segunda-feira, maio 11, 2020

O churrasco da morte e o jet ski: os abismos superficiais da guerra criptografada


E o show não pode parar. O “Churrasco da Morte” foi cancelado. Mas Bolsonaro não se deu por vencido: passeou de jet ski para ver imitações do churrasco que não houve, dessa vez nos luxuosos barcos no Lago Paranoá, Brasília. Mas o Congresso decretou Luto Oficial pelos dez mil mortos na crise da pandemia. Pronto! Nova polarização para entreter o respeitável público: indiferença presidencial X luto respeitoso do Congresso. Analistas políticos gastam tempo de TV e bytes na Internet para tentarem fazer uma análise hermenêutica nas falas do presidente. Mas o seu discurso é um fenômeno pós-moderno da direita alternativa, aquilo que o pensador Jean Baudrillard chamava de “abismos superficiais” – os simulacros políticos, sem nenhuma essência, sentido ou significado.  Não ser como guerra semiótica criptografada que inventa polarizações para impedir a verdadeira crise que porventura possa emergir: a queda das máscaras dos atores que encenam esse telecatch diário. Revelando que todos fazem parte do mesmo consórcio político-midiático-judicial que ampliou a letalidade do COVID-19 como consequência do apoio canino às reformas neoliberais de austeridade fiscal e uberização da sociedade. A grande mídia tenta esconder isso com a retórica do apoio à “Ciência” em outra polaridade simulada contra os “Negacionistas”.

Perplexa, a analista de política Natuza Nery, de sua casa em uma live para o canal Globo News desabafou: “eu tentei interpretar o discurso de Bolsonaro, mas desisti... ele parece ser imprevisível...
Bolsonaro aprendeu rápido o modus operandi a chamada direita alternativa (“alt-right”): criar pistas falsas; fazer discursos voltados não para interlocutores, mas para arregimentar seu núcleo duro de apoiadores; tomar para a si a pauta midiática; alcançar os trend topics, seja através de uma hashtag positiva ou negativa, pouco importa.
O desabafo da analista global é pura e tão somente um “alívio cômico” no hercúleo trabalho de análise hermenêutica diária do jornalismo corporativo: encontrar nas falas do capitão da reserva dublê de presidente alguma profundidade, um sentido, um propósito, algum indicador dos movimentos políticos nos bastidores. 
Mesmo analistas da blogosfera progressista tentam até mesmo achar no discurso presidencial alguma recorrência histórica: o “segredo do audacioso”, como se refere o articulista André Motta Araújo (clique aqui) – tenta localizar em Bolsonaro o “gosto pelo risco”, a “alma do jogador”, historicamente presente em líderes como Napoleão ou Hitler. Com sagacidade e estratégia forçam os limites do establishment ao perceber a não reação dos oponentes. Seja por covardia ou comodismo. Afinal, os oponentes têm muito a perder, enquanto o audacioso, nada!
Mas sagacidade ou audácia para quê? Afinal, Hitler tinha o seu projeto messiânico do Reich de mil anos e outras distopias que emergiam do ocultismo Nazi.



Muito diferente de Bolsonaro. Ele, seu clã e apaniguados vieram do baixo clero da Política, pequenos escroques que atravessaram décadas com esquemas de “rachadinhas” e enriquecimento através da economia informal das milícias. Enquanto açodavam o ressentimento do baixo oficialato do Exército e polícias militares. Afinal, não foi por isso que Bolsonaro foi expulso do Exército?
Coube ao destino que de repente o transformou no homem certo, no lugar certo e na hora certa do xadrez da guerra híbrida articulada pela geopolítica do Deep State norte-americano contra um país que ousava empinar o nariz no tabuleiro geoeconômico.

Eles tentam encontrar profundidade no abismo superficial...

Abismos superficiais

É inglório o esforço dos analistas em tentar encontrar no discurso do capitão da reserva algum indício ou signo que represente algum movimento secreto dos bastidores, alguma intenção estratégica, algum tipo de aparência que poderia ser quebrada por uma análise hermenêutica. 
Bolsonaro está naquele campo que o pensador francês Jean Baudrillard chamava de “abismos superficiais” – signos sem essências, simulacros políticos que simulam conflitos, polarizações. Uma estratégia de simulação, isto sim, sintomática, significativa: os simulacros surgem em cenários políticos de paz dos cemitérios: o verdadeiro debate político-ideológico desaparece quando a oposição é enquadrada ou neutralizada. Restando o consenso de um consórcio firmado entre a política, grande mídia e judiciário. Por isso, a necessidade de simular “debates”, “escândalos” e “crises” num cenário no qual as diferenças ideológicas cessaram.  
A crise imposta pela pandemia do novo coronavírus e a escalada da tragédia sanitária no País de uma hora para outra colocou em ameaça o consórcio político-midiático-judicial: de um polo ao outro (do presidente à grande mídia, do Congresso aos governadores) todos partilham do mesmo modelo de Estado, Economia e Sociedade – desde o impeachment de 2016, esse consórcio conquistou o Estado e colocou em ação a agenda neoliberal mobilizada pela guerra híbrida desde 2013.
Esses simulacros sem profundidades gerados diariamente pelo “malvado favorito” Bolsonaro (o “churrasco da morte”, o passeio de jet ski etc.) servem para ocultar a secreta aliança desse consórcio (e, mais profundo, a eminência parda do sistema financeiro credor do Estado e da Sociedade) e entreter a opinião pública com o show de reviravoltas, desmentidos, acusações, moções de repúdio e indignações controladas das lideranças das casas do Congresso.
Se não, vejamos. 


Indiferença X luto respeitoso

Nesse momento, comentaristas políticos expressam sua perplexidade com o passeio de jet ski de Bolsonaro no Lago Paranoá em Brasília, no mesmo dia em que o número de mortos no País chegava a dez mil. 
“O país vive uma neurose!”, reclamou o mandatário para uma feliz tripulação de um iate que fazia um churrasco no convés e oferecia a iguaria para o presidente.
Enquanto isso, o presidente do Senado Davi Alcolumbre e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, decretavam luto oficial pelas mortes com as câmeras de TV enquadrando dramaticamente as bandeiras a meio pau em frente ao Congresso Nacional. 
Mais um show midiático criptografado: a mídia corporativa elogia a “atitude respeitosa de luto” do Congresso, enquanto condenam o “boicote” e “frieza” do presidente que, no mesmo dia, pretendia fazer um churrasco – até às vésperas falava até em mais de mil convidados...
Outra polarização ou telecatch ao gosto de Bolsonaro e do seu estoico núcleo duro de alucinados adoradores do Mito: indiferença presidencial X luto respeitoso do Congresso. Uma polarização simulada que atende a três funções bem claras:
(a) Elevar o moral do núcleo xiita de apoiadores, abalada pela demissão de Super Sérgio Moro, o homem que prendeu o facínora Lula;
(b) Monopolizar o “debate” político entre “direita” e “extrema-direita” (polaridade simulada), jogando oposição e esquerda para escanteio;
(c) Ocultar que Bolsonaro, Alcolumbre e Maia sempre estiveram alinhados na implementação das políticas de austeridade fiscal e pulverização dos direitos trabalhistas e uberização da sociedade – a raiz sócio-econômica da letalidade brasileira do COVID-19.


Grande Mídia e a mitologia da Ciência

Pelo mesmo motivo, o jornalismo corporativo faz parte desse jogo de cena ao forçar seus analistas a tentarem fazer forçadas análises hermenêuticas no “abismo superficial” dessa lógica semiótica criptografada. 
Claro! O jornalismo corporativo se interessa em alimentar essa simulação para esconder sua defesa canina da brutal agenda neoliberal nos últimos anos, cujos resultados dramáticos estão nas estatísticas de mortos.
Por isso, joga as luzes da ribalta a outra polarização simulada: Negacionismo X Ciência. A retórica midiática fala em “guerra” da Ciência contra o vírus mortal. Comemora os “heróis da linha de frente”: médicos, enfermeiros, pesquisadores e... cientistas. 
De repente, a grande mídia ficou obcecada em Ciência – há momentos em que telejornais fazem esse humilde blogueiro lembrar daquelas velhas aulas televisivas do “Telecurso Segundo Grau” ou de algum documentário da TV Cultura. 
Na verdade, diariamente jornalistas e analistas estão invertendo as relações de causalidade: um vírus mortal, um perigo invisível que não escolhe rico ou pobre, é o nosso inimigo contra o qual temos que nos unir. 
Ora, esse exercício retórico quer esconder o inverso: não é o COVID-19 que mata, é a política de austeridade fiscal apoiada pela mídia monopolista que sucateou a rede pública de saúde e a uberização que põe desesperados nas ruas nas filas da Caixa Econômica ou obrigados a continuarem a fazer os “corre”, arriscando a vida. 

COVID-19 escolhe suas vítimas: dos hospitais da elite para os hospitais públicos sucateados

Nas primeiras semanas, quando a elite brasileira importou o vírus, ouvíamos falar apenas de hospitais como Albert Einstein e Sírio Libanês – excelências em saúde para as classes altas. Hoje, vemos apenas nomes de hospitais públicos às voltas com pacientes morrendo à espera de UTI, falta de respiradores, além de leitos e UTIs de hospitais federais vazios porque faltam médicos e enfermeiros.
E os sinistros hospitais de campanha, paliativo para o desmonte do SUS. 
O COVID-19 escolhe, sim, quem vai matar: aqueles que se tornaram mais vulneráveis pelas chamadas “reformas”: os pobres.
mitologia (sobre esse conceito clique aqui) da Ciência, agora desfraldada pela grande mídia, é o discurso biopolítico para criar uma neutralidade despolitizada dos efeitos de uma pandemia, obviamente filtrada pelas mazelas sociais da luta de classes.
A crise econômica e social do novo coronavírus está apenas acelerando uma crise anunciada da implementação violenta da agenda neoliberal. De resto, uma crise que apenas beneficia a banca financeira – sempre coloca Estado e Sociedade contra a parede, exigindo ainda mais injeções dinheiro público na veia sob a chantagem do fantasma da crise sistêmica dos meios de pagamentos.
Mas o verdadeiro problema seria porventura a crise política com a queda das máscaras dos atores que encenam a tragédia teatral da polarização – Bolsonaro, Alcolumbre, Maia, Doria Jr., Witzel, jornalismo corporativo et caterva
A descoberta de que todos esses atores atuando como zumbis no piloto automático, em última instância, estão do mesmo lado. Isto é, contra a sociedade.  


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