quinta-feira, junho 23, 2022

Do Vale do Javari ao cárcere da PF: as estratégias semióticas de ocultamento e blefe do PMiG



Esses últimos quinze dias foram caóticos: os assassinatos de Dom e Bruno no Vale do Javari; o reajuste dos combustíveis e a renúncia do presidente da Petrobrás com a previsível reação “nervosa” dos “mercados”; prisão do ex-ministro do MEC Milton Ribeiro pela PF. Para, no dia seguinte, ser solto por um desembargador do cárcere da PF em São Paulo. Porém, esse aparente frenesi de notícias é apenas superfície. Há um modus operandi semiótico do Partido Militar Golpista (PMiG): o timing do encadeamento dos eventos, dissimulação (ocultamento das operações do PMiG) e simulação (blefes de não-notícias) com o objetivo de sequestrar a pauta da mídia (grande e independente) que sempre anda a reboque dessa central do PMiG, por ação e reação.

Já há algum tempo este Cinegnose vem insistindo na tese de que o golpe militar já ocorreu. Só que não foi televisionado, com toda aquela pompa de um drama histórico: tanques cercando o Congresso, soldados cruzando as ruas na carroçaria de blindados e uma junta militar ao vivo dando a sentença derradeira para a Nação.

Não. O que ocorreu foi um longo solapamento de uma ideia de República minimamente baseada em um consenso entre poderes, instituições de funcionamento do Estado, opinião pública etc. Desde 2014, acompanhamos de ocupação do comando, controle e inteligência do PMiG (Partido Militar Golpista), cuja parte do processo foi a colocação do capitão da reserva Bolsonaro na presidência em 2018. Um projeto do PMiG de constituição não de um governo, mas de um Regime que vê a si próprio não no campo da política, mas num estado de exceção e guerra permanentes.

Porém, ao contrário da ditadura militar clássica que vivia um estado de guerra permanente contra o inimigo interno (o terrorismo de esquerda) com todas as mazelas da censura, perseguição política, tortura etc., nesse novo regime híbrido a política é absorvida por um estado de guerra informacional criando um novo tipo de interação com a sociedade e Estado.

Primeiro, através da ocupação pura e simples da máquina administrativa do Estado por mais de seis mil militares, controlando orçamentos, lobby, controle da base parlamentar no Legislativo, ministérios autarquias etc. Mas não apenas isso: a possibilidade de grampear, espionar e criar dossiês sobre qualquer força de oposição.

 


Segundo: a linguagem da política é substituída pela linguagem da guerra através das armas da dissimulação e simulação (a essência dos manuais militares), a começar pelo principal dispositivo: a própria figura do presidente Bolsonaro, cujo função principal é embaralhar as informações (guerra criptografada) por meio de telecatchs semanais – e o mais recente, entre ele e a Polícia Federal por ter prendido o ex-ministro do MEC, Milton Ribeiro. 

E terceiro: essa guerra semiótica criptografada acaba criando o fenômeno análogo ao da refração da luz: assim como luz, ao penetrar em meios refringentes ou translúcidos tem sua velocidade diminuída criando o efeito ótico de dispersão, também é ocultado o centro de comando e inteligência do PMiG: opinião pública e agentes sociais passam a acreditar tanto no efeito ótico Bolsonaro de refração que passam a julgar que, por exemplo, as instituições estão funcionando e de que tudo está acontecendo no âmbito da política, pelo menos em seus aspectos formais: eleições, parlamento etc.   

É justamente sob esse jogo de dissimulações e simulações é que deve ser analisado os frenéticos acontecimentos desses últimos quinze dias: o assassinato do indigenista Bruno e do jornalista inglês Dom Phillips, o novo reajuste dos combustíveis e a nova crise envolvendo a presidência e Conselho da Petrobrás e a Operação “Acesso Pago” da Polícia Federal que prendeu o ex-ministro Milton Ribeiro. E posterior soltura da carceragem da PF de São Paulo com mandato de soltura emitido por um desembargador. E o delegado do caso protestando contra “interferência política” no caso. O que dá combustível para a criação outra CPI: a “CPI do MEC”.


Mais uma vez, o indefectível Randolfe Rodrigues...


Vídeos e fotos canastríssimos

A repercussão internacional do desaparecimento de Dom e Bruno no Vale do Jari expos perigosamente a primeira característica do modus operandi do novo regime instaurado pelo PMiG: o aparelhamento militar da máquina do Estado. A demora nas buscas do jornalista e do indigenista, as primeiras tímidas ações com equipes munidas de materiais escassos e a recusa em ter a colaboração do conhecimento de campo da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava) foram sintomas.

Depois as afirmações do superintendente regional da PF/AM de que estavam investigando “quadrilhas internacionais no tráfico de drogas”, de quebra ocultando garimpagem e mineração nas terras indígenas e afirmando a agenda militar da “soberania da Amazonia”.

E mais! Uma até mesmo superficial análise semiótica de vídeos e imagens denotam um quê de simulação para satisfazer o distinto público: a foto e vídeos do Amarildo sendo preso por orgulhosos policiais que posam para a câmera, diante da absoluta mistura de indiferença e calma, com olhar fixo para a câmera como se estivesse “dirigido”.

Ou ainda pior! O vídeo da reconstituição do crime com Amarildo e policiais federais numa lancha revelando o local no qual aconteceram os assassinatos é totalmente canastríssimo: (a) ninguém parece estar espontâneo, sempre preocupados com a “atuação” para as câmeras – um dos policiais até sorri diversas vezes de canto dos lábios cinicamente. Depois, os vídeos disponíveis tiveram as imagens dos rostos dos policiais pixeladas;

(b) Amarildo parece estar sempre dirigido pela narrativa ditada pelo policial ao seu lado dita. Na maior parte do tempo, Amarildo diz apenas “sim” ou “não”. Em outros momentos apenas repete o que o policial disse. 

A repercussão na imprensa internacional apontou o aparelhamento tanto da PF quanto da Funai – cujos de comando e coordenação estão ocupados por militares e policiais.

No timing do aumento do espaço na mídia tupiniquim sobre a repercussão midiática internacional, entrou em cena o affair do aumento dos combustíveis. Há meses represados, apenas esperando o timing certo.

Então, acompanhamos o tradicional telecatch de Bolsonaro se dizendo “traído” por um presidente e mais da metade do Conselho da Petrobrás escolhido por ele. 

O caso foi didático ao revelar que o PMiG não está sozinho: faz um consórcio com a agenda neoliberal da grande mídia cujos proprietários são rentistas. 

Para o jornalismo corporativo, o rendimento político-semiótico foi perfeito: (a) o problema nunca foi a paridade de preços internacional, mas um mundo em crise que navega pelos caminhos misteriosos de Deus: guerra na Ucrânia, pandemia etc. (b) a Petrobrás sofre ingerências “políticas” de Bolsonaro. O problema não é a política de preços da estatal, mas um ano eleitoral que favorece o “populismo” – discurso sintonizado com a agenda neoliberal-positivista de depreciação da política e enaltecimento de uma elite técnica.

Grande mídia na PsyOp da simulação da independência da PF


A carta da manga

Com a queda do ibope do telecatch, eis que a própria PF (para definitivamente limpar a sua imagem diante do evidente aparelhamento no caso Dom e Bruno) tira da manga a carta da “Operação Acesso Pago”, relativa ao tráfego de influências e corrupção para a liberação de recursos públicos do MEC para pastores e igrejas neopentecostais. 

Vale lembrar, que tudo começou com áudio vazado para o jornal Folha de São Paulo em março – modus operandi das estratégias de simulação e dissimulação do PMiG. E o timing perfeito da Operação Acesso Pago revelou o porquê do deliberado vazamento para “incriminar” Milton Ribeiro.

Temos os elementos de mais um perfeito telecatch: PF mostra-se como fazendo parte do Estado e não do governo Bolsonaro. De imediato, o chefe do Executivo foi enfático em entrevista à rádio Itatiaia: “Sinal de que estão agindo e que não interfiro na PF”.

Porém, um bom telecatch tem que ser ambíguo, para criar a espiral de interpretações, aumentar a temperatura do atrito e dar pernas mais longas a um não-acontecimento.

No cárcere da PF em São Paulo, Milton Ribeiro recebeu a notícia de que um desembargador do TRF decidiu pela cassação da sua prisão preventiva – não para menos que Ribeiro não embarcou para a PF de Brasília no dia anterior, conforme originalmente determinado.

PF reage indignada em nota dizendo que devido a “decisão superior” o “delegado deixou de ter autonomia investigativa e administrativa para conduzir inquérito Policial deste caso com independência e segurança institucional”.

De aparelhada, agora a PF posa de “independente” e vítima de “ingerências políticas”.

Telecatchs trabalham com esse duplo jogo de dissimulação (ocultamento) e simulação (blefe): primeiro, ocultar a central de comando, controle e inteligência do PMiG que opera por fora da Política. Principalmente através da ilusão de ótica da refração de Bolsonaro; e, segundo, os sucessivos blefes de não-notícias com o objetivo de sequestrar a pauta da mídia (grande e independente) que sempre anda a reboque dessa central do PMiG por ação e reação.

 

 

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