento ou manifestação do Inconsciente Coletivo?

Figura 1

No figura 1, temos uma reinterpretação do Caduceu de Hermes. Os dois seres reptílicos entrelaçados representam as duas serpentes, Ob e Od, encimados pela síntese de ambas, Aur. Abaixo na figura 2, uma ilustração do Caduceu de Hermes para maior entendimento da comparação.
Na figura 3, embora diversos símbolos místicos estejam nele gravados (assim como em quase toda a sua obra), os mais evidentes são os dos signos zodiacais Áries e Libra; respectivamente, os signos que representam os equinócios da primavera e do outono.  Juntos, ambos formam o chamado Eixo dos Equinócios - figura 6.
Figura 2

A figura 4 mostra uma mulher que em muito poderia representar Lilith, a obscura “primeira mulher de Adão”. Ao lado esquerdo de sua face temos a figura do próprio Adão representando a Árvore do Conhecimento, enroscado pela famigerada Serpente do Éden, ladeado por duas “Evas” e encimado por uma terceira - figura 7.
Figura 3

O Adão e as duas Evas podem muito bem estar representando a carta do tarô O Diabo, enquanto a terceira Eva, de ponta-cabeça, a carta O Enforcado.
A mão direita está situada no canto inferior direito do quadro, ao lado de uma garrafa de Coca-Cola e logo abaixo alguns signos zodiacais. Embora os signos não estejam na ordem correta, os símbolos correspondentes a cada dedo na mão representam perfeitamente as atribuições da Quiromancia, sendo o dedo polegar, Vênus; o indicador, Júpiter; o dedo médio, Saturno; o anelar, Sol e o mínimo, Mercúrio. Abaixo, a almofada carnuda correspondente à Lua e, na palma da mão, o símbolo de Marte, já que, para a quiromancia, há Marte Ascendente (entre o Polegar e o Indicador) e Marte Descendente (entre Mercúrio e a Lua). A representação na palma da mão visa abranger ambos.
Figura 4

               Na figura 5, a figura da deusa egípcia Nuth aparece, de forma sub-reptícia, formada pela gestalt de ambos os braços da mulher de costas.
Na figura 6, entre outras coisas, uma serpente saindo da cabeça decepada da mulher, puxando um crucifixo cravado no peito.  No cristianismo, uma religião patriarcal e consequentemente solar, o Cristo representa o Sol e, não por acaso, o crucifixo está sendo retirado do peito pela serpente, local no corpo onde se situa o chackra do Plexo Solar. A serpente representaria a Kundalini.
Figura 5

Bem abaixo, no canto inferior esquerdo do quadro, uma outra serpente segura um maço de folhas de papel onde há os dizeres: Querida, ainda estou no inferno. Aqui a primavera é uma festa sem fim. Os dizeres fazem pensar que a mulher presente no quadro seria uma representação da deusa grega Perséfone, enquanto a figura masculina reptílica seria o deus Hades.

O mito de Perséfone

Figura 6

Segundo o mito, a deusa havia sido raptada por Hades, imperador do mundo subterrâneo dos mortos, uma versão grega para o Inferno. Deméter, mãe de Perséfone e deusa da agricultura e da fartura, revoltada com a Terra por ter aberto a passagem para os reinos subterrâneos, recusou-se a voltar ao Olimpo, morada dos deuses, e a terra sucumbiu a um período estéril, e portanto infértil.

                Preocupado com a situação em que se encontrava a humanidade, Zeus pede a Hades que liberte Perséfone, mas o deus abissal a faz comer um pedaço de romã. Segundo as regras do submundo, quem comesse qualquer
Figura 7

alimento nessa região ficaria condenado a regressar eternamente.


A partir de então, Perséfone passaria a primavera na companhia de sua mãe, e o outono na companhia de seu esposo Hades. Tendo em vista que aceitou a oferta do deus do submundo, o “fato” leva a crer que gostou da companhia de Hades, o que justifica a sentença “(...) ainda estou no inferno. Aqui a primavera é uma festa sem fim.”
A figura 7 mostra mais uma vez a intimidade de Darcílio com a astrologia. Na roda, situada por detrás da perna da figura feminina, há apenas onze signos, sendo o de Virgem o único não revelado - veja figura 8. A serpente enroscada em sua perna esconde tal signo enquanto lambe a genitália da “moça”. Uma possível alusão à perda da virgindade e ao martírio de Santa Ágata.

Santa Ágata e as pinturas de Darcílio

Figura 8

Vários dos quadros aqui apresentados mostram corpos femininos nus tendo seus seios “martirizados”, por assim dizer, de alguma forma. Essa menção nos remete à lenda de Santa Ágata.
Ágata (ou Águeda) da Sicília foi uma virgem martirizada durante a perseguição de Diocleciano. Após diversas tentativas de estupro por parte do pró-Cônsul Quinciano, este ordenou que ela fosse torturada, tendo seu corpo queimado por ferro em brasa e seus seios arrancados. Segundo a lenda, após sua morte (devido à tortura por brasas) ocorreu um tremor de terra e, um ano após sua morte, o vulcão Etna entrou em erupção; erupção esta que só cessou após os habitantes da Sicília colocarem um véu sobre sua sepultura.
Tendo quase três vezes o tamanho do Vesúvio, o Etna (cujo nome deriva de aitho, queimar violentamente) é presença constante na mitologia grega, sendo um personagem assim como uma estrada o é em um Road Movie. Em três dos relatos míticos um monstro ou criatura beligerante é preso sob suas encostas. O gigante Encélado foi morto e sepultado sob o vulcão após se rebelar contra os deuses do Olimpo, num misto de Prometeu acorrentado à montanha com Adão expulso do Paraíso. Éolo, rei dos ventos (cujo nome deu origem ao termo “eólico”) confinou seus asseclas voláteis e esvoaçantes nas cavernas existentes sob o vulcão. O poeta Ésquilo relata a prisão da serpente Tífon sob o mesmo vulcão, o que acarretou em suas consecutivas erupções.
Chamado de Gibel Utlamat, ou “montanha de fogo”, pelos árabes, o Etna nos remete tanto ao martírio de Santa Ágata quanto à constante lenda de uma serpente admoestada, elucidada no artigo “Tropa de Elite e Guerra ao Terror: o São Jorge do BOPE e um Dragão que nunca existiu”. Atentem para o nome com o qual os árabes chamam a montanha: Gibel Utlamat. O segundo termo remete à Ti´Âmat, a serpente subjugada pelo deus babilônico Marduk.
Segundo a lenda, a cidade natal de Darcílio, Cascavel, tem esse nome porque, sob seu solo, habitaria uma enorme serpente. Sua aparição se deu após a morte de uma senhora de engenho, que, adivinhem por que, foi transformada no animal-entidade. Para aprisioná-la ao solo, foi construída uma torre. A ideia da torre como símbolo fálico admoestando o mal já foi deveras elucidada no artigo supracitado, e as pinturas de Darcílio mostram várias figuras femininas híbridas com figuras reptílicas. Se Darcílio as fez propositalmente, isso mostra que “sabia das coisas”. Se não, é mais uma mostra do que o Inconsciente Coletivo é capaz.

Tecnologia do Blogger.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Bluehost Review