sábado, dezembro 29, 2018

Esquerda desarmada diante das operações psicológicas "alt-right"

Fotos de Bolsonaro e do futuro ministro da Casa Civi, Onix Lorenzoni, cuja angulação e recorte sugerem ao fundo expressões como “anta” ou “traição governa”; vídeo do capitão reformado lavando roupas no tanque; outro vídeo do presidente eleito com a faca na mão em um churrasco debochando do próprio atentado que sofreu. Tudo material distribuído pela assessoria do presidente, pautando a grande mídia e a indignação da esquerda, como matéria-prima para os protestos que acabam virando apenas “metamemes”. Continua em ação uma estratégia muito mais de comunicação do que de propaganda. Uma operação psicológica baseada nos mecanismos de dissonância e ambiguidade diante da qual a esquerda está paralisada e desarmada, incapaz de compreender a linguagem “alt-right”, a ultradireita alternativa, surgida diretamente de sites como o “4chan” (EUA) ou do “Corrupção Brasileira Memes”(CBM, Brasil).  Uma linguagem cuja mão de obra criadora é farta: a geração NEET (Not currently engaged in Employment, Education or Training) ou “Nem-Nem”, cuja desesperança e niilismo ganharam expressão política depois de anos de animações politicamente incorretas como Os Simpsons, Beavis and Butt-head, South Park, American Dad e o Rei do Pedaço.

“Por que a ultradireita está ganhando espaço no mundo todo? Porque são metódicos, são militares, têm disciplina. Por que nós da esquerda somos todos fodidos? Porque é todo mundo desorganizado, tudo muito ‘hare hare’ demais”. 
(Sabrina Bittencourt, ativista por trás das denúncias do guru Prem Baba e do médium João de Deus, Carta Capital, 26/12/2018)

Desde que o ator britânico Hugh Grant foi flagrado pela polícia, na famosa Sunset Boulevard, fazendo sexo oral em plena luz do dia com uma prostituta chamada Divine Brown, em uma BMW branca conversível, a gestão de Relações Públicas de crise e de imagem não foi mais a mesma.
Em 1995, Grant estava em Hollywood (graças ao sucesso do filme anterior Quatro Casamentos e um Funeral) para atuar em uma comédia piegas romântica chamada Nove Meses, com Julianne Moore. E a sua famosa foto da ficha policial com ombros retraídos, sorriso tímido e óculos casualmente pendurados na gola da camisa polo foi a “redenção divina” (desculpe o trocadilho...) para Grant em Hollywood – sem arranhão posterior na carreira, criou uma dissonância politicamente incorreta: o britânico fleumático e tímido, ator de comédias românticas, preso por atos obscenos em local público.
A alta audiência do pedido de desculpas ao vivo na TV feito no talk showde Jay Leno, fez o programa ultrapassar o “Late Show With David Latterman”, virando o principal atração do gênero nos EUA; a fama do escândalo fez Divine Brown ficar rica e comprar uma mansão em Beverly Hills; e até a então esposa de Hugh Grant, Elizabeth Hurley, virar estrela de cinema, separando-se do ator só em 2000.
Evento proposital ou involuntário, mas a verdade é que a foto do tímido galã britânico fichado pela polícia ao lado da foto de uma prostituta teve dois elementos repercussivos, muito mais do que o escândalo em si: ambiguidadedissonância.
1995: ainda a tática de ambiguidade e dissonância estava restrito ao Marketing e Relações Públicas

Armas semióticas

Mas isso foi em tempos em que estratégias de Relações Públicas como essas se limitavam ao chamado “marketing de guerrilha” de marcas como Benetton ou táticas do “falem bem, falem mal, mas falem de mim” que impulsionavam carreiras de atores e artistas pop.
Hoje fazem parte do arsenal das armas semióticas das guerras híbridas colocado em prática nas diversas “primaveras” do Leste Europeu, Oriente Médio e Brasil, a partir de 2013. O paradoxal é que a tática de criação de ambiguidades e dissonância não é propriamente uma estratégia de propaganda.
Como afirma o antropólogo Piero Leiner, professor da Universidade Federal de São Carlos/SP e estudioso das estratégias militares, “é muito mais uma estratégia de criptografia e controle de categorias, através de um conjunto de informações dissonantes" – clique aqui.
Desde o início, a campanha de Bolsonaro à presidência foi considerada tosca e amadora, com recursos escassos, uma estética pobre do material de divulgação e dona de um discurso limítrofe, incapaz de articular três frases sem um erro de concordância. 
Nunca foi uma campanha clássica de propaganda – sob a aparência de cacos de conceitos ideológicos (meritocracia, Estado Mínimo, menos imposto, etc.), a parte da comunicação se resumiu a memes, vlogs, a ridicularização de qualquer um que se opunha, e uma postura geral “ensaboada” – provocar, xingar e sair correndo. 
Mas, principalmente, provocações que causavam dissonâncias, confundiam a opinião pública e pareciam descoordenados, fazendo os opositores (principalmente a esquerda) reagirem como estivesse diante de uma turba de fascistas hidrófobos, alucinados e cheios de ódio. Mas são disciplinados, cuja tática está fundamentada nas operações psicológicas das estratégias militares da Guerra Híbrida.

Loucos do "Brasil Profundo" ou organizada Operação Psicológica?

“Caneladas” e expressões subliminares

Um exemplo foram as famosas “caneladas” a qual Bolsonaro se referia sobre as supostas divergências de opinião entre ele e as figuras de comando da campanha – p. ex., divergências sobre a questão do 13o salário e a CPMF com o vice General Mourão e o economista Paulo Guedes. Resultado: uma blitzkrieg de ocupação da pauta da grande mídia e da “secada” da esquerda contra seu rival. Enquanto isso, o também suposto programa de governo do candidato era colocado entre parêntesis no debate.
Após a vitória eleitoral e nesse momento de governo de transição, ainda continua a todo vapor a criação de dissonâncias e ambiguidades com o propósito de gerar uma verdadeira cortina de fumaça para a opinião pública.
É o caso das fotos divulgadas pela assessoria de comunicação do futuro governo, feitas durante as reuniões do governo de transição, que criaram mensagens inusitadas que dão margem a duplo sentido. Em pelo menos três imagens, o termo “transição governamental” inscrito no cenário de fundo ganhou novas configurações em fotos com as presenças de Bolsonaro e do futuro ministro da Casa Civil, Onix Lorenzoni (DEM-RS).
O recorte das fotos sugere a palavra “anta” atrás de Bolsonaro; e atrás de Onix, surge “transão” e “traição governa”. Tudo por conta do ângulo tomado pela lente e pelo recorte do plano. O detalhe é que as fotos foram feitas pela própria equipe do governo, em ambiente em que a imprensa não tem acesso.
Imagens que fizeram a delícia da oposição e viralizaram nas redes sociais. Um fotógrafo espera uma carreira inteira para clicar imagens com poder simbólico como essas... Mas a assessoria de comunicação consegue divulgar no atacado fotos que nada mais que ilustram as próprias críticas da oposição: subliminarmente, um fotógrafo denuncia um governo promíscuo, traiçoeiro e liderado por uma anta...
Uma variação dessa estratégia foi a divulgação de um vídeo do “mito” lavando roupa suja no tanque no Natal em Marambaia, RJ. 
Ou ainda o vídeo (também divulgado pela assessoria do presidente) em que Bolsonaro, com uma faca na mão em um churrasco, brincando aponta para um dos atendentes e debocha: "Olha aqui. Se eu fizer um corte desse aqui em você, você vai ser presidente da ONU”, disse Bolsonaro aos risos em meio às gargalhadas dos apoiadores ao redor. Provocativamente, o capitão da reserva faz escárnio do próprio atentado que o catapultou à presidência.


Alimentando o inimigo

É como se a estratégia de comunicação do clã Bolsonaro fosse alimentar continuamente a oposição com matéria-prima para memes (como por exemplo, a apropriação da foto de Marambaia em tom laranja para ironizar o Caso Queiroz que “tinge de laranja a posse da presidência”) e para o wishful thinking das esquerdas sobre supostas fissuras internas na equipe do governo ou auto sabotagem subliminar de profissionais na assessoria do presidente.
Dessa forma, o clã Bolsonaro alimenta não só a pauta da grande mídia como também a própria oposição – provoca, ao que a esquerda responde se apropriando das imagens e audiovisuais, para criar metamemes.
O fato é que a esquerda parece desarmada ou incapaz de lidar com essa estratégia, muito mais de comunicação do que de propaganda – um tipo de linguagem que se tornou a vanguarda da chamada “Alt-right”, a direita alternativa nos EUA, iniciada no site 4chan. Uma estratégia alimentada por aquilo que o escritor que quadrinhos americanos Dale Beran chama de “ideologia da desesperança” – clique aqui.
E no Brasil, a misteriosa aquisição do site Corrupção Brasileira Memes (CBM) pelo Movimento Brasil Livre (MBL), para, como nos EUA como 4chan, criar um discurso de alopração generalizada, niilista, que integra também a nova direita brasileira.
Dale Beran: de onde veio a "alt-right"?

Nova direita e a geração “Nem-nem”

Para Dale Beran, o 4chan, de comunidade on-line nerd para compartilhamento de animes, videogames e HQs, nos últimos anos tornou-se a usina do discurso da vanguarda da ultradireita – o inventor dos memes como usamos hoje e o próprio método de intercalar gifs e imagens com diálogos em aplicativos de mensagens. O chamado estilo “4chaniano” marcou profundamente comportamentos e interações.
Para Beran, há um quê de “Senhor das Moscas” (livro de William Golding, de 1954) nos valores dessa ultradireita “4chaniana” – uma sociedade anárquica e agressiva de adolescentes, ou pelo menos de adultos com mentes de garotos: “jovens adultos”. “Um tipo de bandeira de livre expressão libertária, em que meninos-homens isolados afirmavam seu direito de fazer ou dizer o que quer que fosse, desprezando sentimentos alheios”, afirma Beran.
Dessa forma, postar suásticas, pornografias, xingamentos raciais e demais conteúdos perniciosos para outras pessoas e organizar “raids” (ataques surpresa em sites, fóruns e salas de bate papo) é apenas “for the lulz”, zoeira niilista e desesperançada.


O combustível (ou a mão de obra) da ultradireita está na chamada geração NEET (Not currently engaged in Employment, Education or Training) – jovens sem emprego, estágio ou que simplesmente não estudam. Um preocupante e crescente fenômeno social que aqui no Brasil chamam-se os “nem-nem”, que já compõe um quarto da população de jovens na faixa de 15 a 29 anos.
Sites como o 4chan viram uma espécie de Clube da Luta– filme de David Fincher de 1999 sobre homens que recobram sua virilidade por meio da violência depois de terem sido aviltados pela cultura corporativa moderna. E para os “jovens” nem-nem da ultradireita, o inimigo a ser “zoado” (o culpado pelas sua condição de “impotência”) é a cultura politicamente correta globalista – feministas, ONU, ativistas de esquerda, ecologistas, coletivos de defesa dos direitos de minorias etc.
Seja Trump nos EUA ou Bolsonaro no Brasil, seus eleitores não foram atraídos por promessas, mas por uma total desesperança. Bolsonaro presidente?... for the lulz! Rsrsrsrsrs...
E daí se o ângulo da foto do novo presidente figura a palavra “anta” ao fundo? Como afirma Paulo Nogueira Batista Jr. em seu artigo “Falsos Idiotas” (clique aqui), Bolsonaro mostra traços de genialidade ao comportar-se como um perfeito idiota. A simulação da idiotice cai como uma luva na rede de valores niilistas dos desesperançados da geração nem-nem.
Anos de humor e sarcasmo niilista de Os Simpsons, Beavis and Butt-head, South Park, American Dad e o Rei do Pedaço encontraram a tradução política com o alt-right americano e brasileiro.
Agora, só nos resta apertar os cintos enquanto a esquerda está paralisada e em choque. Até entender o que significa abandonar o seu discurso confortável de “luta e resistência” para descer no mesmo campo semiótico onde a ultradireita ganha por WO. 

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