O filme “Equilibrium” um daqueles filmes que a gente nunca ouviu falar,
mas que quando assistimos ficamos surpresos pelo anonimato. Com visual,
figurino e fotografia que lembra muito Matrix dos irmãos Wachowski, o filme
mostra um sistema totalitário baseado na repressão de tudo aquilo que poderia
estimular no homem a expressão de sentimentos – arte, principalmente. Os
sentimentos seriam a pior parte da natureza humana, capaz de provocar guerras e
mortes. Por isso, todos seriam induzidos a tomar uma droga capaz de inibir
qualquer expressão de sentimentos. “Sacerdotes” especializados em lutas marciais e concentração Zen caçariam todos os “ofensores”
que teimam em manter objetos artísticos. Como um documento de época, “Equilibrium”
representaria o imaginário atual da banalização de drogas como Prozac ou
Ritalina onde um secreto sistema totalitário se desenha baseado na seletividade
dos sentimentos que devemos ter.
Título: Equilibrium (2002)
Diretor: Kurt Wimmer
Plot: Nos primeiros anos
do século XXI aconteceu a 3ª Guerra Mundial. Aqueles que sobreviveram sabiam
que a humanidade jamais poderia sobreviver a uma 4ª guerra e que a natureza
volátil dos humanos não podia mais ser exposta. Então uma ramificação da lei
foi criada, o Clero Grammaton, cuja única tarefa
é procurar e erradicar a real fonte de crueldade entre os humanos: a capacidade
de sentir, pois há a crença de que as emoções foram culpadas pelos fracassos
das sociedades do passado. Desta forma existe um estado totalitário, a Libria,
que é comandado pelo “Pai” (Sean Pertwee),
que só aparece através de telões. Foi decretado que os cidadãos devem tomar
diariamente Prozium, uma droga que nivela o nível
emocional. As formas de expressão criativa são contra a lei, sendo que ao violar
qualquer regulamento a não obediência é punida com a pena de morte. John
Preston (Christian Bale) é um Grammaton, um oficial da elite da lei, que caça e
pune os “ofensores”, além de ter poder para mandar destruir qualquer obra de
arte. Um dia, acidentalmente, Preston não toma o Prozium. Pela primeira vez ele
sente emoções e começa a se questionar sobre a ordem dominante.
Por que está “Em
Observação”? – Equilibrium tem um plot que faz a gente
imediatamente se lembrar de 1984, Admirável Mundo Novo, Fahrenheit 451 e outros filmes e livros
sobre futuros distópicos e Estados totalitários. E todo o visual, fotografia,
lutas marciais e figurino lembram Matrix. Aliás, o mote do marketing na época
era “esqueça Matrix!”. Mas o fato é que Equilibrium
se tornou um clássico daqueles filmes “que ninguém nunca ouviu falar”.
Embora o filme pareça ser uma mera atualização de conhecidos sci fi
distópicos sobre estados totalitários, Equilibrium
traz uma novidade: um sistema totalitário que não é baseado no medo, terror ou
persuasão ideológica (a “novilingua” de 1984
ou o terror policial de Fahrenheit 451),
mas agora na anestesia coletiva através de uma droga que inibe os sentimentos.
Esse blog partilha da linha epistemológica do historiador Marc Ferro de que
todo filme é um documento histórico porque representaria o imaginário ou a
sensibilidade de uma determinada sociedade naquele momento. E na atualidade, a
popularização de drogas antidepressivas como Prozac para tornar pessoas mais
felizes ou a ritalina para tornar jovens hiperativos em alunos mais
concentrados e obedientes nas escolas, fazem parte de um imaginário
fármaco-conservador da banalização de medicamentos – sobre esse tema leia a
postagem “Efeito
Zumbi: fármaco-conservadorismo da Geração Y?”.
Ao contrário das formas ditatoriais tradicionais de coação ao indivíduo, Equlibrium
mostra pessoas que espontaneamente se drogam, convencidas de que todos os males
da sociedade são provocados pelos sentimentos – assim como na atualidade
sentimentos como tristeza, depressão e melancolia são simplesmente deletados
sem que seja dada ao indivíduo a oportunidade de compreender as agitações da
sua própria alma – sobre isso leia “Contra
a felicidade: em defesa da melancolia”.
Outro ponto interessante do filme que se liga a essa questão da espontânea
participação dos indivíduos ao sistema totalitário são as lutas marciais usadas
pelos oficiais de elite da lei (os Grammatons ou “sacerdotes”, como são
designados no filme). De passagem o filme sugere que as lutas marciais são mais
do que instrumentos para exterminar os “ofensores”: tem a ver com autocontrole
corporal e mental, princípio do controle dos sentimentos.
Ao contrário de Matrix onde a luta marcial é ensinada a Neo como forma de
controle mental para superar a ilusão daquele mundo virtual, em Equilibrium é
uma ferramenta de controle militar. Muitos historiadores como Carlos Frabetti
ou Barrington Moore Jr. (por exemplo, leia MOORE JR, Barrington. Poder Político e Controle Social,
Cultrix) argumentam que as lutas marciais teriam sua origem na Yoga e Zen,
desenvolvidos por monges opostos a toda forma de violência. Mas as dinastias tanto
na China como no Japão feudal militarizaram o kung fu e técnicas afins onde a
ética e estética das lutas transformaram-se dentro do tácito espírito militar:
controle da mente e do corpo como um sistema eficaz de controle onde todos os
indivíduos dominam a si mesmos por meio da introjeção do Estado no interior da
própria mente.
Forma eficaz de controle social, sem grandes dispositivos policiais de
repressão já que os indivíduos se autopoliciariam e espontaneamente delatariam
todos aqueles se desviassem da ética marcial – talvez não seja à toa que o maior
Estado militar do século XX, o nazista, adotou uma suástica de origem zen
budista e tibetana como símbolo máximo do seu regime político opressor.
O que esperar? – Uma boa síntese do que podemos esperar do filme está nessas linhas da
crítica do blog “Pipoca Mecânica”: “O visual do filme, realmente imita muito, muito,
mas muito, Matrix. A história é criativa e empolgante. O desenvolver do filme,
é atrativo. Christian Bale bota pra quebrar atuando, mostrando como é bom ator,
e que sabe interpretar nas mais difíceis situações. Os efeitos especiais são
comuns; algumas vezes falhos, mas dá pra levar. As cenas de luta (com uma arte
marcial criada especialmente para o filme) no desenrolar da trama são rápidas e
o melhor mesmo, vem no final. Algumas cenas são memoráveis, como a inicial com
o personagem de Bale lutando no escuro, descobrindo os sentimentos ou
protegendo um cachorrinho. A mensagem do filme toca, e no final de tudo, vemos
um espetáculo simples, não muito original, mas belo. Muito belo.”