sábado, junho 21, 2014

Barrigas e não-notícias na Operação Anti-Copa

Da “barriga” do cão Caramelo em 2011 até a atual que envolveu o experiente jornalista Mário Sérgio Conti e um sósia do técnico Felipão entrevistado como fosse o verdadeiro, revela como jornalistas da grande mídia transformam-se em metralhadoras giratórias sob a pressão do papel assumido de oposição política: atira-se primeiro para pensar depois. Mas nesse momento a pressão só aumenta com o hipotético cenário negativo para um ano eleitoral: de que não só a Copa seja um sucesso de organização como, pior, a seleção brasileira seja campeã. Pela dificuldade em montar bombas semióticas nesse momento (o ritmo dos jogos e dos debates televisivos tem isolado protestos e incidentes de organização), a grande mídia passou a mobilizar seu braço armado: os colunistas, sob o apoio das não-notícias na Operação Anti-Copa.

Para quem acompanha de perto as transformações da linguagem midiática, a tragédia dos mortos nas enchentes e deslizamentos de terra nas serras fluminenses em 2011 marcou o início das coberturas jornalísticas politicamente comprometidas com o papel de oposição ao governo federal.

Depois de uma disputa eleitoral polarizada no ano anterior entre Dilma e Serra onde se misturou política com religião, bolinhas de papel, intolerância e preconceito, a grande mídia iniciou naquele ano um processo de coberturas jornalísticas cuja pressão oposicionista que partia das reuniões de pauta explodia nos repórteres que deveriam nas reportagens, enquetes, entrevistas ou depoimentos buscar ansiosamente qualquer índice ou evidência da incompetência gerencial do governo.

 Um dos reflexos dessa ansiedade é a construção de personagens nas narrativas jornalísticas, estratégia discursiva onde se busca a legitimação de uma pauta por meio de um personagem elaborado muitas vezes com signos retóricos e ficcionais. Na corda bamba entre a ficção e a realidade, algumas vezes o jornalista despenca e surgem as vexatórias “barrigas” - gíria jornalística para designar uma grave bobeada de um jornalista que pensa estar publicando um “furo” quando não passa de engano ou má fé do próprio repórter.


Na cobertura da tragédia na serra fluminense em 2011 surgiu a “barriga” do suposto episódio do cão chamado “Caramelo”: diversos veículos se sensibilizaram com a suposta história do cão Caramelo que guardava o túmulo da dona morta pelos deslizamentos de terra. A foto era comovente com um cão vira-lata triste ao lado de uma cruz improvisada com tábuas de caixote. Porém, um detalhe: o cão não era o Caramelo, mas de um voluntário que trabalhava no cemitério local.

A tragédia e a fidelidade do cão da família seriam a cereja emotiva de uma cobertura jornalística cujo tom era acusatório a um governo que supostamente investia mais dinheiro público no socorro do que na prevenção de catástrofes.

O braço armado dos colunistas


Atualmente a velocidade da captação, edição e publicação que as novas tecnologias proporcionam se aliam com as fortes pressões nas redações da grande mídia para que pautas pré-estabelecidas sejam sustentadas e confirmadas. Essas pressões acabam explodindo no trabalho dos repórteres, alguns ansiosos em manter seus empregos ou alimentando ambições de ascensão profissional rápida.

E quando isso não é suficiente, a grande mídia lança mão do seu braço armado: os colunistas que irão a fórceps misturar informação com opinião.

A barriga cometida pelo experiente jornalista e colunista da Folha e O Globo Mário Sérgio Conti só pode ser analisada dentro desse contexto de ano eleitoral onde se apostavam todas as fichas na “bala de prata” eleitoral de uma Copa que seria caótica, uma vitrine quebrada por black blocs, com apagões energéticos, aeroportos lotados e aviões caindo.

As bombas semióticas, detonadas desde as grandes manifestações do ano passado, não estão sendo montadas durante a Copa com a mesma facilidade – problemas são relatados de forma isolada e manifestações anti-Copa se perdem no ritmo das reprises dos gols e as intermináveis mesas de debates.

Só resta a cobertura colocar em xeque a própria razão de tudo: a seleção brasileira, afinal se for campeã, será um evento fora da curva de um País que supostamente estaria à beira do abismo econômico.

Aqui e ali começam a serem montadas bombas semióticas que procuram criar na percepção pública de que haveria algo errado com a delegação brasileira: algo na organização, no espírito de equipe...

Por exemplo, a ardilosa matéria do IG Esportes “Chefe da Delegação Brasileira é Detestado entre os Jogadores” - veja foto acima. A manchete e o primeiro parágrafo levam o leitor a acreditar que há uma crise hierárquica e de comando entre os jogadores e Vilson Ribeiro de Andrade, presidente do Coritiba. Só ao longo da matéria, percebemos que os desafetos estão no Bom Senso Futebol Clube (movimento criado por atletas para rediscutir o calendário do futebol e criar o fair play financeiro), mais precisamente os jogadores Alex e Deivid do Coritiba em um incidente que envolveu o time e o presidente no campeonato brasileiro após uma derrota.

É a não-notícia: um fato antigo requentado para criar uma falsa notícia por associação metonímica – mesmo sabendo-se que nenhum jogador da seleção participa do Bom Senso FC, leitores desatentos acharão que há um estopim de crise na seleção brasileira.

A ansiedade das metralhadoras giratórias


A ansiedade dos jornalistas os leva a se transformarem em verdadeiras metralhadoras giratórias, disparando primeiro para pensar depois. O caso da “barriga” com os sósias de Felipão e do Neymar entrevistados por um experiente jornalista que os tomou como verdadeiros parece comprovar isso. Mário Sérgio Conti viu naquelas supostas estrelas da seleção perdidas em um avião de carreira entre Rio e São Paulo em pleno momento da concentração da Copa do Mundo mais que um furo, mas o germe da suspeita: há algo de errado na seleção, que fez o técnico e sua principal estrela ir para São Paulo enquanto o resto da delegação está em Fortaleza.
Colunista encontra Felipão e Neymar em um
avião: o que eles faziam longe da concentração?

Como colunista, Conti é um dos braços armados da grande mídia cujas matérias atravessam toda a linha de produção jornalística como pré-aprovadas pela confiança, experiência e salvo conduto ideológico. A pressão de uma possível Copa do Mundo bem sucedida e, o que é pior, com a seleção brasileira campeã é o pior cenário em um ano eleitoral onde a grande mídia assumiu o papel ativo de oposição política. E a pressão parece agora atingir também os colunistas, a pièce de résistance da Operação Anti-Copa.

Mais não-notícias


Em postagem anterior dizíamos que essa Copa seria a da não-notícia. E até aqui parece que estávamos certos.

A grande mídia começa a adotar duas posições opostas diante da organização bem sucedida da Copa no Brasil. Primeiro, começa a explicitar um detalhe que é conhecido em qualquer Copa do Mundo: a organização do evento é da FIFA e não do governo do país. Essa não-notícia é agora revelada em debates para tentar descolar do governo federal o sucesso do evento, quando antes a estratégia era a oposta: o possível fracasso seria unicamente do governo federal.

A outra é a de tentar criar estopins de crises organizacionais entre governo e FIFA como transformar eventos isolados (torcedores que entraram com rojões na Arena Pantanal e chilenos que invadiram o Maracanã sem ingressos) em crise aberta entre FIFA e governo. Expressões como “caixa preta da segurança” para designar o Maracanã e o jornal Estadão que aposta numa imagem mais endêmica onde “confusões aproximam Copa do Mundo das Libertadores”.

É a velha tática metonímica das bombas semióticas, análoga à forma como as TVs cobriram os ataques do PCC em São Paulo em 2006: o mesmo ônibus incendiando era mostrado diversas vezes em diferentes ângulos a cada entrada ao vivo. O efeito metonímico era o de contágio, como se vários ônibus estivessem incendiando em pontos diferentes simultaneamente.

Em seguida, mais não-notícias: cambistas no entorno dos estádios (um verdadeiro esforço do jornalismo investigativo...) e, por último e não menos importante, a sombra da ilegalidade e das suspeitas de manipulação nos resultados dos jogos da seleção brasileira – a grande teoria conspiratórias nas redes sociais de que o governo estaria comprando o título com o dinheiro do pré-sal: “FIFA monitora Camarões por suspeita de manipulação de jogos”.

A grande mídia coloca essa declaração da FIFA em textos ambíguos, genéricos, como se a FIFA suspeitasse de algo impreciso e nebuloso, quando temos uma investigação bem direta e que envolve todos os campeonatos de futebol: esquemas para corromper times e jogadores para beneficiar casas de apostas em todo o mundo.

Textos imprecisos que nem mesmo obedecem a regra básica de jornalismo da pirâmide invertida. Assim como no exemplo acima da matéria do IG Esportes que conduz o leitor ao erro de imaginar o germe de uma crise interna na delegação brasileira, da mesma forma o texto do Terra na Copa fornece munição para as conspirações de que os resultados dos jogos da seleção na Copa seriam “comprados”.

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