Da “barriga” do
cão Caramelo em 2011 até a atual que envolveu o experiente jornalista Mário
Sérgio Conti e um sósia do técnico Felipão entrevistado como fosse o verdadeiro,
revela como jornalistas da grande mídia transformam-se em metralhadoras
giratórias sob a pressão do papel assumido de oposição política: atira-se
primeiro para pensar depois. Mas nesse momento a pressão só aumenta com o
hipotético cenário negativo para um ano eleitoral: de que não só a Copa seja um
sucesso de organização como, pior, a seleção brasileira seja campeã. Pela
dificuldade em montar bombas semióticas nesse momento (o ritmo dos jogos e dos debates
televisivos tem isolado protestos e incidentes de organização), a grande mídia
passou a mobilizar seu braço armado: os colunistas, sob o apoio das
não-notícias na Operação Anti-Copa.
Para quem
acompanha de perto as transformações da linguagem midiática, a tragédia dos
mortos nas enchentes e deslizamentos de terra nas serras fluminenses em 2011
marcou o início das coberturas jornalísticas politicamente comprometidas com o
papel de oposição ao governo federal.
Depois de uma
disputa eleitoral polarizada no ano anterior entre Dilma e Serra onde se
misturou política com religião, bolinhas de papel, intolerância e preconceito,
a grande mídia iniciou naquele ano um processo de coberturas jornalísticas cuja
pressão oposicionista que partia das reuniões de pauta explodia nos repórteres
que deveriam nas reportagens, enquetes, entrevistas ou depoimentos buscar
ansiosamente qualquer índice ou evidência da incompetência gerencial do
governo.
Um dos reflexos dessa ansiedade é a construção
de personagens nas narrativas jornalísticas, estratégia discursiva onde se
busca a legitimação de uma pauta por meio de um personagem elaborado muitas
vezes com signos retóricos e ficcionais. Na corda bamba entre a ficção e a
realidade, algumas vezes o jornalista despenca e surgem as vexatórias “barrigas”
- gíria
jornalística para designar uma grave bobeada de um jornalista que pensa estar
publicando um “furo” quando não passa de engano ou má fé do próprio repórter.
Na cobertura da tragédia na serra fluminense em 2011 surgiu a “barriga”
do suposto episódio do cão chamado “Caramelo”: diversos veículos se
sensibilizaram com a suposta história do cão Caramelo que guardava o túmulo da
dona morta pelos deslizamentos de terra. A foto era comovente com um cão
vira-lata triste ao lado de uma cruz improvisada com tábuas de caixote. Porém,
um detalhe: o cão não era o Caramelo, mas de um voluntário que trabalhava no
cemitério local.
A tragédia e a fidelidade do cão da família seriam a cereja emotiva de uma
cobertura jornalística cujo tom era acusatório a um governo que supostamente investia
mais dinheiro público no socorro do que na prevenção de catástrofes.
O braço armado dos colunistas
Atualmente a velocidade da captação, edição e publicação que as novas
tecnologias proporcionam se aliam com as fortes pressões nas redações da grande
mídia para que pautas pré-estabelecidas sejam sustentadas e confirmadas. Essas pressões acabam explodindo no trabalho dos repórteres, alguns ansiosos em manter seus empregos
ou alimentando ambições de ascensão profissional rápida.
E quando isso não é suficiente, a grande mídia lança mão do seu braço
armado: os colunistas que irão a fórceps misturar informação com opinião.
A barriga cometida pelo experiente jornalista e colunista da Folha e O
Globo Mário Sérgio Conti só pode ser analisada dentro desse contexto de ano
eleitoral onde se apostavam todas as fichas na “bala de prata” eleitoral de uma
Copa que seria caótica, uma vitrine quebrada por black blocs, com apagões
energéticos, aeroportos lotados e aviões caindo.
As bombas semióticas, detonadas desde as grandes manifestações do ano
passado, não estão sendo montadas durante a Copa com a mesma facilidade –
problemas são relatados de forma isolada e manifestações anti-Copa se perdem no
ritmo das reprises dos gols e as intermináveis mesas de debates.
Só resta a cobertura colocar em xeque a própria razão de tudo: a seleção
brasileira, afinal se for campeã, será um evento fora da curva de um País que
supostamente estaria à beira do abismo econômico.
Aqui e ali começam a serem montadas bombas semióticas que procuram criar
na percepção pública de que haveria algo errado com a delegação brasileira:
algo na organização, no espírito de equipe...
Por exemplo, a ardilosa matéria do IG Esportes “Chefe da Delegação
Brasileira é Detestado entre os Jogadores” - veja foto acima. A manchete e o primeiro parágrafo
levam o leitor a acreditar que há uma crise hierárquica e de comando entre os
jogadores e Vilson Ribeiro de Andrade, presidente do Coritiba. Só ao longo da
matéria, percebemos que os desafetos estão no Bom Senso Futebol Clube (movimento criado por atletas para rediscutir o calendário do futebol e criar o fair play financeiro), mais
precisamente os jogadores Alex e Deivid do Coritiba em um incidente que
envolveu o time e o presidente no campeonato brasileiro após uma derrota.
É a não-notícia: um fato antigo requentado para criar uma falsa notícia
por associação metonímica – mesmo sabendo-se que nenhum jogador da seleção
participa do Bom Senso FC, leitores desatentos acharão que há um estopim de
crise na seleção brasileira.
A ansiedade das metralhadoras giratórias
A ansiedade dos jornalistas os leva a se transformarem em verdadeiras
metralhadoras giratórias, disparando primeiro para pensar depois. O caso da “barriga” com os sósias de Felipão e do Neymar entrevistados por um
experiente jornalista que os tomou como verdadeiros parece comprovar isso. Mário
Sérgio Conti viu naquelas supostas estrelas da seleção perdidas em um avião de
carreira entre Rio e São Paulo em pleno momento da concentração da Copa do Mundo mais que
um furo, mas o germe da suspeita: há algo de errado na seleção, que fez o técnico
e sua principal estrela ir para São Paulo enquanto o resto da delegação está em
Fortaleza.
Colunista encontra Felipão e Neymar em um avião: o que eles faziam longe da concentração? |
Como colunista, Conti é um dos braços armados da grande mídia cujas
matérias atravessam toda a linha de produção jornalística como pré-aprovadas
pela confiança, experiência e salvo conduto ideológico. A pressão de uma
possível Copa do Mundo bem sucedida e, o que é pior, com a seleção brasileira campeã
é o pior cenário em um ano eleitoral onde a grande mídia assumiu o papel ativo
de oposição política. E a pressão parece agora atingir também os colunistas, a pièce de résistance da Operação
Anti-Copa.
Mais não-notícias
Em postagem anterior dizíamos que essa Copa seria a da não-notícia. E até
aqui parece que estávamos certos.
A grande mídia começa a adotar duas posições opostas diante da
organização bem sucedida da Copa no Brasil. Primeiro, começa a explicitar um
detalhe que é conhecido em qualquer Copa do Mundo: a organização do evento é da
FIFA e não do governo do país. Essa não-notícia é agora revelada em debates
para tentar descolar do governo federal o sucesso do evento, quando antes a
estratégia era a oposta: o possível fracasso seria unicamente do governo
federal.
A outra é a de tentar criar estopins de crises organizacionais entre
governo e FIFA como transformar eventos isolados (torcedores que entraram com
rojões na Arena Pantanal e chilenos que invadiram o Maracanã sem ingressos) em
crise aberta entre FIFA e governo. Expressões como “caixa preta da segurança”
para designar o Maracanã e o jornal Estadão que aposta numa imagem mais endêmica onde “confusões
aproximam Copa do Mundo das Libertadores”.
É a velha tática metonímica das bombas semióticas, análoga à forma como
as TVs cobriram os ataques do PCC em São Paulo em 2006: o mesmo ônibus incendiando
era mostrado diversas vezes em diferentes ângulos a cada entrada ao vivo. O
efeito metonímico era o de contágio, como se vários ônibus estivessem
incendiando em pontos diferentes simultaneamente.
Em seguida, mais não-notícias: cambistas no entorno dos estádios (um verdadeiro esforço do jornalismo investigativo...) e, por
último e não menos importante, a sombra da ilegalidade e das suspeitas de
manipulação nos resultados dos jogos da seleção brasileira – a grande teoria
conspiratórias nas redes sociais de que o governo estaria comprando o título
com o dinheiro do pré-sal: “FIFA monitora Camarões por suspeita de manipulação
de jogos”.
A grande mídia coloca essa declaração da FIFA em textos ambíguos,
genéricos, como se a FIFA suspeitasse de algo impreciso e nebuloso, quando
temos uma investigação bem direta e que envolve todos os campeonatos de
futebol: esquemas para corromper times e jogadores para beneficiar casas de
apostas em todo o mundo.
Textos imprecisos que nem mesmo obedecem a regra básica de jornalismo da pirâmide
invertida. Assim como no exemplo acima da matéria do IG Esportes que conduz o
leitor ao erro de imaginar o germe de uma crise interna na delegação
brasileira, da mesma forma o texto do Terra na Copa fornece munição para as
conspirações de que os resultados dos jogos da seleção na Copa seriam “comprados”.
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