Muitas teorias
conspiratórias veem a candidata Marina Silva como um “instrumento de
Washington”, “a nova direita” etc. Se isso for verdade, não seria tanto pelas
teses neoliberais que seu programa de governo defende. Seu DNA não está em
Washington, mas em Hollywood. Marina Silva se filia a uma lista de personagens
políticos construídos a partir do imaginário coletivo cinematográfico como
Hitler e Mussolini (o cinema mudo), Jânio Quadros (Jacques Tati) e Collor de
Mello (Gordon Gekko de “Wall Street”). É a “canastrice” na propaganda, noção
que a ciência política deveria levar mais à sério: políticos tornam-se
verossímeis quando se reconhecem neles elementos de uma certa mitologia pop ou
cinematográfica. Mas por que eleitores não percebem o artificialismo das performances
exageradas, melodramáticas e esteticamente kitschs, características da
canastrice? Talvez porque um século de Hollywood não apenas tenha afetado nossos
corações e mentes, mas a própria percepção.
Era
1997. Em plena crise de um escândalo sexual envolvendo o então presidente dos
EUA Bill Clinton e uma estagiária da Casa Branca, era lançado o filme Mera Coincidência (Wag The Dog). O Título em português não poderia ter sido mais feliz
pela ironia. No filme, um presidente concorrendo à reeleição nos EUA é
envolvido em um escândalo sexual. Com a ajuda de um produtor de Hollywood e um
relações públicas cria uma guerra fictícia com a Albânia como estratégia de
desvio da atenção.
Um
suposto vídeo documental (na verdade produzido em estúdio como tática
diversionista) é exibido pelas emissoras de TV: vemos uma jovem albanesa
com um gatinho branco nos braços fugindo de terroristas estupradores em meio ao
fogo cruzado de bombas e incêndios. Tudo muito melodramático, over, kitsch, estereotipado e com o appeal
e look semelhante às produções medianas
de Hollywood e “sitcons” do horário nobre. Apesar disso, jornalistas e a
opinião pública mordem a isca do suposto vídeo “vazado” como fosse um vídeo
realista.
"Mera Coincidência", 1997 |
A
cada eleição é sempre necessário assistirmos novamente a esse filme, não apenas
pelo tema da manipulação da opinião pública através da mídia, mas como o filme
nos mostra a canastrice como a própria essência da propaganda política: as
pessoas parecem sempre acreditar em personagens, cenas ou histórias
estereotipadas, mal produzidas e, principalmente, repetitivas e clichês. Assim como as pessoas acreditaram no
personagem da menina-albanesa-indefesa-com-gatinho-no-colo.
Mera Coincidência nos ensinou que a propaganda política é mal
produzida e esteticamente brega, mas, mesmo assim, é crível aos eleitores. Por
que? Talvez alguns subsídios para uma possível resposta estejam no caso Marina
Silva e a forma como a construção da sua personagem aproximou-se dos cânones
hollywoodianos, tornando-os reconhecíveis e, portanto, fazendo a candidata verossímel
para seus eleitores. Na propaganda
política não existe a realidade, mas apenas a verossimilhança.
Marina Silva, Washington, Hollywood
Em reportagem especial sobre
a campanha eleitoral brasileira, o jornal francês L’Humanité Dimanche definiu a candidata Marina Silva como
“instrumento de Washington” e “a nova direita brasileira”. E o episódio da
visita da candidata aos EUA “em busca de novas parcerias”, como afirmou, em plena reta final da
campanha eleitoral apenas reforçou essa teoria conspiratória.
Marina Silva: a "nova direita" com DNA hollywoodiano? |
Mas para esse blog a
evidência de que a candidata seria teleguiada pelos EUA não estaria tanto nas
teses neoliberais que o seu programa de governo defende - Banco Central
independente, recuperação do “tripé econômico” ao custo do sacrifício dos
programas sociais para alcançar metas de superávit primário etc.
Para nós, a principal
evidência estaria no inconfundível DNA hollywoodiano da construção da
personagem Marina Silva: a filha de seringueiros que emergiu da floresta para
salvar a Amazônia (ou a “rainforest”, expressão com a qual os americanos
costumam se referir à florestas tropicais) e, portanto, todo o planeta. A marca
indelével da linguagem midiática da indústria do entretenimento norte-americano
estaria na canastrice da sua personagem, que repete o mesmo padrão de uma certa
mitologia pop.
Canastrice e a Ciência Política
O poder da canastrice é uma
noção que deveria ser levada mais a sério pela ciência política. Walter
Benjamin afirmava que a estetização da política era a principal estratégia do
fascismo: tanto os astros como os ditadores se dirigiram às massas através do
cinema.
Walter Benjamin: astros e ditadores se dirigiram às massas através do cinema |
“A humanidade preparou-se
séculos para Victor Mature e Mickey Rooney”, também disse outro frankfurtiano,
Theodor Adorno, sobre o poder hipnótico dos atores canastrões. Astros do cinema
mudo como Chaplin, Max Linder, O Gordo e o Magro e os Keystone Cops prepararam
o terreno para as performances caricatas dos ditadores do século XX. Exatamente
nesse ponto reside a canastrice na política: certamente Hitler e Mussolini se
inspiraram nas gags visuais dos gênios do cinema mudo. Mais tarde, de forma overact, exagerada, kitsch e artificial (características da canastrice) trouxeram para
a realidade o que viram nas telas. E com trágicas consequências que foram bem
além do entretenimento.
Marina Silva é mais um
exemplar dessa espécie de hiper-populismo baseado na canastrice política, assim
como foi Jânio Quadros (uma versão canastrona de Monsieur Hulot do cineasta
francês Jacques Tati) ou Collor de Mello (a reedição canastrona dos yuppies que
povoaram as telas do cinema nos anos 1980, como o personagem Gordon Gekko do
filme Wall Street, 1987).
A construção de uma personagem
Marina possui o que se chama
physique du role para exercer o papel:
magra, olhos fundos, levemente arqueada, com um xale sobre a cabeça e olhar
vindo de baixo para cima como um contra-plogee no cinema, sugerindo uma
estudada humildade e resignação diante da sua suposta predestinação. A
humildade humana diante dos misteriosos caminhos de Deus...
Marina Silva tem o "physique du role" para o papel |
Ela é a reedição de toda uma
galeria de santos, heróis, salvadores ou sobreviventes enaltecidos pelo
inconsciente coletivo midiático: a foto da menina Sharbat na capa da National Geographic, com uma túnica
cobrindo a cabeça conferindo um ar beatífico de pureza e resistência; a
naturalizada indiana Madre Tereza de Calcutá, beatificada muito tempo antes da
Igreja pela mídia...
É a personagem perfeita,
porque veio da floresta intocada, pura. Mais uma amostra do DNA midiático
norte-americano, chave do novo puritanismo neopentecostal daquele país que
criou um fundamentalismo religioso baseado no pensamento ecologicamente
correto, como pode ser visto em ação no filme O Mistério da Rua 7 (Vanishing
on 7th Street, 2010 – um mix de demônios indígenas, colonização
norte-americana e o ideário místico-ecológico da Teoria Gaia – sobre o filme clique aqui).
Um personagem puro e
intocado não pode se sujar com a “velha política”. Por isso ela deve falar em
“nova política” e que vai formar o governo por um conjunto de “notáveis”, isto
é, aqueles que não foram ainda maculados pela velha política.
Jânio Quadros e Marina Silva: a força da canastrice está no cinema |
Por isso essa nova
canastrice política não dá para ser aplicada em Lula, Dilma ou Aécio. Eles são
muito “hard” para o DNA
hollywoodiano: são produtos do mundo das relações de produção, da política dos
confrontos sangrentos ou dos jogos parlamentares. Ao contrário, Marina é “soft”, uma figura fortemente icônica,
assim como foram Jânio Quadros e Collor de Mello. Tipos físicos perfeitos para
desempenharem o papel criado para eles.
Ao mesmo tempo piadas e
memes nas redes sociais que apresentam comparações de Marina com o personagem
ET do filme homônimo de Spielberg são reveladoras por serem verdadeiros atos
falhos: involuntariamente revelam esse secreto DNA hollywoodiano que comanda
sua canastrice: solitária e melancólica, como se fosse a mensageira de uma
importante mensagem para nós, assim como o foi o pequeno alien do filme.
Canastrice é uma hiper-realidade?
Em postagem passada,
discutíamos os chamados “Sete Dispositivos da Propaganda”, denunciados em 1940
mas ainda ativos no marketing político e publicidade – sobre isso clique aqui.
A questão que levantávamos
naquela oportunidade é a mesma dessa postagem: por que ninguém percebe o
artificialismo e a canastrice de dispositivos retóricos e estéticos
manjadíssimos baseado na imagerie do
pior que o cinema pode produzir? Por que a opinião pública vê a cada eleição a
repetição da canastrice como uma novidade? Por que o reconhecimento de
elementos do imaginário cinematográfico em um candidato torna-o verossímel,
apesar de toda artificialidade e exagero próprios do ator canastrão?
Gordon Gekko deu verossimilhança ao ator canastrão Collor de Mello |
Um século de cultura visual
e do espetáculo fizeram a nossa percepção da realidade ficar invertida. Tomamos
o real não a partir dele mesmo, mas tomando como referencia imagens
anteriormente feitas do próprio real.
Em uma
feira de rua vemos uma linda maçã vermelha, brilhante e suculenta. Tão perfeita
que não nos conformamos de ser real. “Que maçã linda. Parece até de plástico!”
E temos a necessidade de tocá-la para nos certificarmos da sua existência. É a
inversão perceptiva pós-moderna. Não percebemos que é o plástico que imita a
perfeição da natureza, mas invertemos os referenciais: parece que é a maçã real
que imita a sua cópia de plástico. A esta inversão os estudiosos pós-modernos
chamam de hiper-realidade.
O
artificialismo canastrão de Marina Silva é a resultante dessa cultura
audiovisual irradiada para todo o mundo por meio de Hollywood. Vemos fatos
reais e os achamos verossímeis por reconhecermos nele ícones do imaginário
cinematográfico. Marina, Jânio Quadros, Collor de Mello foram encarnações neo-platônicas
do ET, Monsieur Hulot e Gordon Gekko, assim como Chaplin e os Keystone Cops
deram vida a Hitler e Mussolini.
Hollywood
não apenas atingiu nossos corações e mentes: alterou também a nossa percepção.
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