quinta-feira, junho 02, 2022

O filme anti-Elon Musk 'Io - O Último na Terra'


O que há em comum entre Musk, Bezos, Thiel e Zuckerberg? Além da fortuna e dos fundos de investimentos turbinando seus projetos, está o niilismo apocalíptico e a urgência de fugir desse planeta, seja para colônias em Marte ou para Multiversos. Nove em cada dez produções sci-fi atuais está alinhada com a agenda desses super-ricos. E a exceção confirma a regra. Uma das poucas exceções é o filme “Io – O Último na Terra” (Io - Last on Earth, 2019), o filme mais anti-Musk dos últimos tempos. Uma cientista vive solitária na Terra pós-apocalíptica, dominada por uma nuvem tóxica que matou grande parte da humanidade – os sobreviventes migraram para uma estação espacial na lua de Júpiter Io. Seu namorado em Io (ironicamente chamado Elon) tenta convencê-la a embarcar na última nave que partirá da Terra. Porém, entre colmeias de abelhas e obras de arte que pega dos escombros de um museu de Arte Moderna, tenta provar que a vida no planeta é mais resiliente do que imaginamos. E somos os guardiões do renascimento.

Musk, Bezos, Thiel, Zuckerberger... e mais o alto escalão dos fundos de hedge mundiais que estão por trás bancando as mais loucas ciberutopias do Vale do Silício. O que eles querem com tanto poder e riqueza? Tornar o mundo melhor? Fazer da tecnologia um instrumento para alcançar o futuro e o progresso? Não! Os ricos estão planejando nos deixar para trás! Estão mais interessados em estratégias exclusivistas de sobrevivência de um apocalipse que eles próprios estão criando.

Recentemente, Douglas Rashkoff, teórico da mídia e documentarista, foi convidado para um resort privado de superluxo para fazer uma palestra sobre o futuro da tecnologia para cerca de uma centena de banqueiros de investimento. Rashkoff acreditava que eles perguntariam sobre dicas de investimentos no setor. Mas esses super-ricos tinham uma outra agenda: 

Qual região será menos impactada pela próxima crise climática: Nova Zelândia ou Alasca? O Google está realmente construindo para Ray Kurzweil um lar para seu cérebro, e sua consciência sobreviverá à transição ou morrerá e renascerá como uma nova? Por fim, o CEO de uma corretora explicou que estava quase terminando de construir seu próprio sistema de bunker subterrâneo para o apocalipse e perguntou: “Como mantenho a autoridade sobre minha força de segurança após o evento?” – RUSHKOFF, Douglas. “Survival of the Richest” – clique aqui.

“O evento”. Esse era o eufemismo usado por essa elite mundial para designar o colapso ambiental, agitação social, guerra nuclear, apocalipse viral, um hacker ao estilo da série Mr. Robot que derrube o sistema financeiro global ou qualquer outra coisa do gênero. Tanta riqueza não poderia ser investida em um planeta melhor? Negativo! A elite pretende ser cada vez mais exclusiva. Dessa vez, migrando o capitalismo para as estrelas, mundos virtuais ou, quem sabe, paralelos. 

Nove em cada dez filmes sci-fi atuais repercutem essa agenda: o planeta está em extinção e temos que fugir para colônias em Marte, sonos criogênicos em arcas estelares que nos levem para algum exoplaneta distante anos-luz etc. 



Repercute uma agenda pós-humana dos super-ricos da elite tecnológica e financeira que banca projetos como a Space X de Elon Musk, cujo sonho é migrar a elite para Marte e fugir de um planeta moribundo. Bezos também quer migrar para o espaço. Enquanto Zuckerberg pretende migrar o eu digitalizado para o Metaverso. Peter Thiel, mais realista, quer se esconder num complexo de 475 acres na Nova Zelândia – supostamente, a zona do planeta que seria menos atingida numa hecatombe global.

A Netflix é uma plataforma que mais investe em conteúdo de ficção científica. Como não poderia deixar de ser, a esmagadora maioria dos títulos está alinhada a essa agenda escapista popularizada por Elon Musk. Porém, de vez em quando, encontramos alguma produção dissidente.

À primeira vista, Io – O último na Terra (2019), dirigido por Jonathan Helpert, parece mais do mesmo: a Terra transformou-se num planeta tóxico sob uma espessa névoa de amônia e praticamente toda a humanidade foi exterminada. Exceto uma elite de sobreviventes que foi colocada em diversos ônibus espaciais para serem enviados a uma estação espacial distante, orbitando uma das luas de Júpiter chamada Io.



Porém, este é o cenário de fundo para um filme que acompanha uma jovem chamada Sam (Margaret Qualley), filha de um cientista chamado Henry Walden (Danny Huston) que sempre foi um contraponto ao projeto de uma diáspora humana para os confins do Universo: ele sempre acreditou na resiliência e adaptabilidade da vida no planeta – a Natureza sempre daria um jeito para sobreviver e a humanidade deveria aceitar o papel de guardião do planeta.

Io – O Último na Terra é uma curiosa exceção na atual produção sci-fi tão alinhada àquela elite que assustou Douglas Rashkoff em um resort de luxo.

O Filme

Nas primeiras cenas acompanhamos Sam esquipada com um tubo de ar comprimido e uma máscara caminhando entre os escombros de uma cidade envolta numa pesada névoa tóxica. Logo percebemos que ela é uma cientista, buscando sinais de vida que ainda tenta resistir a algum tipo de apocalipse recente.



Logo ela retorna ao seu abrigo rural na altitude (locações no Observatório de Nice, França), livre dos gases que se concentram abaixo das montanhas. Solitária, usando diversos dispositivos científico sob uma rígida rotina de protocolos, observações e anotações, ela gerencia painéis solares, hortas e colônias de abelhas.

Sam mantém conversações com seu amante que partiu para a estação espacial de Io, ironicamente chamado Elon (Tom Payne) – uma pequena referência irônica de um namorado que desesperadamente tenta convencê-la a pegar o último ônibus espacial que partirá da Terra. Mas Sam está apegada à tese do seu pai de que sempre a vida encontra novas maneiras para prosperar.

Todo o complexo é na verdade, uma espécie de depósito onde se acumulam objetos, gadgets e quinquilharias do mundo que já existiu no “antes”. Mas principalmente Sam acumula livros e obras de arte que diariamente recolhe do Museu de Arte Moderna da cidade aos pés da montanha em que vive. 

Sam vive o dilema entre o seu namorado Elon que implora que saia da Terra e as obras de arte que coleciona – para ela, o simbolismo da resiliência humana diante da adversidade.



Em várias passagens melancólicas, que efetivamente estabelecem o alcance de seu isolamento e o mundo específico que ela construiu para si mesma, vemos a vida que ela sustentou, cercada por suas equações e cadernos científicos. 

Anthony Mackie , interpreta um homem chamado Micah, chega em um balão de ar quente. Ele quer conhecer seu famoso pai cientista, cuja voz ouvimos sempre que ela toca suas fitas como uma espécie de mecanismo calmante, ou protocolo. Micah ajuda a reforçar o que o pai de Sam disse a ela – “Não subestime o poder da conexão humana” – e fala caprichosamente sobre o tempo de “Antes”. 



Porém, o tempo corre contra eles: a última nave “Exodus” partirá do planeta dentro de alguns dias, e logo ele decide que a levará em seu balão para o local de lançamento da nave, a qualquer custo. 

Sam a princípio oculta a verdade: seu pai faleceu e ela está sozinha naquele complexo. E para complicar, o vento não muda de direção para permitir a decolagem do balão. Além disso, o gás hélio não é o suficiente e terão que cruzar a cidade fantasma sob a névoa mortal para encontrar mais hélio que permita a decolagem do balão.

Mas a eclosão milagrosa de uma “rainha virgem” entre uma colmeia morta é o sinal de que as teses Henry Walden estavam corretas: um planeta moribundo pode renascer!

O ritmo do filme é glacial (compensado por composições fortes das imagens), uma construção lenta da tensão entre o êxodo da humanidade e uma jovem cientista que se sente como a Eva de um futuro Paraíso que está por vir. Será que Micah poderá ser o seu Adão? 

Io – O Último da Terra é o filme mais anti-Musk dos últimos tempos. Principalmente quando o amante Elon dá a “boa notícia” para Sam: ele foi escolhido para integrar uma nave-colônia que partirá para uma viagem interestelar de dez anos-luz para um exoplaneta. Ou seja, todo o êxodo humano consiste em abandonar a nossa casa de vida renovável por mundos inóspitos, incertos, sacrificando gerações em viagens interestelares inimaginavelmente longas.

Há algo de terrivelmente niilista na atual onda das produções sci-fi alinhadas com a agenda apocalíptica do Vale do Silício e dos fundos de investimentos que a sustentam. No fundo ocultam uma terrível crença de que toda sociedade democrática é má e fadada ao fracasso, como Peter Thiel afirma, inspirado no livro que, segundo ele, mais o impactou aos 20 anos: “The Sovereign Individual: How Survive and Thrive During Collapse of the Walfare State”, de James Davidson e Lord William Ress-Mogg.



  

Ficha Técnica

 

Título: Io – O Último na Terra

Diretor: Jonathan Helpert

Roteiro: Clay Jeter, Charles Spano, Will Basanta

Elenco:  Margaret Qualley, Anthony Mackie, Danny Huston, Tom Payne 

Produção: Mandalay Pictures, Sunset Junction Entertainment

Distribuição: Netflix

Ano: 2019

País: EUA

 

 

Postagens Relacionadas

 

Presunção da catástrofe da mídia cria arma geopolítica da mitologia da mudança climática

 

 

A fronteira final: o neoliberalismo vai ao espaço com Elon Musk

 

 

 

Elon Musk se junta com o horror de Edgar Allan Poe no filme “Oxigênio”

 

 

Metaverso: a aposta transhumana do Grande Reset Global

 

 

Tecnologia do Blogger.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Bluehost Review