sábado, setembro 06, 2014

Morpheus retorna, mas sem as pílulas vermelha e azul no filme "The Signal"

Premiado nesse ano no festival Sundance de filmes independentes, “The Signal” (2014) escrito e dirigido por William Eubank faz um instigante mix entre a atual onda de insegurança com a fauna digital que habita nossos pesadelos cibernéticos (hackers, worms, bugs, vírus etc.), agência governamentais de espionagem eletrônica e a mitologia gnóstica e platônica de que toda a tecnologia computacional na verdade seria uma gigantesca caverna digital em que viveríamos ignorando a verdadeira natureza da realidade. Laurence Fishburne parece reviver o mítico personagem Morpheus da trilogia “Matrix”, porém sem as pílulas vermelha e azul com as quais oferecia uma oportunidade de escolha. Em “The Signal”, a Verdade será empurrada goela abaixo dos espectadores.Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

Computadores, Internet e todo o mundo dos bytes sempre exerceu sobre seus usuários um misto de fascínio e mistério. Nós, usuários de redes sociais e aplicativos, lidamos muito mais com efeitos de conhecimento do que propriamente com o conhecimento em si: lidamos apenas com interfaces gráficas, sem compreender o intrincado mundo dos códigos fontes, algoritmos e das complexas linhas de programação que faz tudo funcionar. Então, quem os cria (uma fechada casta de nerds, geeks, hackers etc.), passam a ser cercados por uma aura de lendas e mitos. E suas empresas e start ups carregados de uma visão mágica de sucessos instantâneos supostamente iniciados por simples ideias.

 E por sermos meros usuários de um conhecimento que nos chega encapsulado, sem termos acesso à compreensão de como funcionam hardwares e softwares, somos tomados periodicamente pela paranoia: malwares, vírus, bugs, phishing, cavalos de troia, worms e toda fauna digital que habita em nossos pesadelos.

Por isso, também periodicamente o cinema expressa essa sensibilidade social em relação a essas novas tecnologias. O filme independente de ficção científica The Signal (2014), premiado nesse ano no Sundance Film Festival de cinema independente nos EUA, é mais um produto fílmico que expressa essa sensibilidade ambígua em relação ao mundo digital – a história de uma sinistra realidade por trás de um misterioso hacker.


Com uma espécie de mix de um típico episódio da série cult Além da Imaginação (Twillight Zone) com a alegoria da Caverna de Platão, The Signal expressa essa nossa atual sensibilidade em relação às novas tecnologias através de uma narrativa carregada de um simbolismo AstroGnóstico – conjunto de filmes gnósticos que aproximam a jornada humana na Terra com a jornada de aliens errantes – sobre esse conceito clique aqui.

Por isso, The Signal parece confirmar as observações do pesquisador Eric G. Wilson de que a mitologia gnóstica ressurge sempre em momentos quando as distinções entre destino e liberdade, aparência e essência, realidade e ilusão começam a entrar em crise em momentos de rápida transformação ou em quebras de paradigmas tecnológicos.

O Filme


Três estudantes do MIT (Jonas, Nick e Haley) estão cruzando de carro o país para levar Haley a uma escola na Califórnia, uma decisão que envolve uma crise de relacionamento entre Nick e Haley: Nick sofre de uma distrofia muscular em suas pernas, e não quer se transformar em um estorvo na vida de Haley.

Em uma estadia num hotel, conseguem rastrear e localizar o endereço de um hacker chamado Nomad que invadiu a rede do MIT e os insulta constantemente com e-mails estranhos e ameaçadores. Os três estudantes acompanham o sinal de Nomad, que os leva a uma casa abandonada no meio de Nevada. Após entrarem na casa ouvem os gritos de Haley que é puxada para o ar por uma força invisível.

Todos acordarão em um complexo de laboratórios subterrâneos equipados com tecnologia antiquada como gravadores e cassetes, comandados pelo Dr. Damon (Laurence Fishburne). Todos os cientistas e assistentes do complexo usam trajes espaciais igualmente retros e estão ali, segundo o Dr. Damon, como “equipe de transição” para ajuda-los a lidar com alguma espécie de contaminação por terem feito contato com um “EBE” – Entidade Biológica Extraterrestre.

Dr. Damon é um novo Morpheus?


Dirigido e escrito por William Eubank, o filme cria um interessante estado geral de desorientação tanto nos personagens como no espectador. Quem será aquela gente? Uma experiência do governo na Área 51? Imaginação paranoica de geeks do MIT? Por que tudo é tão antiquado naquele complexo? Será que são cientistas isolados do mundo e que enlouqueceram? Que tipo de experiências biológicas fazem ali?

Por isso, The Signal é daqueles filmes difíceis de serem resenhados pelo risco de se cometer um gigantesco spoiler: só nos minutos finais é que o espectador terá a reposta de todas as questões acima. Mas só a presença de Laurence Fishburne (o ator que fez o emblemático Morpheus na trilogia gnóstica Matrix) como o Dr. Damon  nos desperta a suspeita de que há um sabor gnóstico na narrativa.

De fato, o Dr. Damon é uma espécie de reencarnação do personagem Morpheus, porém sem as pílulas azul e vermelha que ofereciam uma possibilidade de escolha ao herói Neo. Ao contrário, em The Signal a nova encarnação de Morpheus empurrará a Verdade goela abaixo dos protagonistas, sem oportunidade de livre-arbítrio.

Todos os elementos do filme gnóstico estão presentes em The Signal: a perda da memória (eles não sabem como pararam ali), a paranoia, um sistema opressor de origem desconhecida, a suspeita de que a realidade é uma mera aparência (delírio, sonho ou algo cenograficamente montado) e, finalmente, a gnose.

Ouvir a voz interior


       Para o diretor Eubank o título “The Signal” (“O Sinal”) tem um duplo sentido: é tanto o sinal enviado pelo hacker Nomad para que fosse achado como também a necessidade de “o ser humano ouvir a sua voz interior” que, nos minutos finais do filme, será determinante para o desfecho.

Assim como no gnosticismo onde a gnose está relacionada com a capacidade de resgatarmos a fagulha de luz dentro de nós que nos conecta coma Plenitude, em The Signal o resgate da memória do amor de Nick por Haley fará literalmente acender o fogo interior do protagonista  que, segundo o diretor em entrevistas, “lhe permitirá sair da caverna alegórica das trevas e ir para fora, para o amplo campo da realidade” (EUBANK, William (June 13, 2014). Interview: William Eubank, Director and Cowriter of ‘The Signal’. Interview with Samantha Wilson. Screen Picks.

Como afirmamos acima, The Signal se insere nas típicas narrativas dos filmes AstroGnósticos: para representar o estranhamento humano em relação ao cosmos em que vive, é apresentada a possibilidade de o ser humano ser a resultante de alguma experiência alienígena. O homem poderia ser um ser híbrido, um mix de DNA humano e extraterrestre.

A Caverna digital de Platão


Dessa forma, o conjunto de filmes AstroGnósticos trazem para o gênero ficção científica essa mitologia do Gnosticismo sobre o hibridismo espiritual da humanidade: fisicamente criada por um deus demiurgo para se manter prisioneira no interior do seu cosmos, porém mantendo dentro de si uma fagulha de luz que secretamente reivindica se conectar com uma Plenitude (o chamado “Pleroma” dos antigos evangelhos apócrifos como os de Nag Hammadi – sobre isso clique aqui).

Ao longo do filme, percebemos diversas citações e alusões a diversos filmes como A Bruxa de Blair (nos estilo do enquadramento dos planos, principalmente na sequência da descoberta da casa do hacker Nomad), ET – O Extraterrestre (pela suspeita de um contato entre aliens e seres humanos), Cidade das Sombras (seria aquele mundo onde os protagonistas estão prisioneiros um grande laboratório onde aliens estudam a alma humana?) e Matrix (na possibilidade de todo o filme ser uma alegoria digital da caverna de Platão), reforçada pela presença de Laurence Fishburne interpretando um personagem que, como Morpheus, parece fazer o papel do Avatar, isto é, aquele que fará a transição entre a ilusão e a Verdade para o protagonista.

O mais interessante em filmes independentes como The Signal é a sua capacidade em fundir elementos da atualidade com uma temática AstroGnóstica – conectar a atual onda de paranoia e suspeita em relação às tecnologias computacionais (vigilância e espionagem de hackers a serviço de governos e agências de inteligência) com a suspeita de vivermos numa gigantesca caverna digital onde a única saída seria buscar dentro de nós aquilo que nos torna excepcionalmente humanos: a luz espiritual.  


Ficha Técnica

Título: The Signal
Diretor: William Eubank
Roteiro: William Eubank, Carlyle Eubank
Produção: Automatik Entertainment, Low Spark Films
Distribuição: Focus Features
Ano: 2014
País: EUA




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