Quase três gerações depois o filme “E.T. O Extraterrestre” (1982) continua emocionando, tornando-se um clássico como “O Mágico de Oz”. Como uma produção cinematográfica alcança esse estágio atemporal? O filme oferece mais do que uma história de amizade e amor entre um menino e um ser extraterrestre: de um lado refletiu a incipiente cultura adolescente dos subúrbios norte-americanos da época, mas também o arquétipo contemporâneo do Estrangeiro, a condição humana de alienação e estranhamento através de uma fantasia AstroGnóstica: o paralelo da condição humana com a de um ser extraterrestre querendo retornar para casa.
E.T. O Extraterrestre é um filme como O
Mágico de Oz: você crescerá e envelhecerá assistindo a ele diversas vezes e
sempre se impressionará com sua mensagem atemporal de inocência, esperança e alegria.
É uma ficção científica que às vezes se torna tão assustadora como um filme de
monstros, mas, quando as luzes se acendem, não é possível encontrar um olho sem
lágrimas em casa ou no cinema.
Desde o seu lançamento em 1982, três gerações
assistiram e se emocionaram com a história de amizade e amor entre um menino e
uma criatura do espaço esquecida na Terra. Meu filho de seis anos foi um deles
onde, na sequência em que a pequena criatura é capturada pelos cientistas da
NASA e aparentemente morre, começou a chorar e se emocionar até a fuga e o
final arrebatador com a icônica imagem da bicicleta BMX voando com a Lua cheia
ao fundo e levando o E.T. dentro da cesta.
O filme representou o ápice de uma sequência de
produções do diretor Steven Spielberg com o tema “alienígenas” - Contatos Imediatos do Terceiro Grau em
1977; 1941 – Uma Guerra Muito Louca
(1979) onde os aliens agora eram japoneses sobre uma suposta invasão na
Califórnia após o ataque de Pearl Harbor; e Os
Caçadores da Arca Perdida (1981) que retornou ao tema com a conexão da arca
da aliança do povo hebreu, arqueólogos nazis e seres alienígenas que teriam
deixado segredos na arca bíblica.
E.T. foi um filme sintonizado com um subgênero em
ascensão na época entre as produções de ficção científica: seres alienígenas com
bom coração e propósitos que se perdem na Terra e descobrem como os seres
humanos podem ser cruéis e exploradores - O Homem Que Caiu na Terra (Nicolas Roeg, 1976), Starman (John Carpenter, 1984) e The Brother From Another Planet (John Sayles, 1984), entre outros,
são exemplos dessa onda temática nos anos 1970-80.
Spielberg popularizou esse tema com E.T., mas ele fez algo mais ao conseguir
combinar elementos atemporais míticos e religiosos com transformações sociais e
urbanas que ocorriam nos EUA naquele momento – o desenvolvimento incipiente da
cultura dos subúrbios nas cidades norte-americanas.
O Filme
O filme se passa em um desses subúrbios com casa de
dois andares esculpidas em colinas e que se transformam em florestas a poucos
quarteirões além do quintal. Nesta floresta, em uma noite, pousa uma nave
extraterrestre de onde saem pequenos seres à procura de espécimes de plantas.
São surpreendidos com a chegada de humanos (sempre mostrados ao longo do filme
como fosse pelo ponto de vista da criança, com planos em closes de grandes
botas que pisam). Os seres são obrigados a fecharem a nave e partir, deixando o
pequeno E.T. para trás num mundo de cães ameaçadores, guaxinins selvagens e
crianças curiosas.
A pequena criatura se mostra sábia e se aproxima da
criança chamada Elliot. Tornam-se amigos. O E.T. se muda secretamente para sua
casa para iniciar uma sucessão de momentos engraçados dos primeiros contatos do
extraterrestre com televisores, telefones, geladeiras e um porre com uma caixa
de cervejas. A criatura apresenta poderes telecinéticos e telepáticos, razão
pela qual se comunica e compartilha emoções com Elliot que, assim, descobre que
E.T. está perdido e quer voltar para casa... mas os cientistas da NASA estão
seguindo suas pistas.
Um roteiro AstroGnóstico
O segredo do roteiro de Melissa Mathinson (Kundun,
1997 e Twilight Zone: The Movie, 1983) em alcançar essa atemporalidade dos
clássicos está exatamente na forma magistral como aborda o arquétipo contemporâneo
do Estrangeiro e a fantasia AstroGnóstica: aliens, crianças e a própria
humanidade como criaturas celestes prisioneiras em um mundo hostil onde vivemos
em um constante estado de alienação e estranhamento. Um mundo criado por
demiurgos (governos, corporações) para explorar nossa boa fé, ingenuidade,
alegria e esperança para alcançarem finalidades alheias aos nossos interesses.
Em postagem anterior discutíamos que esse tema
gnóstico do Estrangeiro foi desenvolvido no cinema a partir de quatro
categorias narrativas: CosmoGnóstica
(Sr. Ninguém, 2009) TecnoGnóstica (Matrix, 1999), PsicoGnóstica
(Vanilla Sky, 2001) e AstroGnóstica – sobre esse tema clique
aqui.
A narrativa AstroGnóstica sempre pretende aproximar
a jornada humana na Terra com a jornada de aliens errantes: ou descobrimos que
os seres humanos na verdade descendem de enxertos de DNA alienígena nos
primatas ou simbolicamente a condição humana é comparada a de extraterrestres
ameaçados ou corrompidos pela sociedade humana. E.T. se enquadra nessa
aproximação simbólica entre a condição de aliens e humanos, mais precisamente
as crianças.
Elliot vive em um subúrbio de classe média
norte-americana que vive com sua jovem mãe divorciada e que trabalha para
sustentar o lar, dando poucas atenções ao filho. É visível no filme como as
crianças criam um mundo próprio, fechado e distante dos adultos, vistos sempre
do ponto de vista de câmera contra plongée
(debaixo para cima), assim como o ponto de vista do pequeno alienígena. O mundo
adulto é conspiratório e ameaçador (cientistas da NASA, carros de polícia e
autoridades intolerantes) do qual Elliot quer proteger o E.T.
O ponto alto dessa aproximação simbólica da condição
alienígena e infantil está na sequência da festa de Halloween onde as crianças
saem nas ruas do subúrbio fantasiadas de monstros, fantasmas e zumbis (a
metáfora do Estrangeiro no gênero terror e sci
fi) e onde o pequeno E.T. finalmente se sente em casa, na casa de
estrangeiros como ele – numa engraçada ironia, E.T. trava um pequeno flerte com
uma criança fantasiada de Mestre Yoda, personagem do filme Star Wars.
Simbologia de E.T. O Extraterrestre
Três fortes imagens simbólicas transformam E.T. em um
clássico atemporal e AstroGnóstico: o dedo luminoso do alienígena que toca o
dedo de Elliot no pôster promocional do filme, a imagem da bicicleta BMX em seu
voo noturno diante da Lua e o coração pulsante e luminoso no peito do E.T.
quando ressuscita após a agressiva intervenção dos cientistas.
Além da alusão religiosa do afresco de Michelangelo
da Capela Sistina no Vaticano (Deus tocando o dedo de Adão) numa a um deus
alienígena, o coração luminoso do E.T. possui uma evidente conotação esotérica:
o chakra cardíaco e a centelha divina, princípio gnóstico de que toda a
condição humana alienada provém da desconexão da sua verdadeira morada na
Plenitude – o que os gnósticos chamam de “Pleroma”. A chamada “centelha divina”
que carregaríamos seria o élan que devemos rememorar por meio da gnose (o
despertar espiritual) para, um dia, retornarmos para a nossa verdadeira casa.
E a célebre imagem da BMX em contra-luz com a Lua
como um símbolo da gnose: o estado de suspensão (física e mental), estado
alterado de consciência que permite o silêncio que nos faz ouvir a voz íntima
da gnose – sobre essa conexão entre a bicicleta e os simbolismo esotéricos no
cinema clique
aqui.
Todo filme que se torna um clássico alcança essa
dimensão atemporal de expressar um arquétipo do inconsciente coletivo. E.T. O Extraterrestre continua a emocionar
gerações porque parece nos dizer que 32 anos depois do seu lançamento
continuamos ainda estrangeiros em busca do nosso verdadeiro lar.
Por isso E.T.
é um lembrete de que todo filme serve para algum propósito. Aguns filmes servem
para nos fazer pensar, outros para nos fazer sentir, alguns para fazer nos
fazer esquecer de problemas e alguns para ajudar a resolvê-los. O que encanta
em E.T. é que ele faz todas essas coisas.
Ficha Técnica |
Título: E.T.
O Extraterrestre
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Direção: Steven Spielberg
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Roteiro:
Melissa Mathison
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Elenco: Henrt Thomas, Drew Barrymore, Peter Coyote, Dee Wallace
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Produção:
Universal Pictures
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Distribuição:
Universal Home Video
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Ano: 1982
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País: EUA
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