sábado, julho 26, 2014

Por que "E.T. O Extraterrestre" tornou-se um clássico AstroGnóstico?


Quase três gerações depois o filme “E.T. O Extraterrestre” (1982) continua emocionando, tornando-se um clássico como “O Mágico de Oz”. Como uma produção cinematográfica alcança esse estágio atemporal? O filme oferece mais do que uma história de amizade e amor entre um menino e um ser extraterrestre: de um lado refletiu a incipiente cultura adolescente dos subúrbios norte-americanos da época, mas também o arquétipo contemporâneo do Estrangeiro, a condição humana de alienação e estranhamento através de uma fantasia AstroGnóstica: o paralelo da condição humana com a de um ser extraterrestre querendo retornar para casa.

E.T. O Extraterrestre é um filme como O Mágico de Oz: você crescerá e envelhecerá assistindo a ele diversas vezes e sempre se impressionará com sua mensagem atemporal de inocência, esperança e alegria. É uma ficção científica que às vezes se torna tão assustadora como um filme de monstros, mas, quando as luzes se acendem, não é possível encontrar um olho sem lágrimas em casa ou no cinema.

Desde o seu lançamento em 1982, três gerações assistiram e se emocionaram com a história de amizade e amor entre um menino e uma criatura do espaço esquecida na Terra. Meu filho de seis anos foi um deles onde, na sequência em que a pequena criatura é capturada pelos cientistas da NASA e aparentemente morre, começou a chorar e se emocionar até a fuga e o final arrebatador com a icônica imagem da bicicleta BMX voando com a Lua cheia ao fundo e levando o E.T. dentro da cesta.



O filme representou o ápice de uma sequência de produções do diretor Steven Spielberg com o tema “alienígenas” - Contatos Imediatos do Terceiro Grau em 1977; 1941 – Uma Guerra Muito Louca (1979) onde os aliens agora eram japoneses sobre uma suposta invasão na Califórnia após o ataque de Pearl Harbor; e Os Caçadores da Arca Perdida (1981) que retornou ao tema com a conexão da arca da aliança do povo hebreu, arqueólogos nazis e seres alienígenas que teriam deixado segredos na arca bíblica.

E.T. foi um filme sintonizado com um subgênero em ascensão na época entre as produções de ficção científica: seres alienígenas com bom coração e propósitos que se perdem na Terra e descobrem como os seres humanos podem ser cruéis e exploradores - O Homem Que Caiu na Terra (Nicolas Roeg, 1976), Starman (John Carpenter, 1984) e The Brother From Another Planet (John Sayles, 1984), entre outros, são exemplos dessa onda temática nos anos 1970-80.

Spielberg popularizou esse tema com E.T., mas ele fez algo mais ao conseguir combinar elementos atemporais míticos e religiosos com transformações sociais e urbanas que ocorriam nos EUA naquele momento – o desenvolvimento incipiente da cultura dos subúrbios nas cidades norte-americanas.

O Filme


O filme se passa em um desses subúrbios com casa de dois andares esculpidas em colinas e que se transformam em florestas a poucos quarteirões além do quintal. Nesta floresta, em uma noite, pousa uma nave extraterrestre de onde saem pequenos seres à procura de espécimes de plantas. São surpreendidos com a chegada de humanos (sempre mostrados ao longo do filme como fosse pelo ponto de vista da criança, com planos em closes de grandes botas que pisam). Os seres são obrigados a fecharem a nave e partir, deixando o pequeno E.T. para trás num mundo de cães ameaçadores, guaxinins selvagens e crianças curiosas.


A pequena criatura se mostra sábia e se aproxima da criança chamada Elliot. Tornam-se amigos. O E.T. se muda secretamente para sua casa para iniciar uma sucessão de momentos engraçados dos primeiros contatos do extraterrestre com televisores, telefones, geladeiras e um porre com uma caixa de cervejas. A criatura apresenta poderes telecinéticos e telepáticos, razão pela qual se comunica e compartilha emoções com Elliot que, assim, descobre que E.T. está perdido e quer voltar para casa... mas os cientistas da NASA estão seguindo suas pistas.

Um roteiro AstroGnóstico


O segredo do roteiro de Melissa Mathinson (Kundun, 1997 e Twilight Zone: The Movie, 1983) em alcançar essa atemporalidade dos clássicos está exatamente na forma magistral como aborda o arquétipo contemporâneo do Estrangeiro e a fantasia AstroGnóstica: aliens, crianças e a própria humanidade como criaturas celestes prisioneiras em um mundo hostil onde vivemos em um constante estado de alienação e estranhamento. Um mundo criado por demiurgos (governos, corporações) para explorar nossa boa fé, ingenuidade, alegria e esperança para alcançarem finalidades alheias aos nossos interesses.

Em postagem anterior discutíamos que esse tema gnóstico do Estrangeiro foi desenvolvido no cinema a partir de quatro categorias narrativas: CosmoGnóstica (Sr. Ninguém, 2009) TecnoGnóstica (Matrix, 1999), PsicoGnóstica (Vanilla Sky, 2001) e AstroGnóstica – sobre esse tema clique aqui.


A narrativa AstroGnóstica sempre pretende aproximar a jornada humana na Terra com a jornada de aliens errantes: ou descobrimos que os seres humanos na verdade descendem de enxertos de DNA alienígena nos primatas ou simbolicamente a condição humana é comparada a de extraterrestres ameaçados ou corrompidos pela sociedade humana. E.T. se enquadra nessa aproximação simbólica entre a condição de aliens e humanos, mais precisamente as crianças.

Elliot vive em um subúrbio de classe média norte-americana que vive com sua jovem mãe divorciada e que trabalha para sustentar o lar, dando poucas atenções ao filho. É visível no filme como as crianças criam um mundo próprio, fechado e distante dos adultos, vistos sempre do ponto de vista de câmera contra plongée (debaixo para cima), assim como o ponto de vista do pequeno alienígena. O mundo adulto é conspiratório e ameaçador (cientistas da NASA, carros de polícia e autoridades intolerantes) do qual Elliot quer proteger o E.T.

O ponto alto dessa aproximação simbólica da condição alienígena e infantil está na sequência da festa de Halloween onde as crianças saem nas ruas do subúrbio fantasiadas de monstros, fantasmas e zumbis (a metáfora do Estrangeiro no gênero terror e sci fi) e onde o pequeno E.T. finalmente se sente em casa, na casa de estrangeiros como ele – numa engraçada ironia, E.T. trava um pequeno flerte com uma criança fantasiada de Mestre Yoda, personagem do filme Star Wars.

Simbologia de E.T. O Extraterrestre


Três fortes imagens simbólicas transformam E.T. em um clássico atemporal e AstroGnóstico: o dedo luminoso do alienígena que toca o dedo de Elliot no pôster promocional do filme, a imagem da bicicleta BMX em seu voo noturno diante da Lua e o coração pulsante e luminoso no peito do E.T. quando ressuscita após a agressiva intervenção dos cientistas.

Além da alusão religiosa do afresco de Michelangelo da Capela Sistina no Vaticano (Deus tocando o dedo de Adão) numa a um deus alienígena, o coração luminoso do E.T. possui uma evidente conotação esotérica: o chakra cardíaco e a centelha divina, princípio gnóstico de que toda a condição humana alienada provém da desconexão da sua verdadeira morada na Plenitude – o que os gnósticos chamam de “Pleroma”. A chamada “centelha divina” que carregaríamos seria o élan que devemos rememorar por meio da gnose (o despertar espiritual) para, um dia, retornarmos para a nossa verdadeira casa.

E a célebre imagem da BMX em contra-luz com a Lua como um símbolo da gnose: o estado de suspensão (física e mental), estado alterado de consciência que permite o silêncio que nos faz ouvir a voz íntima da gnose – sobre essa conexão entre a bicicleta e os simbolismo esotéricos no cinema clique aqui.

Todo filme que se torna um clássico alcança essa dimensão atemporal de expressar um arquétipo do inconsciente coletivo. E.T. O Extraterrestre continua a emocionar gerações porque parece nos dizer que 32 anos depois do seu lançamento continuamos ainda estrangeiros em busca do nosso verdadeiro lar.


Por isso E.T. é um lembrete de que todo filme serve para algum propósito. Aguns filmes servem para nos fazer pensar, outros para nos fazer sentir, alguns para fazer nos fazer esquecer de problemas e alguns para ajudar a resolvê-los. O que encanta em E.T. é que ele faz todas essas coisas.

Ficha Técnica


Título: E.T. O Extraterrestre
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Melissa Mathison
Elenco: Henrt Thomas, Drew Barrymore, Peter Coyote, Dee Wallace
Produção: Universal Pictures
Distribuição: Universal Home Video
Ano: 1982
País: EUA



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