sexta-feira, fevereiro 04, 2022

O frango com farofa e o assassinato de Moïse: guerra semiótica sem fronteiras


Como é possível mostrar a realidade, ao mesmo tempo em que a oculta? O vídeo “vazado” nas redes sociais mostrando os maus modos de Bolsonaro à mesa (ou à bandeja) comendo frango e espalhando farofa (e o seu “bônus track”, o making off do filho Carlos dirigindo a cena bizarra) e as imagens do assassinato cruel do congolês em um quiosque na praia da Barra, RJ, guardam uma perniciosa conexão: a guerra semiótica em um ano eleitoral. A “meta-simulação” do “bônus track” (análoga ao de Biden, denunciando que a Rússia estaria criando um vídeo de simulação de ataque da Ucrânia, antecipando os próprios vídeos falsos americanos) quer apagar os rastros do PMiG (Partido Militar Golpista) na construção do personagem manchuriano Bolsonaro. Enquanto a cobertura midiática do assassinato de Moïses oculta aquilo que pavimenta todo racismo, xenofobia e o domínio do comércio por milicianos: a reforma trabalhista.

O gênio da guerra híbrida (agora não mais made in Departamento de Estados dos EUA, mas articulada pelo PMiG, o Partido Militar Golpista) não é apenas fazer a gestão criptografada das informações, para criar diversionismo e dissuasão, tanto na opinião pública quanto na oposição política. Mas principalmente de ocultar da realidade, mesmo quando ela é mostrada. 

A aceitação da tese da existência do PMiG parte da constatação de que um obscuro deputado federal do baixo clero do Congresso, de repente levado pelos votos à presidência da República, foi um candidato manchuriano - termo designado na Guerra Fria como superespiões programados para matar, ativados mediante um sinal aparentemente prosaico, sem conservar alguma recordação disso. Só que, agora, programado pela inteligência militar tupiniquim – sobre isso, clique aqui.

Apenas com uma diferença: ao invés de programado para matar, entreter, despolitizar e aloprar o cenário político para criar o medo antes de vender a bomba.

Enquanto a guerra híbrida clássica (aquela que culminou no golpe de 2016) era geopolítica, a atual é uma guerra interna: objetiva apagar os rastros das operações do PMiG, enquanto o Estado é ocupado militarmente e os poderes tutelados. Em outras palavras, ocultar que houve um golpe militar híbrido (porque não foi televisionado) e que suas consequências ainda estão em desdobramento.



Temos dois exemplos recentes dessa prestidigitação informacional, nas quais imagens são mostradas. Porém, desviando as atenções do fato de que são apenas sintomas de algo muito maior.

O primeiro foi o “momento Show de Truman” da Live presidencial do início desse ano: sem que o chefe do executivo soubesse que a sua transmissão já estava ao vivo, um “assessor” (podemos perceber na imagem que é um militar de alta patente) orienta Bolsonaro a falar sobre os efeitos colaterais da vacina em crianças – “isso aí é sintoma de miocardite”, orienta. E Bolsonaro pergunta: “Tem certeza?”.



E nessa semana um vídeo curto que passou a circular nas redes sociais: nele vemos Bolsonaro se refastelando com um frango assado durante um passeio em Brasília. Compartilhada pelo ministro das Comunicações, Fabio Faria, o presidente come com as mãos frango assado servido numa bandeja, com farofa espalhada pelo chão e na perna. Revira a comida na bandeja, passa a carne na farofa de um lado para o outro. Como um ator canastrão, olha de soslaio para a câmera, enquanto com uma botina surrada pisa na farofa espalhada pelo chão. Uma lambança que parece acontecer numa dessas barracas de comida de rua.

Logo depois passa também a circular nas redes sociais o, por assim dizer, making off daquela lambança: vemos uma equipe de produção ao redor com o filho Carlos dirigindo a cena e determinando o posicionamento de objetos. Bolsonaro se detém, preocupado com uma ligação da esposa. Parece apressado, ansioso para acabar logo o seu “trabalho”: “tô saindo, hein!”, avisa. 

A reação ao vídeo “vazado” (é incrível como ninguém questiona a intencionalidade dos “vazamentos”...) começa, claro, pela esquerda Pavlov, previsivelmente reativa às provocações do chefe do executivo: “farofeiro popular fake”, “besta que baba e espalha comida”, “sujo”, “porco” e assim por diante. Aqueles que tentam não pensar apenas com o fígado, denunciam a encenação e a armação de tudo – criar uma imagem pretensamente popular, mas que, na verdade, serve para reafirmar a ideia do “presidente raiz” para sua base eleitoral.

Alguns mais atentos falam em “ruído” propositalmente criado pela estratégia de comunicação do presidente para desviar a atenção dos problemas reais do País, num momento de desastres provocados pela chuva e desigualdade social.

Para além da constatação que esse país precisa mais de um encanador do que um presidente, dada a quantidade de “vazamentos” (dos processos do Judiciário para a grande mídia, do Executivo para as redes sociais etc.), o vídeo do presidente saboreando a iguaria com as mãos e o, por assim dizer, making off da lambança fazem parte do conjunto de uma guerra criptografada de informações mais perniciosa do que a farofa espalhada pelo chão.

Em primeiro lugar, o momento Show de Truman da live presidencial e esse novo “vazamento” revelam o presidente Bolsonaro como um personagem canastrão deliberadamente construído: alguém tosco, violento, mal-educado e, num processo de semiose em reductio ad absurdum, um bonapartista que quer dar um golpe de Estado com ajuda de clubes de tiro, policiais militares e federais, tendo à frente Sara Winter, Zé Trovão, o cantor Sérgio Reis e um conjunto de blogueiros mal-intencionados.




Um golpista inspirado nas ideias do “filósofo” Olavo de Carvalho – como vimos em postagem anterior, mitologia criada como álibi para explicar os arroubos totalitários do presidente – clique aqui.

A revelação de um militar de patente orientando a live do presidente foi acidental. Para depois, o making off da falta de modos do presidente tentar naturalizar essa “direção” – voltaremos a esse ponto adiante. 

Em tudo isso está a estratégia semiótica de criar a ficção de um presidente que agiria por si mesmo, com um projeto próprio de tomada de poder, tensionando as relações com um suposto comando das Forças Armadas legalista – simulação da “crise militar”.

Rendimento Semiótico

A criação desse candidato manchuriano, que deve simular diariamente que age por conta própria e cada vez mais isolado politicamente ou abduzido pelo Centrão, é o ponto de partida para um rendimento semiótico que (para relembrar) tem os seguintes desdobramentos de significações:

(a) Bolsonaro e seus manchurianos entertainers (ministra Damares Alves, o ex-secretário da cultura Roberto “Goebbles” Alvim, o ex-ministro das relações exteriores Ernesto Araújo, o ministro da Saúde Marcelo Queiroga et caterva) com seus shows diários de negacionismo, golpismo, anticomunismo criam a suposta existência de uma “ala ideológica” no Governo;

(b) Se existe uma “ala ideológica”, existiria seu oposto no governo: a “técnica”. Que reforça a imagem de uma suposta “tecnicidade” de uma equipe econômica com os pés fincados firmemente no chão da realidade. Na verdade regida pela ortodoxia ideológica do neoliberalismo periférico;

(c) Dessa maneira, a grande mídia blinda o núcleo duro das políticas neoliberais destinadas à periferia geopolítica global - fiscalismo, monetarismo e Estado mínimo).

(d) Quando essa política econômica “dá ruim” (inflação, desemprego, exclusão social etc.) a culpa é da “ala ideológica” cujos arroubos “autoritários e golpistas” deixariam os “mercados nervosos”, afastando os “investidores”. 

(e) Em última instância, esses manchurianos enterteiners reforçam a operação psicológica para desmoralizar a política e os políticos para o distinto público – por exemplo, a CNN joga no ar a seguinte manchete: “Eleições de 2022 afetam dólar no Brasil” (03/01/2022).




Meta simulação

O “making off” do vídeo dos mal modos do chefe do Executivo foi uma simulação de uma outra simulação (nível meta). Primeiro lugar, para diluir o flagra da direção da live presidencial atacando a vacinação infantil. 

Mas também para ocultar as operações psicológicas do PMiG por trás desses “vazamentos”: simplesmente a mídia progressista se deleitou ao ver Carlos Bolsonaro dirigindo o próprio pai.

Ou explicando em outros termos: antes que nos acusem de encenação, vamos mostrar que estamos encenando mesmo!

Algo análogo à estratégia do Governo Biden na false flag da suposta crise entre Rússia e Ucrânia: sem apresentar provas, Biden vem a público denunciar que o governo Russo estaria preparando um vídeo falso de ataque da Ucrânia para simular o início da crise militar, com atores e efeitos especiais.

Antecipando qualquer crítica de que OTAN e EUA podem criar alguma false flag para justificar a intervenção militar, Biden se antecipa. Aliás, para acusar a Rússia de algo que a grande mídia faz diariamente com edições que parecem releases que vieram diretamente do Departamento de Estado – ad infinitum repetem as mesmas imagens de manobras de treinamentos militares do exército russo como fossem manobras massivas de preparação para um ataque ao país vizinho.

Isso sem falar no apoio dos canais de notícias para fabricações de false flags, como o flagrante de uma equipe de produtores e jornalistas da CNN em uma rua de Londres, pega com a mão na massa, fabricando uma manifestação de rua contra o Estado Islâmico, em 2017 – clique aqui.  




Escondam a reforma trabalhista!

Esse princípio da guerra híbrida de ocultar a realidade mesmo quando ela é mostrada também está presente no covarde assassinato do congolês Moïse Kabagambe, no quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, RJ.

As imagens de vídeos de segurança mostrando os três agressores desferindo socos, chutes e golpes com pedaços de pau na vítima até a morte são cruéis e perversas. E repetem-se nos telejornais. A história contada pela grande mídia é que Moïse veio para o Brasil para fugir da guerra e violência em busca de trabalho e oportunidades. E encontrou a morte e... o racismo.

En passant o noticiário descreve, de uma forma genérica, que Moïse trabalhava no quiosque como “diarista” e apareceu para cobrar dias não pagos. Em um ano eleitoral (no qual, nesse em particular, as questões econômicas de trabalho e sobrevivência estão no centro da pauta) o tema potencialmente explosivo das relações trabalhistas nesse trágico episódio tem que ser escondido. Deslocando a estudada indignação para o racismo, porém pelo viés identitarista moldado pela guerra híbrida, desde os tempos de Departamento de Estado dos EUA: como uma questão limitada pelo campo cultural, dos costumes da moral e da ética: racismo estrutural, xenofobia etc. – campo que sempre favoreceu a extrema-direita.

O trabalho de Moïses, sem reconhecimento de direitos trabalhistas (realidade favorecida pela farsa das reformas trabalhistas aprovadas pelo governo do presidente desinterino Michel Temer) cria condições, inclusive, para trabalho em condições análogas a de escravo, trabalho forçado.

Se em condições normais a “livre negociação entre patrão e empregado” é uma farsa (como se Capital e Trabalho estivessem em relações simétricas na economia política), imagina então a situação de um imigrante que encontra oportunidade de “trabalho” junto a comerciantes que se aliam a milícias em um país cujas reformas favorecem esse tipo de exploração do trabalho.

Investigar a raiz de toda essa crueldade e racismo seria sair de um campo que favorece a extrema-direita (afinal, o Plano B da grande mídia se tudo der errado) para dar pauta ao campo de esquerda – principalmente quando Lula se posicionou favorável à revogação da reforma trabalhista.

 Portanto, o vídeo “vazado” (e seu “bônus track”, o making off) da lambança presidencial e as chocantes imagens do assassinato de Moïse guardam uma perversa conexão: representam flagrantes de uma guerra semiótica sem fronteiras.

 

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