“Você lembra de mim, logo existo”. Isso é uma questão de
sobrevivência para um novo tipo humano que domina as redes sociais, pessoas que
sempre estão em busca da atenção das pessoas. Psicólogos chamam essa nova fobia
de “Atazagorafobia” ou “fear of missing out” (FOMO) – o pânico de estar
perdendo alguma oportunidade de interação ou de reconhecimento. Esse é o tema
do curta canadense “Remember Me” (Mémorable Moi, 2013) do diretor Jean-François
Asselin: “Você está pensando em mim?”, é a dúvida obsessiva do protagonista,
sempre colado ao computador e dispositivos móveis tentando fingir ser qualquer coisa, enquanto sua vida conjugal
vai para o ralo. Depois da Internet prometer a “inteligência coletiva” na cultura e a
“estrada para o futuro” nos negócios, parece agora amplificar em tempo real o “demasiado humano” já presente nas mídias tradicionais: solidão, intolerância, narcisismo, superfluidade, necessidade de reconhecimento, hedonismo, niilismo, e assim por diante. – com a diferença de que agora os efeitos são exponenciais por meio de fobias e
síndromes.
Era uma vez a Internet, um sistema global de
computadores interligados que, ao mesmo tempo, prometia os frutos da “inteligência
coletiva” para todos e lucros para os poucos que chegassem na frente da corrida
do ouro de um novo soft-capitalismo – produtos e serviços gratuitos, criando
marcas sólidas que, mais tarde, poderiam cobrar pelos seus serviços.
Muitos no final do século XX acreditavam que
todas essas promessas seriam destruídas por um apocalíptico “bug do milênio” no
ano 2000, mas o desfecho foi mais prosaico e as coisas acabaram por si só: no
estouro da bolha especulativa na bolsa Nasdaq das empresas de tecnologia e no
posterior gigantismo das redes sociais.
Depois do messianismo da “estrada para o futuro”
ou da “árvore do conhecimento”, eis que
a Internet retoma a trajetória de todas as mídias anteriores: depois das
promessas de que abririam janelas para o futuro, voltam-se para si mesmas – o
grande negócio passou a ser o monitoramento e garimpagem de dados (marketing
digital B2B, Big Data, Dark Data etc.). Saber por onde os usuários navegam,
seus hábitos, escolhas, preferencias de consumo etc.
A Internet deixou de ser uma meio para o futuro
e se tornou o futuro em si mesma: os ambientes digitais apenas amplificaram em
tempo real o “demasiado humano” já presente nas mídias tradicionais: solidão,
intolerância, narcisismo, superfluidade, necessidade de reconhecimento,
hedonismo, niilismo, e assim por diante.
O curta Remember
Me do canadense Jean-François Asselan (assista ao curta abaixo) é uma irônica e até agressiva
representação de como as redes sociais se tornaram um espaço dominado por
aqueles que buscam constantemente a atenção do público. No curta acompanhamos a
confissão do protagonista (Mathieu) de que sofre a fobia do medo de ser
esquecido e a necessidade de buscar qualquer meio para estar constantemente no
pensamento dos outros. E nessa busca encontra nas redes sociais a grande
oportunidade para dar vazão a sua busca desenfreada por reconhecimento.
O medo do
desaparecimento
“Você está pensando em mim?”, passa a ser a dúvida
que não sai da cabeça de Mathieu. Desde que sofreu uma rejeição amorosa no
passado, é dominado pelo pânico de ser esquecido por amigos, ex-namoradas e
pela própria sociedade. Essa pânico resulta na paranoia de que pode fisicamente
desaparecer: quando é tomado pela ansiedade e tristeza, vê partes do seu corpo
desaparecendo.
Tudo começou com postagens engraçadas,
alarmistas e provocativas em todas as formas de mídias sociais. O que fez
acumular centenas de amigos virtuais. Mathieu passa a fingir que é seu
aniversário, que está doente, que é gay, cadeirante, suicida, militante de
alguma causa, interrompe a transmissão de TV do jogo de tênis correndo nu,
mostra para todos na Internet o vídeo da coloscopia.
Quando tudo isso deixa de funcionar, torna-se
então grosseiro, desrespeitoso, vulgar para ser lembrado através da raiva.
Seu pior momento é à noite, quando tem que
dormir: será que as pessoas estão pensando nele também nas madrugadas? Mathieu
não consegue mais se separar do computador e do telefone celular.
Nesse seu inferno fóbico pessoal, Mathieu
descobre o YouTube e aprende que as pessoas estão apenas interessadas em
freaks, jackasses, garotas, crianças cantando, rindo ou peidando e... vídeos de
gatos – seu pobre gato chamado Moustache vai saber disso da pior maneira,
vítima de uma aspirador de pó e um saco plástico...!
A multidão
solitária
O curta Remember
Me é uma ótima oportunidade para se discutir no que se tornou a Internet e
para onde foram as promessas de 20 anos atrás. As novas tecnologias não
conseguiram criar um novo mundo – apenas transpuseram para o mundo virtual as
velhas mazelas que as mídias massificavam em ambientes analógicos. A diferença
é que essas mazelas se transformaram em fobias e síndromes graças ao novo
ambiente digital: globalizado, em tempo real, on line, 24 horas disponível,
aumentando exponencialmente ansiedades e compulsões.
Por trás da sensação ilusória que o usuário tem
de participar de uma comunidade, de interagir ou de ter muito mais amigos do
que a vida real poderia oferecer, cresce a sensação de solidão e alienação – no
final você nada mais tem do que uma tela e a solidão do seu quarto ou de fazer
parte de uma multidão de pessoas que inclinam a cabeça para seus smartphones em
algum vagão de metrô.
Esse tema da solidão dentro da multidão é bem
conhecido pela sociologia desde o século XX com o livro de David Riesman A Multidão Solitária. Escrito na década
de 1950, vivia-se o crescimento da sociedade de consumo, a popularização da TV
e o surgimento de uma nova cultura trazida pelos bairros de subúrbios e os
primeiros shopping malls.
Riesman falava de uma personalidade emergente, o
alter-dirigido – indivíduo sem mais
valores éticos ou morais consolidados (intra-dirigido),
mas agora voltado ao mundo exterior tentando seduzir ou agradar as pessoas, em
busca de aprovação, reconhecimento. Em síntese, fugir da solidão e de um vida
interior vazia.
Atazagorafobia
Se na TV e no culto à fama das celebridades isso era evidente, com
a Internet essa cultura se transformou em fobia: o medo de ser esquecido. Esse
transtorno passou até a receber um nome e diagnosticado por psiquiatras e
psicólogos – “Atazagorafobia”, o medo irracional de ser esquecido ou ignorado.
Para os especialistas, a Internet e redes sociais aguçaram ainda mais o lado
exibicionista das pessoas, mas ao mesmo tempo aumentado os casos de rejeição e
solidão.
Psiquiatras e psicólogos até descrevem os sintomas desse medo
descontrolado: suor frio, palpitações, síndrome do pânico, entre outros.
Redes sociais, telefones celulares e demais dispositivos móveis
ainda possibilitariam um complexo de sintomas, onde a atazagorafobia se associaria ao fear
of missing out ou FOMO: a preocupação compulsiva de a qualquer instante
estar perdendo uma oportunidade de interação social, uma nova experiência,
alguma oportunidade de negócio lucrativo ou algum outro evento que lhe traga
satisfação ou ganhos.
Mas todos os especialistas são unânimes: o que há em comum está a
insatisfação psicológica em ser amado e respeitado.
O eterno retorno tecnológico
Se no passado o toque do telefone já criava ansiedades e
expectativas (Quem será? Serão boas ou más notícias?) que só foram ampliadas
com as secretarias eletrônicas (checar mensagens era acompanhado muitas vezes
pelo nervosismo e medo), hoje com os dispositivos móveis essa ansiedade trazida
pelo êxtase da comunicação só cresce em escala exponencial.
Embora a Internet seja revolucionária ao disponibilizar dados,
informação e conhecimento de uma forma inédita na História, o curta Remember Me parece demonstrar que ela
talvez tenha o mesmo destino que a TV e o controle remoto tiveram. Acreditava-se
que a TV transformaria o planeta em uma aldeia e a tela uma janela aberta para
o mundo. E o controle remoto tornaria tudo isso mais confortável e rápido.
Só que o controle remoto voltou-se contra a
própria TV ao criar o efeito zapping.
Quando surgiram os primeiros modelos de
controle remoto na década de 1950, havia uma expectativa positiva em relação
aos benefícios que traria à evolução da televisão. Acreditava-se que o aumento
de poder de comutação nas mãos do espectador o tornaria mais exigente em termos
de qualidade. Isso forçaria os canais concorrentes a melhorar a qualidade das
suas atrações para manter a fidelidade do espectador. Mas não contavam com um
efeito colateral imprevisto: o chamado “efeito zapping”.
O mundo que poderia ser visto através da
“janela aberta” deixou de interessar o espectador: ficou mais atraente assistir
a qualquer coisa por amostragem – surfar na troca sucessiva de canais passou a
ser mais atraente do que procurar um programa em particular. A TV passou de
janela a espelho da própria insatisfação humana.
Remember Me explora essa espécie de eterno retorno
tecnológico: a Internet promete ampliar em tempo real o demasiado humano que no
passado ainda estava restrito à grade de programação e ao videotape das antigas
mídias de massas.
Ficha
Técnica
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Título: Remember
Me (Mémorable Moi) - curta
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Diretor:
Jean-François Asselin
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Roteiro:
Jean-François Asselin
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Elenco: Eugénie Beaudry, Sylvie De Morais-Nogueira, Émile Proulx-Cloutier
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Produção:
Jean-François Asselin
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Distribuição:
On Line
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Ano: 2013
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País: Canadá
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