sexta-feira, janeiro 20, 2023
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A Era “Crepúsculo” acabou dominando o mercado dos vampiros que caminham durante o dia na primeira década desse século. O que deixou a produção australiana "2019 - O Ano da Extinção" (Daybreakers”, 2009) em busca de um público. Acabando esquecida com o passar dos anos. É um filme extremamente subestimado no qual os vampiros passam para o campo sci-fi – um futuro em que eles estão no controle do mundo. Na maioria das narrativas vampiros são seres que se escondem nas trevas e têm vidas secretas. Mas nesse filme tudo se inverte: são os humanos que escondem sua humanidade numa sociedade em que foram transformados em rebanho para colheita de sangue, algo parecido com “Matrix”. Vampiros, assim como zumbis, são fascinantes porque lembram para nós a própria condição gnóstica humana: nem a morte é suficiente para escaparmos desse mundo. Mas em “Daybreakers’ eles passam para o outro lado: são entidades inteligentes e demiúrgicas que controlam os humanos.
sábado, abril 16, 2022
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Schopenhauer acreditava que num mundo sem sentido, a vontade seria a fonte de todo sofrimento. Nietzsche não concordava: “não há vida fora da vontade”, acreditava o filósofo. Nem que seja para ter vontade do nada quando não há nada mais para querer. O filme australiano “Nitram” (2021), do cineasta Justin Kurzel, confirma essa tese de Nietzsche ao fazer uma perturbadora radiografia do atirador em massa do trágico episódio conhecido como “massacre de Port Arthur”, na Austrália, em 1996. Kurzel revisita todas as teses mais batidas em filmes e documentários sobre atiradores em massa (bullying, a “criança diabólica”, pais insensíveis etc.) para se concentrar na responsabilidade das instituições, legislações e nos “efeitos copycat” desencadeados pela cobertura midiática sensacionalista. As formas como a sociedade pode desencadear mecanismos que canalizem a “vontade do nada” presente na doença humana.
“O homem preferirá ainda a vontade do nada ao nada de vontade”
(Friedrich Nietzsche, “Genealogia da Moral”)
Nietzsche considerava o homem um animal doente. E a sua doença é perceber que o mundo não tem sentido. E o ascetismo é uma tentativa de cura. O ideal ascético (humildade, pobreza e castidade) é uma tentativa de o sofredor manter-se vivo, criando um sentido para a existência através do próprio sofrimento.
Com isso, Nietzsche queria dar uma resposta a Schopenhauer em seu “Mundo como Vontade e Representação:” para o filósofo, o ascetismo seria uma forma de tentar anular a vontade que, ao final, seria a fonte de todo o sofrimento numa existência sem sentido.
Porém Nietzsche discordava: a vontade pelo nada pode ser o último lugar para onde se queira apontar, a última salvação. Para Nietzsche, não há vida fora da vontade: é possível querer o nada, mas é impossível deixar de querer.
O ascetismo pode ser uma faca de dois gumes: a solidão pode dar o poder de se concentrar, “onde os espíritos fortes, os homens cultos, precisam se isolar”. Mas também a vida ascética pode ser dominada pelo ressentimento – o desejo de dominar a própria vontade pode se revoltar na repressão fisiológica, autoflagelo e autossacrifício, pode resultar na destruição da própria existência como o último objeto da vontade.
O filme australiano Nitram (2021), do cineasta Justin Kurzel (Snowtown), faz lembrar essas reflexões nietzschianas sobre a vontade e o nada. Kurzel retorna ao subgênero dos filmes sobre atiradores em massa com uma inquietante dissecação dos motivos que levaram Martin Bryant a cometer uma onde de assassinatos, conhecidos como o Massacre de Port Arthur, Austrália, 1996.
O massacre, no qual morreram 35 pessoas e mais 23 feridas, ocorreu principalmente na antiga colônia penal de Port Arthur, que foi recuperado e se tornou uma local turístico popular no sudoeste da Tasmânia – o único caso de atirador na história do país.
Em quase duas horas de duração, Kurzel revisita todos os tropos dos filmes e documentários sobre atiradores em massa como Elephant (Guz Van Sant) e Precisamos Falar Sobre Kevin (Lynne Ramsay), tornando o roteiro de Shaun Grant uma narrativa autoconsciente.
Para começar, o nome do atirador nunca é mencionado no filme, apenas o seu apelido, refletindo a abordagem atual que visa evitar a notoriedade aos agressores. Ao longo do filme vai revisitando todas as teses clássicas: Nitram queria comprar uma prancha de surf e a mãe o desencorajou de forma ambígua: “eu te amo, mas surfar não é para você”. Será que isso teria um significado especial? Assim como, se Hitler fosse admitido na escola de arte, não ocorreria a Segunda Guerra Mundial?
Há a questão dos problemas psiquiátricos: Nitram tomava antidepressivos – a doença mental poderia ser uma justificativa? Uma pária menosprezado vítima de bullying? Ou a ideia de que, desde tenra idade, era uma “criança demoníaca” – a ideia do Mal sugerida pelo filme do diretor Lynne Ramsay.
Kurzel atravessa todas essas possibilidades, de forma cerebral e autoconsciente, sem tomar partido. Porém, o diretor destaca a questão da violência em si, como o único objetivo ou sentido que restou ao protagonista. Como fica claro na sequência em que seu pai está deitado no sofá em um estupor depressivo, após um negócio malsucedido. Nitram ataca violentamente seu pai com tapas e socos. Quando a mãe lhe pergunta por que fez isso, ele responde de forma enigmática: “Isso é o que você deveria fazer... Então, é isso que você faz”.
Nitram é um estudo arrepiante desse tipo de mentalidade simplista que vê a violência como uma maneira de desencadear algum tipo de resposta. Por isso, o estudo de Kurzel lembra o diagnóstico nietzschiano: de repente a vontade do nada através da violência pode conceder sentido a uma existência sem sentido.
O Filme
Na primeira sequência vemos o menino Bryant, na ala de queimado de um hospital, sendo indagado se aprendeu a lição sobre brincar com fogos de artifício. “Sim... mas ainda continuo brincando com eles”, responde o menino. É um toque inteligente, porque, desde o início, o filme estabelece que o protagonista entende as repercussões de suas ações, colocando-se a questão da amoralidade.
O personagem principal é chamado "Nitram" (o primeiro nome do criminoso real soletrado ao inverso) é interpretado por Caleb Landry Jones. Nitram mora com seus pais (Judy Davis e Anthony LaPaglia), ambos cansados do esforço de manter um olho vigilante em seu filho crescido perigosamente errático. Incapaz de manter um emprego convencional, Nitram conhece Helen (Essie Davis) quando está rondando o bairro, oferecendo cortar grama em troca de dinheiro. Ao contrário da maioria das pessoas que ele encontra, Helen - uma excêntrica ex-atriz, embora menos ameaçadora - o convida a morar na sua casa, e os dois embarcam em um romance incomum. Por um tempo, os dois desajustados alcançam um equilíbrio frágil.
Então a tragédia se abate, deixando Nitram sozinho em um grande casarão na companhia de vários cães. Ele herda de Helen mais de meio milhão de dólares. Mas isso torna o protagonista ainda mais errático – ele decide conhecer Los Angeles e Hollywood. E na volta, após o traumático suicídio do pai depressivo, começa a alimentar a ideia de que a violência é a única maneira de conseguir uma resposta em uma existência vazia.
A partir de então, Nitram marcha inflexivelmente em direção ao final que sabemos que está chegando.
Nitram de Justin Kurzel caracteriza-se pela neutralidade e isenção emocional. Preocupações da crítica de que o filme teria pena do assassino, que ele se tornaria algum tipo de herói incompreendido que não teria escolhido um caminho tão terrível se não tivesse sofrido bullying na escola ou fosse mais amado por seus pais, rapidamente se provam infundadas.
Nitram também não trata o seu protagonista como alguém perturbado ou caricaturalmente maligno. Nunca temos a sensação de que Kurzel está tentando nos impor como deveríamos sentir em relação a Nitram. Somos apenas solicitados a observar, não a julgar. Em um filme centrado em um evento tão traumático, a manutenção de uma perspectiva não ofuscada pela intensidade da emoção é uma característica notável da narrativa.
Outra armadilha potencial evitada está no retrato dos pais de Nitram, a quem o filme trata com muito mais simpatia do que culpa. Desde o instante em que os conhecemos, a pura exaustão de cuidar constantemente de seu filho aterrorizante está estampada em seus rostos. Embora a mãe de Nitram seja severa e seu pai permissivo (pais exaustos e incompatíveis), ambos claramente amam seu filho. Eles tentam fazee o melhor para ele, enquanto lutam com a crescente percepção de que seu melhor nunca será bom o suficiente.
Efeito Copycat
Na verdade, o foco de Nitram está num sistema que permitiu que um jovem claramente desequilibrado com uma mochilacontendo meio milhão de dólares saísse de uma loja de armas com armamento suficiente para um pequeno exército. A sequência central da loja de armas se destaca por sua banalidade repugnante; a amabilidade descontraída dos vendedores é quase tão desconcertante quanto as poucas cenas de violência aberta.
Aqui e ali no filme, Kurzel sugere o fator midiático na influência comportamental do atirador em massa. De início, o desejo do protagonista querer conhecer Hollywood, após a morte de sua companheira e de ter herdado sua fortuna. Em outra passagem, percebemos que a TV da casa dos pais de Nitram está transmitindo um telejornal que dá notícias de um massacre famoso naquele momento: o massacre da escola de Dunblane, na Escócia, em que um atirador matou 16 crianças e uma professora. Muitos acreditam num “efeito copycat” (efeito de imitação), teoria de que o efeito de saturação da cobertura sensacionalista da mídia dá o incentivo a que indivíduos disfuncionais repitam o crime – clique aqui.
E no final do filme, antes do protagonista iniciar o massacre, ele coloca uma filmadora na mesa do restaurante e liga. Dando início ao atentado.
A descrição de vida de Nitram como uma espécie de monotonia claustrofóbica é a chave de compreensão do filme: seu isolamento e ascetismo (reforçado ainda pelo antagonista mundano, um surfista bem-sucedido cuja namorada o esnobou em uma importante cena que sugere o ressentimento) são cuidadosamente cultivados até se transformar na vontade nietzschiana pelo nada final.
A mensagem de Kurzel está nos créditos finais do filme mostrando as consequências: como o massacre estimulou na Austrália a “Lei de Implementação do Programa Nacional de Armas de Fogo de 1996”, restringindo a propriedade privada de espingardas semiautomáticas de alta capacidade, espingardas de caça semiautomáticas e espingardas de pressão, assim como introduziu a licença padronizada para compra de armas de fogo.
Ficha Técnica
Título: Nitram
Diretor: Justin Kurzel
Roteiro: Shaun Grant
Elenco: Caleb Landry Jones, Judy Davis, Anthony LaPaglia, Essie Davis
Produção: GoodThings Productions, Melbourne International Film Festival
sexta-feira, julho 24, 2020
Wilson Roberto Vieira Ferreira
As paredes são testemunhas das nossas mágoas, ressentimentos, ódio e paixões. Absorvem suas energias, fazendo ambientes vibrarem chegando a criar o fenômeno das casas mal-assombradas. Espiritualistas e esotéricos creem nesse fenômeno que seria mais natural do que coisa do outro mundo. E o cinema também. A produção australiana “Relic” (2020) mostra três gerações de mulheres enfrentando manifestações de demência da avó, viúva solitária em um casarão repleto de objetos que representam as memórias de uma vida inteira. Ou será que há algo além, assombrando a todos? Mais do que um filme de terror, “Relic” tematiza a condição dos idosos numa sociedade de obsolescência programada – a sociedade que perdeu o “elo geracional”: numa cultura na qual a novidade e a juventude são mais importantes do que a sabedoria e o conhecimento, o passado e as memórias se tornam aterrorizantes. Filme sugerido pelo nosso colaborador Felipe Resende.
sábado, julho 27, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Confusões em torno de viagens no tempo oferecem uma gama de situações cômicas, desde o clássico “De Volta Para o Futuro”, graças a inesperados efeitos exponenciais quando tentamos consertar as coisas numa oportunidade de “segunda chance” no passado. O filme australiano “O Homem Infinito” (2014) explora todas essas possibilidades cômicas com um dos roteiros mais afiados dos últimos tempos nesse subgênero do sci-fi – da fantasia cômica inicial gradualmente evolui para a sofisticação de uma emaranhada cadeia de eventos em loop. Um solitário cientista tenta consertar o que deveria ter sido um final de semana perfeito com sua namorada: um ano depois da trágica separação, ele põe em ação uma estranha máquina do tempo baseado num scanner das memórias. Levando a comédia a uma sombria reflexão sobre as nossas angústias e responsabilidades em relação ao tempo, existência e escolhas. Filme sugerido pelo nosso incansável colaborador Felipe Resende.
domingo, junho 23, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“I Am Mother” (2019) é o “Matrix” do século XXI? Novamente vemos a humanidade se confrontando com sombrias inteligências artificiais. Dessa vez não estamos mais prisioneiros num mundo virtual. Mas agora numa “instalação de repovoamento” subterrânea após a extinção da espécie humana. Milhares de embriões congelados gerenciados pela “Mãe”, um androide com funções de criar, educar e amar os novos humanos que reiniciarão a História. A Mãe cria a primeira “Filha” que aos poucos descobrirá que nada é o que aparentar ser: Por que um androide “Mãe” com um design militarizado análogo a um Robocop? Por que a “Mãe” possui parâmetros morais tão utilitaristas? Por que apenas um embrião foi descongelado entre milhares? Mas a verdade virá lá de fora, do novo “deserto do real”.
domingo, setembro 16, 2018
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A crítica vem definindo
a produção australiana “Upgrade” (2018) como alguma coisa entre a série
britânica “Black Mirror” e o clássico “Robocop” de 1987: em um futuro próximo,
um tecnofóbico (alguém que sempre gostou de “fazer as coisas com as próprias mãos”)
tem sua vida virada de ponta cabeça ao ficar tetraplégico e receber o implante
de um chip de computador que o fará andar novamente, porém com algumas
“atualizações”. Tudo que deseja agora é vingança contra os assassinos de sua
esposa, quando descobre estar em um plot conspiratório envolvendo algum tipo de
espionagem industrial. “Upgrade” é um filme que revela o atual imaginário que
anima o desenvolvimento computacional – Inteligência Artificial e
Singularidade, o momento em que a tecnologia deixa de ser a extensão do corpo
humano para se tornar sua própria negação.
sábado, abril 07, 2018
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“OtherLife” (2017) é um filme australiano independente (disponível na
Netflix) que aborda o tema da realidade virtual, mas não através da perspectiva
da simulação através de um software. Mas a realidade virtual como uma ideia
química e biológica. Mais precisamente, por meio de um “software biológico”: se
as nossas memórias são resultantes de complexas reações químicas, poderiam ser
codificadas e transformadas na última interface da história da tecnologia: a
bioquímica-digital. Uma droga na qual a realidade virtual comprime o
tempo-espaço, lembrando a abordagem de “A Origem” de Nolan: um minuto do tempo
real corresponderia a um ano de “férias” virtuais em praias paradisíacas ou nas
montanhas nevadas de cartão postal. Para pessoas “sem tempo para ter tempo
livre”, como anuncia a startup que promove o produto “OtherLife”. Mas conflitos
corporativos, além do drama pessoal da cientista criadora da droga virtual, tornarão a
interface “OtherLife” em um jogo perigoso. Filme sugerido pelo nosso emérito leitor Felipe Resende.
domingo, outubro 29, 2017
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em todas as culturas, o espelho inspira
tanto o medo (o duplo como prenúncio da morte) como o reflexo da verdade e
sinceridade. Porém, na nossa cultura de selfies e redes sociais, ressuscitamos
o mito de Narciso, apaixonando-nos apenas pela superfície dos reflexos e imagens. Mas,
e se os nossos reflexos se rebelaram contra nós e, simplesmente, darem as
costas, assim como naquele famoso quadro do pintor surrealista Rene Magritte?
Esse é o tema do curta australiano “Dive” (2014): um homem que perdeu tudo, a
tal ponto que o próprio reflexo está lhe abandonando. Mas ele descobrirá algo
mais, para além da superfície do espelho: o abismo submarino do seu próprio
inconsciente.
segunda-feira, outubro 16, 2017
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A atual agenda internacional das
privatizações toma conta da grande mídia e do discurso de políticos e
economistas. Preocupado com o alcance e consequências dessa panaceia que toma
da opinião pública, o diretor australiano Matt Richards imaginou um futuro próximo
no qual as privatizações alcançariam o sistemas judiciário, prisional e o
próprio Estado de Direito. Resultado: o Direito e a Justiça viram commodities.
E os limites entre a civilização e a barbárie começam a desaparecer. Combinando
sci-fi, horror e humor negro, o curta “The Disappearance of Willie Bingham”
(2015) mostra num futuro próximo na Austrália a “Amputação Progressiva”, nova
forma de punição criada por um sistema judiciário privatizado que substitui a pena
de morte, no qual a concessionária busca formas socialmente “sustentáveis” de punição: traga lucro para a empresa gestora,
sirva de exemplos para “escolas problemáticas” e satisfaça o impulso de
vingança das vítimas.
sábado, março 04, 2017
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O EUA empreendem o Projeto Terminus de
ocupação permanente do Irã por tropas americanas. O que só faz aumentar a tesão
diplomática com Rússia e China, disparando a contagem regressiva para uma
guerra nuclear. Enquanto isso um estranho meteorito cai em uma cidadezinha no
interior dos EUA, onde vivem desempregados e veteranos da guerra no Irã,
amputados e paralíticos, que lutam para sobreviver em meio a depressão
econômica. Este é o sci-fi australiano “Terminus” (2015) sobre um futuro próximo que
poderia muito bem ser o presente. Um filme que representa mais um
sintoma do crescente sentimento anti-Globalização – a percepção de que enquanto
sofremos no dia-a-dia para conseguir tocar as nossas vidas, lá em cima os
poderosos tramam a nossa própria destruição em seus jogos de guerras e das
altas finanças. Em 2015, “Terminus” antecipou o mal-estar que criaria muitos
subprodutos, assim como a atual Era Trump.
quarta-feira, agosto 31, 2016
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O misterioso Triângulos das Bermudas foi pouco explorado pelo cinema,
restringindo-se a filmes e séries de baixo orçamento para a TV. Mas “Triângulo
do Medo ” (Triangle, 2009) do inglês Christopher Smith fez mudar esse cenário –
mais três filmes sobre o tema estão atualmente em produção. Além de se inspirar
em “O Iluminado” de Kubrick e num antigo filme francês chamado "La Jetee" (que
inspirou Terry Gilliam a fazer “Os Doze Macacos”), “Triângulo do Medo” renova
as teorias sobre as estranhas anomalias que aconteceriam naquela região: não
mais fenômenos paranormais ou extraterrestres – agora, o Triângulo das Bermudas
seria uma gigantesca “caixa de Schrödinger”: fenômeno quântico onde diferentes
versões de nós mesmos se sobrepõem de forma catastrófica. “Triangle” se inspira
nas hipóteses discutidas pela Física atual como a “Interpretação dos Muitos
Mundos” e a do “Mundos em Choque”. Filme sugerido pelo nosso leitor João Carlos.
sábado, abril 02, 2016
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A noção de Tempo não passa de uma convenção lógica criada pelo homem
para organizar os eventos da sua existência. Por isso, guarda uma série de
paradoxos, assim como os sistemas lógicos matemáticos, mostrando seus limites e
insuficiências. O filme australiano “O Predestinado” (Predestination, 2014)
trata de um desses paradoxos: o paradoxo da predestinação – passado, presente e
futuro não se sucedem mas coexistem e se interagem, condenando-nos à condição
de prisioneiros em espécies de armadilhas temporais. Ciclos viciosos cuja única
fuga é através da condição existencial de estranhamento, alienação e investigação
paranoica. A condição de sermos como Detetives e Estrangeiros para escaparmos
dessas armadilhas. Assim como certa vez o matemático Alfred Tarski resolveu o
célebre Paradoxo do Mentiroso de Epiménides. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.
sábado, junho 20, 2015
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Co-produção britânica e australiana, “Frequencies” (aka “OXV: The
Manual, 2013) foi uma surpresa em festivais de Cinema Fantástico como o Fant 2014 de
Bilbao. Embora parta da premissa da atual onda de filmes sci fi distópicos com
adolescentes (amores impossíveis em mundos totalitários como em “Divergente”),
o filme pretende ser um ambicioso ensaio metafísico sobre o problema da Moral e
do Livre-arbítrio: quão livre nós somos em nosso querer agir? Em um mundo onde
o conhecimento determina o destino, jovens tropeçam em uma descoberta: o Manual
OXV baseado em uma “antiga tecnologia” onde palavras podem interferir nos
padrões de frequências que criam entrelaçamentos quânticos entre as pessoas.
Isso pode ser usado para o amor... mas também para o mal.
Uma história de amor
impossível entre dois adolescentes que vivem em uma ordem social totalitária
que impede a concretização dos seus sentimentos. Sintetizando dessa forma o
filme Frequencies (aka OXV: The Manual), parece que estamos
diante de mais um filme da atual onda de “distopias teens” como Divergente, Jogos Vorazes, Eu Sou o Número 4
etc.
Uma onda de filmes classificados pelo rótulo “ficção científica” pelos
seus aspectos mais superficiais do gênero: futuros distópicos, efeitos
especiais e alta tecnologia.
quarta-feira, janeiro 21, 2015
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Estranhos carros tunados que correm o Outback australiano
provocando acidentes cujas vítimas serão ou assassinadas, ou incorporadas à
comunidade de um lugarejo chamado Paris ou se transformarão em cobaias de um estranho
experimento psiquiátrico. O clássico cult “The Cars That Ate Paris” (1974),
dirigido por Peter Weir (“Show de Truman”, “Sociedade dos Poetas Mortos”) em
início de carreira, é um filme estranho e enigmático e que por décadas se
mostrou impossível de ser rotulado em um gênero. Apesar da sua estranheza,a produção acabou influenciando diversos
filmes por gerações como “Mad Max”, “Veludo Azul”, “Chumbo Grosso” ou “Velozes
e Furiosos”. Como mais tarde faria em “Show de Truman”, em “The Cars” Peter
Weir quer encontrar o bizarro e o anormal por baixo da aparente rotina de um
lugarejo com doces vovós em cadeiras de balanço e fiéis que não perdem uma
missa aos domingos. Mas todos escondem um terrível segredo.
Um filme estranho? Com certeza. Gnóstico?
Talvez, ainda mais sabendo que o diretor australiano Peter Weir tem um especial
interesse pelas teorias sobre os mitos e sonhos e nos seus filmes sempre
demonstra estar atento ao tema de como o senso comum sobre a realidade pode ser
frágil e como podemos encontrar o extraordinário dentro da vida ordinária. Seu
filme Show de Truman foi a
consolidação desses temas que sempre estiveram na cabeça do diretor.
The
Cars That Ate Paris (1974, “Os
Carros que Comeram Paris”) é um estranho filme do início da carreira de Peter
Weir, ainda no cenário cinematográfico australiano.Uma das primeiras características de um
“filme estranho” – sobre esse conceito fílmico clique
aqui – é a dificuldade em rotulá-lo em um gênero: nos anos 1970, o filme
teve uma difícil comercialização, porque era impossível categorizá-lo: humor
negro? Comédia dramática? Ficção Científica? Terror? Na era do VHS nos anos
1980, as locadoras colocavam o filme nas prateleira de “terror”.
domingo, setembro 29, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A Volkswagen anunciou o encerramento da
produção da Kombi no Brasil, o último país que ainda produzia esse veículo.
Junto com o fusca, a Kombi transformou-se em um arquétipo moderno e o significante cultural
de uma constelação de conceitos que vão da esfera política às noções
espirituais de jornada e liberdade. A presença da Kombi no cinema vai refletir
esse imaginário irônico onde, apesar de nascido de um projeto nacionalista de
Hitler e depois sintonizado com o lazer e o consumo individualista de
pós-guerra, transformou-se em ícone da contracultura e representante de um
estilo de vida antimaterialista e solidário. Abaixo, uma lista de dez filmes
onde a Kombi é um personagem cinematográfico com seus múltiplos simbolismos.
Ao lado do fusca, foi o veículo
que fez parte do imaginário de uma geração. A Kombi (abreviação da expressão
alemã “kombinationsfahrzeug” – traduzindo, “van cargo-passageiro”), nos EUA
chamada de VW Bus, acabou tornando-se
mais do que um veículo de transporte: deu colorido e ressonância à cultura
moderna, transformando-se em um arquétipo cultural, significante de uma
constelação de conceitos que vai da esfera política (contracultura e a ética
anticonsumista) à espiritual (viagem e liberdade).
O
Brasil era o único país que ainda produzia esse veículo. Mas, segundo a
Volkswagen, a produção será encerrada dia 31 de dezembro desse ano com a
produção de uma última série limitada e comemorativa unindo todas as
características de design das várias versões da Kombi nesses 63 anos.
sábado, junho 30, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O curta australiano de
animação premiado com o Oscar “Leisure” (1976) e o filme italiano “A Classe
Operária Vai ao Paraíso” (1971) foram repercussões audiovisuais das discussões
da chamada “New Left” (Nova esquerda) nos anos 1960-70 quando, diante do enfraquecimento do movimento operário no capitalismo avançado, sentiu a necessidade de
politizar o “lazer” como a resultante da dominação do tempo livre pela
indústria do entretenimento. Ambos os filmes exploram a situação paradoxal onde
trabalho e lazer ao mesmo tempo se opõem e tornam-se semelhantes.
Muito tempo antes de se falar em “ócio criativo” e as
conexões entre lazer e ócio na sociedade pós-industrial, um curta de animação
era premiado em 1976 antecipando essas discussões. É o curta
chamado “Leisure” do animador e cartunista político australiano Bruce Petty,
premiado com Oscar de melhor curta de animação. Depois o filme ganhou vários
prêmios em festivais internacionais de cinema.
O estilo de animação lembra muito a dos filmes do grupo
inglês de humor Monty Python. O filme traça a trajetória do lazer ou tempo
livre desde a pré-história, mais precisamente a partir do momento em que o
aprimoramento do pensamento racional resultou em uma divisão nas sociedades
humanas entre dois grupos: os que ficam sentados sonhando e resolvendo problemas
e os que ficam em pé trabalhando. Elite e trabalhadores. Esses que ficam
sentados começam a produzir arte e cultura para consumo próprio: surge o
“lazer”.
Com o Iluminismo e a formulação dos direitos e a igualdade
humana, esses trabalhadores são levados para dentro do universo do lazer por
meio da industrialização do entretenimento. Com a popularização da eletricidade
desenvolve-se a indústria de massa de entretenimento nos grandes centros
urbanos o que trará um resultado paradoxal: lazer e trabalho serão
experimentados simultaneamente como opostos e semelhantes – o primeiro mais
prazeroso do que o segundo e as formas de lazer e do próprio estilo de vida nos
centros urbanos serão tão passivos e sem imaginação quanto o trabalho
rotinizado.
domingo, dezembro 11, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Concorrente à Palma de Ouro em Cannes, “A Bela Adormecida” (Sleeping
Beauty, 2011) da estreante diretora australiana Julia Leigh desconstrói o conto
de fadas clássico: e se a princesa não quisesse acordar? O cenário é o de uma
sociedade onde o trabalho foi precarizado e a “princesa” é uma “freelance” numa
roda-viva de subempregos marcada pela frieza emocional e onde príncipes foram
substituídos por um submundo de milionários sexualmente pervertidos em uma
mansão de “serviços à inglesa”.
Na versão original do francês Charles Perrault do conto “A Bela Adormecida” uma princesa é amaldiçoada a
dormir por cem anos até ser despertada pelo beijo de um belo e corajoso príncipe
que enfrentou uma floresta de espinhos venenosos para entrar no castelo. Cinquenta e dois anos depois da última releitura desse conto por Walt Disney em 1959, a
escritora australiana Julia Leigh ("The Hunter" e "Disquiet"), em sua estreia como diretora, revisita a
clássica estória de uma forma invertida: e se a princesa não quisesse acordar? Ela
não possui um reino, mas é solitária. E sempre visitada por homens que não são
mais príncipes, mas visitantes de uma só noite que se aproveitam sexualmente
dela enquanto está imersa no seu sono voluntário.
Indicado à Palma de Ouro
de Cannes nesse ano, o filme “A Bela Adormecida” reduz o clássico conto de
fadas ao seu núcleo mítico ou arquetípico: o sono e o esquecimento. Através de
uma narrativa estranha, espectral, etérea e fria narra a trajetória de uma “princesa”
contemporânea, Lucy (Emily Browning), uma estudante universitária em Sidney, Austrália,
de pele branca leitosa e cabelos de cor vermelho-ouro, onde, tal qual um
hamster correndo em uma roda de gaiola, vive em uma ciranda de subempregos e
identidades fragmentadas: cobaia remunerada de um laboratório, garçonete em um
café, operadora de uma fotocopiadora em um escritório e, ocasionalmente,
prostituta em pubs frequentados por yuppies.
Como pano de fundo, uma
relação complicada com a mãe alcoólatra e com um amigo chamado Birdman que também
está lentamente morrendo no alcoolismo e com quem Lucy, estranhamente, tem uma
relação de culpa. Aliás, também é estranha a roda-viva de subempregos à qual
Lucy se submete: tal como um zumbi, sem expressar sentimentos, automaticamente
exerce suas funções. Ela parece uma sonâmbula que voluntariamente quer se esquecer
de algo como forma de proteção emocional.
Cinegnose participa do programa Poros da Comunicação na FAPCOM
Este humilde blogueiro participou da edição de número seis do programa “Poros da Comunicação” no canal do YouTube TV FAPCOM, cujo tema foi “Tecnologia e o Sagrado: um novo obscurantismo?
Esse humilde blogueiro participou da 9a. Fatecnologia na Faculdade de Tecnologia de São Caetano do Sul (SP) em 11/05 onde discutiu os seguintes temas: cinema gnóstico; Gnosticismo nas ciências e nos jogos digitais; As mito-narrativas gnósticas e as transformações da Jornada do Herói nas HQs e no Cinema; As semióticas das narrativas como ferramentas de produção de roteiros.
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Coleção Curtas da Semana
Lista semanalmente atualizada com curtas que celebram o Gnóstico, o Estranho e o Surreal
Após cinco temporadas, a premiada série televisiva de dramas, crimes e thriller “Breaking Bad” (2008-2013) ingressou na lista de filmes d...
Bem Vindo
"Cinema Secreto: Cinegnose" é um Blog dedicado à divulgação e discussões sobre pesquisas e insights em torno das relações entre Gnosticismo, Sincromisticismo, Semiótica e Psicanálise com Cinema e cultura pop.
A lista atualizada dos filmes gnósticos do Blog
No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.
Esse humilde blogueiro participou do Hangout Gnóstico da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba (PR) em 03/03 desse ano onde pude descrever a trajetória do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e a sua contribuição no campo da pesquisa das conexões entre Cinema e Gnosticismo.
Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
Neste trabalho analiso a produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005) onde é marcante a recorrência de elementos temáticos inspirados nas narrativas míticas do Gnosticismo.>>> Leia mais>>>
"O Caos Semiótico"
Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno >>>>> Leia mais>>>