segunda-feira, janeiro 16, 2012
Uma Semiótica do Poder das Imagens
segunda-feira, janeiro 16, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Uma imagem vale mais que mil palavras. Essa frase atribuída
a Confúcio resume a natureza do mais potente aparato de transmissão: a imagem.
Se Confúcio referia-se ao poder dos ideogramas , forma de comunicação simbólica onde duas ou mais imagens são fundidas
em um conceito, no Ocidente a imagem viveu uma verdadeira saga a partir das
origens rituais até ser convertida em feitiço ou fetiche - da religião à moderna Publicidade e Propaganda.
A genesis das imagens está nos rituais de morte e
fertilidade, vida e renascimento. A imagem como manifestação do invisível, a
representação de quem morreu para imortalizá-lo. Uma constelação de palavras
gravita em torno do conceito de imagem, todas elas derivadas dessas origens:
simulacrum (o espectro, fantasma), Imago (a máscara de cera, reprodução do
rosto do defunto), eidolon (ídolo, a alma do defunto que sai do cadáver, de
natureza tênue e, por isso, ainda corpórea, espectro). Todas essas ideias vão
se aglutinar depois no conceito de retrato, imagem.
Sendo ela simultaneamente uma vitória sobre a morte e
perpetuação pública de um ser ativo e radiante, a imagem abre as portas para a
divinização: para o homem do Ocidente é a sua melhor parte, seu eu imunizado e
posto em lugar seguro. A glória do herói grego, a apoteose do imperador romano
e a santidade do papa cristão representados por imagens (estátuas, moedas e
vitrais) ao longo da História atestam esse poder de transmissão não só da
divindade ou imortalidade, mas, também, da crença e do Poder.
Se pretendemos fazer uma semiótica não da imagem em si (já
farta na bibliografia da área), mas do seu poder na transmissão de crenças,
temos que analisá-la em um duplo aspecto: o religioso e o semiótico, isto é,
entender como a exploração religiosa vai fazer o ícone regredir para as formas
mais míticas e mágicas da imagem ao explorá-la como propaganda. Indo além,
entender como as modernas formas de Propaganda como a Publicidade são novas
versões do princípio religioso da exploração das imagens.
sexta-feira, janeiro 13, 2012
Em "Dead Set" o Reality Show Ri de Si Mesmo
sexta-feira, janeiro 13, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O gênero “reality show” já consegue rir de si mesmo? É o que parece quando descobrimos que a produtora holandesa Endemol, cujo maior produto é o “reality show”, produziu a série da TV inglesa chamada “Dead Set” (2008) onde uma epidemia transforma o mundo em zumbis... menos os participantes e a produção de um Big Brother que nada sabem o que está acontecendo fora dos muros da emissora. Combinando extrema violência, ironia e humor negro, a série faz referências às principais críticas e indignações contra o gênero. Se a Endemol consegue rir de si mesma é porque por trás há duas estratégias bem definidas: “Agenda Setting” e “tolerância repressiva”.
quarta-feira, janeiro 11, 2012
O Mito do Vampiro Chega à Maturidade no filme "Deixe Ela Entrar"
quarta-feira, janeiro 11, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Esqueça filmes como “Crepúsculo” onde vampiros com “sex appeal” seduzem adolescentes. Aclamadíssimo em Festivais de cinema Fantástico, o filme sueco “Deixe Ela Entrar” (Let The Right One In, 2008) igualmente narra uma estória de amor impossível entre adolescentes, mas rompe com os principais cânones do gênero ao apresentar o vampiro não mais como encarnação, mas como representação do Mal: o vampiro abandona a adolescência dos “shopping centers” para ingressar na rotina da adolescência repleta de ambiguidades, indecisões e desejos de vingança.
segunda-feira, janeiro 09, 2012
Gnosticismo é o "Jazz" das Religiões
segunda-feira, janeiro 09, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Certa vez Louis Armstrong disse a um jornalista: "Cara, se você for perguntar o que é o Jazz, então nunca saberá". Algo semelhante ocorre com termos como "Gnosticismo" ou "Gnose" na história das religiões: devem ser mais experimentados do que compreendidos. Pelas suas próprias origens sincréticas (uma fusão de platonismo, neo-platonismo, estoicismo, budismo, antigas religiões semíticas e cristianismo), o Gnosticismo poderia ser facilmente comparado ao Jazz que, pelas suas origens, também foi resultante de intensas misturas e adaptações.
O que é Gnosticismo?
Seja pelo ponto de vista histórico (conjunto de seitas sincréticas de religiões
iniciatórias e escolas de conhecimento nos primeiros séculos da era cristã) ou
pelo ponto de vista dos renascimentos na era moderna (grupos e, por analogia, a
todos os movimentos que se baseiam no conhecimento secreto da “gnose”) são definições
que podem levar à generalização e confusão.
Mesmo com a
descoberta, em 1945, de textos gnósticos do século IV em Nag Hammadi (Egito),
muitos concordam que o tema ainda continua com muitos pontos dúbios.
Hoeller e Conner
preferem abordar o Gnosticismo como uma “atitude da mente” ou uma “predisposição
ideológica” que surge em ambientes de grande agitação artística e cultural. “Se
você é um artista sério, já é meio gnóstico”, afirma Conner. Nessas condições,
o Gnosticismo está fadado a um novo renascimento.
Mas há um consenso: o Gnosticismo e seus derivados
esotéricos nunca fizeram parte da cultura sancionada pelas instituições. Desde
o triunfo do cristianismo ortodoxo após Constantino, a tradição gnóstica entrou
para o subterrâneo dos movimentos sociais. Bem sucedido em seus canais subterrâneos,
eventualmente ofereceu a pensadores revolucionários e artistas subsídios
importantes para críticas aos sistemas opressivos políticos, sociais ou
culturais.
É por esse caminho que Miguel Conner (escritor
norte-americano de sci fi e editor/apresentador do programa radiofônico "Aeon
Bytes Gnostic Radio" - programa de debates e
entrevistas semanais sobre temas do Gnosticismo, literatura e cultura pop)
vai focar o Gnosticismo ao compará-lo ao Jazz no campo musical. Impossível de
ser definido, o Jazz escapa a qualquer descrição ou análise mecanicista. Para
Conner, o Gnosticismo se enquadraria nessa mesma natureza. Pelas suas próprias origens sincréticas (uma fusão de platonismo, neo-platonismo, estoicismo, budismo, antigas religiões semíticas e cristianismo), o Gnosticismo poderia ser facilmente comparado ao Jazz que, pelas suas origens, também foi resultante de intensas misturas e adaptações.
sábado, janeiro 07, 2012
Filme "Margin Call" despolitiza Crise Financeira
sábado, janeiro 07, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Margin Call – O Dia
Antes do Fim” (Margin Call, 2011) é um filme de reação ideológica às graves
denúncias sobre as origens da crise financeira global de 2008 (cujos
desdobramentos ainda continuam) feitas por documentários como “Trabalho Interno” de
Charles Ferguson ou “Capitalismo: Uma História de Amor” de Michael Moore. “Margin
Call” despolitiza os fundamentos da crise ao se levar a sério como um “thriller”
matemático-financeiro. Embarca no hermetismo dos números para subliminarmente
provar ao espectador leigo que, no final, toda a turbulência econômica surgiu por
“erros de estimativa de volatilidade”
colocando entre parêntesis os fatores demasiadamente humanos: relações
promíscuas das elites financeiras com o Estado e a Política.
É bastante conhecido o papel ideológico que Hollywood sempre
desempenhou, desde os esforços patrióticos durante a Segunda Guerra Mundial até
a chamada “Política de Boa Vizinhança” durante o governo do presidente
Roosevelt quando foi incentivada a promoção de artistas latino-americanos ao
estrelato cinematográfico como tática de cooptação política.
O que impressiona atualmente é o “timing” da
contra-propaganda ideológica dos filmes hollywoodianos.
Depois da explosão da bolha imobiliária e dos empréstimos
hipotecários que arrastaram os mercados globais para a crise em 2008, assistimos
às denúncias expostas por documentários como Trabalho Interno (Inside Job,
2010). Premiado com o Oscar de melhor documentário, o diretor Charles Ferguson deu
os nomes de diretores, executivos e empresas (de seguros, bancos de
investimentos etc.) e descreveu a engenharia financeira irresponsável que
torrou dinheiro público e fez poucos ficarem milionários com a explosão da
“bolha” financeira. E, o que é mais grave, demonstrou que os artífices dessa
engenharia estiveram conscientes o tempo todo, ao jogar em dois lados: ao mesmo
tempo em que apostavam deliberadamente na inadimplência das hipotecas,
asseguravam aos seus clientes a “saúde” financeira dos papéis podres que
comercializavam.
Em seguida
Hollywood contra-ataca com duas produções ficcionais: uma que glamouriza a
produção de fortunas nos mercados finananceiros; e a outra que traduz as
origens da crise financeira global em um “erro de cálculo”.
A primeira reação
foi o filme “Sem Limites” (Limitless, 2011) onde toda a suspeita da engenharia financeira de Wall Street é
“naturalizada” ou “matematicizada” através da estória da descoberta do
algoritmo de sucesso que garante a fortuna e o sucesso. Se o documentário
“Trabalho Interno” denunciava que todas as fortunas do mercado financeiro
provinham de “bolhas” criadas por falcatruas possibilitadas pela
desregulamentação e relações promíscuas entre Estado e especuladores, em “Sem
Limites”, ao contrário, o sucesso provém de fórmulas matemáticas e a utilização
total do cérebro através de “smart drugs”.
A segunda reação é o recente filme “Margin Call – O Dia
Antes do Fim”. Se no filme “Sem Limites” temos a história do algoritmo de
sucesso inventado por uma mente esperta, em “Margin Call” temos a estória de
algoritmos que produzem “números que não se somam” reduzindo a explicação da
crise financeira global a um “erro de estimativa dos índices de volatilidade”.
quarta-feira, janeiro 04, 2012
Há Semelhanças entre Jesus Cristo e Harry Potter?
quarta-feira, janeiro 04, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O que há em comum entre a figura bíblica de Jesus Cristo e o blockbuster literário e cinematográfico Harry Potter? Segundo Derek Murphy no livro “Jesus Potter, Harry Christ”, mais coisas do que imaginamos. Para ele são “modelos literários” ou “composições de mitológicos e filosóficos símbolos de salvação". Se Henry Potter é a recorrência da narrativa mítica da agonia-morte-ressurreição do herói, Jesus Cristo estaria conectado com toda uma tradição antiquíssima de deuses encarnados destinados à morte e ressurreição.
segunda-feira, janeiro 02, 2012
O Diabo tem um plano em "Querida, Voy a Comprar Cigarrillos y Vuelvo"
segunda-feira, janeiro 02, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Ter uma segunda chance para voltar no tempo e redimir-se das decisões
erradas na vida. Uma velha estória sempre contada pelos filmes hollywoodianos
sob um viés moralista. Mas no filme argentino “Querida, Voy a Comprar Cigarrillos y Vuelvo”
(2011) o tema vai mais além ao acrescentar o elemento do Fantástico: um homem
medíocre e fracassado faz um pacto faustiano com o demônio na tentativa de,
através do conhecimento do futuro, manipular o Tempo, o Destino e enganar o
próprio demônio. Através de uma narrativa irônica e de humor cáustico, cria-se
um clima ambíguo onde é impossível julgar o anti-herói. Indicado pelo nosso leitor Fabio Hofnik, o blog conferiu o filme.
Certa vez ouvi de alguém:
“Passamos metade da vida tentando corrigir os erros que cometemos na outra
metade.” É possível termos uma segunda chance depois de tomarmos consciência
das decisões erradas do passado? E se tivermos essa chance, teremos a sabedoria
e o livre-arbítrio para não cair nos mesmos erros?
Uma estória contada
seguidas vezes pelo mainstream
hollywoodiano, sempre pelo otimista viés moralista e religioso que nunca coloca
em questão um aspecto: o homem realmente quer mudar? Ou será que a mediocridade
e o obscurantismo a qual a vida nos reserva pode impedir essa mudança?
A dupla de diretores argentinos
Mariano Cohn e Gastón Duprat vai mais além ao tratar um tema tão recorrente acrescentando
o elemento do Fantástico: a presença do Mal através da figura de uma espécie de
demônio e a vitimização humana diante de uma realidade que o condena à
mediocridade. De um lado um antigo mercador (Eusebio Poncela) que, no século
III no Marrocos, é atingido duas vezes seguida por um raio tornando-se um ser
imortal que vaga pelo mundo propondo tratos e fazendo trapaças temporais. Do
outro, Ernesto (Emilio Disi), um sessentão que passa os dias queixando-se das
oportunidades que teve e fracassou, casado com uma mulher que a todo momento
joga na cara o seu fracasso.
sábado, dezembro 31, 2011
Você Sabe que é Gnóstico quando...
sábado, dezembro 31, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Miguel Conner, escritor norte-americano de sci fi e editor/apresentador do programa radiofônico "Aeon Bytes Gnostic Radio" (programa de debates e entrevistas semanais sobre temas do Gnosticismo, literatura e cultura pop), elaborou uma lista de itens que caracterizam se você é gnóstico. Apesar do tom irônico e, às vezes, engraçado, dá para perceber a seriedade das teses do gnosticismo em cada item. Mais do que isso, demonstram que o Gnosticismo não é uma religião, doutrina ou filosofia plenamente sistematizada como afirma Stephen Holler: "O Gnosticismo é uma certa atitude da mente, uma ambiência psicológica (...) um certo tipo de alma é, por sua própria natureza, gnóstica". Se pelo menos o leitor se enquadrar em um desses itens abaixo, pode se considerar com uma séria inclinação à visão de mundo gnóstica.
sexta-feira, dezembro 30, 2011
Os Fantasmas do Tempo no Filme "Christmas Carol"
sexta-feira, dezembro 30, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O livro “Christmas
Carol” (Um Cântico de Natal, 1843) de Charles Dickens é atemporal por
apresentar dois grandes arquétipos que marcarão a vida moderna: Fantasmas e o Tempo.
Ao fazerem uma adaptação usando animação digital (através da tecnologia de “captura
de performance”), a Walt Disney Pictures e o diretor Robert Zemeckis ("De Volta para o Futuro" e "Forrest Gump") produzem
um efeito paradoxal: esvaziam o olhar crítico de Dickens sobre o início da
modernidade ao reduzir a narrativa à estética videogame por meio de uma
tecnologia moderna. O Ocultismo e a problematização do Tempo, marcas da
literatura do século XIX como formas de questionar a modernidade, são temas
oportunos para uma reflexão nesses momentos que antecedem a celebração de Ano
Novo onde todos querem reter um momento do tempo, que então será passado.
O livro clássico de Charles Dickens “Christmas Carol” já recebeu centenas de adaptações. É um dos livros mais lidos,
lembrados e citados de todos os tempos. A narrativa conta a estória de Ebenezer
Scrooge, velho ranzinza e sovina que passou a vida inteira juntando uma
fortuna, desprezando qualquer contato com as pessoas. Ele odeia o Natal por
achar que é uma época onde as pessoas gastam mais do que têm e ironiza como
gente tão pobre pode ser feliz. Na noite de Natal recebe a visita de três
fantasmas (que mostram para ele as visões do passado, do presente e do futuro)
levando-o a uma transformação íntima e reavaliando o significado da vida.
Só para ficar no cinema (as adaptações do livro de Dickens
abrangem teatro, televisão, ópera, história em quadrinhos etc.) existem
adaptações desde 1901. Desde então praticamente toda década há alguma
adaptação, referência ou revisitação da obra, passando pelos mais diversos
gêneros.
De Walt Disney temos o personagem do Tio Patinhas (Uncle
Scrooge) inspirado no protagonista avarento do livro de Dickens, um curta de
1983 “Mickey’s Christmas Carol” e o recente “Os Fantasmas de Scrooge” (Christmas
Carol, 2009) dirigido por Robert Zemeckis (“De Volta para o Futuro”, “Forrest
Gump” e “Contato”).
Essa produção repete a velha fórmula dos estúdios Disney: a
capacidade de lidar com temas trágicos, pesados e adultos de uma forma
divertida para crianças e jovens ao diluir simbolismos arquetípicos. No caso da
adaptação de Zemeckis, a utilização da tecnologia chamada “captura de
performance” onde a animação digital é feita a partir do escaneamento das
expressões dos atores. O diretor já havia utilizado essa tecnologia em “A lenda
de Bewulf” e “Expresso Polar”, mas em “Os Fantasmas de Scrooge” há um estranho
efeito: se a maior qualidade do conto de Dickens é a sua atemporalidade, na
produção Disney a tecnologia converte a narrativa, em muitos momentos, em um
videogame com cenas de ação desnecessárias. Os grandes temas arquetípicos da
obra de Dickens (que induzem à reflexão existencial e moral das ações humanas) são
esvaziados pelo ritmo frenético e uma estética cujas opções que o protagonista
sovina tem que tomar parecem alternativas de um game em computador.
quarta-feira, dezembro 28, 2011
O Filme "El Método" e a "Gameficação" da Realidade
quarta-feira, dezembro 28, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Games de simulações de atividades militares, administrativas etc. poderiam representar que a própria realidade pretensamente simulada já é, igualmente, um game? A “gameficação”,isto é, a exploração do elemento “lúdico” como ferramenta de administração treinamento, gestão etc, seria o sintoma da "gameficação" da própria realidade? O filme "O Que Você Faria? (El Método, 2005) remete a essas questões ao denunciar que as organizações atuais estão se convertendo em games perversos e autistas.
quarta-feira, dezembro 21, 2011
Papai-Noel Vinga-se do Cristianismo no Filme "Uma Noite de Fúria"
quarta-feira, dezembro 21, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um filme “trash” como “Uma
Noite de Fúria” (Santa’s Slay, 2005) trás muito mais verdades do que toda a
filmografia que pretende trazer fé e esperança por meio de uma figura tão
controvertida como Papai-Noel. A recorrência de filmes que apresentam uma visão
“pagã” ou “satânica” do mito natalino, confirma as origens histórico-políticas de Papai-Noel: Santa Claus e Satã são os dois lados de uma mesma
moeda criada pela Igreja para que o Cristianismo ganhasse hegemonia sobre
culturas dominadas por rituais de fertilidade que relembravam os ciclos da
natureza, morte e renascimento.
Em postagem anterior, ao analisarmos o filme finlandês “Rare
Exports: A Christmas Tale”, cujo diretor foi buscar no folclore finlandês as
origens pagãs do Papai-Noel (selvagem, sem nenhuma boa vontade e perseguidor de
crianças), discutíamos a existência de um imaginário subterrâneo no mito
natalino, muito recorrente no cinema. Um imaginário bem diferente e menos
altruísta do que a tradição cristã que credita as origens de Papai-Noel a São
Nicolau (século IV DC).
A lista de filmes que apresenta essa visão “alternativa” do
Papai-Noel (ou “Santa Claus”) é imensa. Só para listar alguns: Bad Santa (2003), Black Christmas (1974),
Christmas Evil (1980), Silent Night, Deadly Night (1984), Jack Frost (1996),
Don´t Open Till Christmas (1984) etc. Definitivamente, não são filmes recomendáveis para serem assistidos na noite de Natal, mas dão o que pensar:
porque essa recorrência dessa figura maligna do Papai-Noel no cinema? Apenas exemplos da estética
trash? Filmes que simplesmente querem romper com a monotonia da figura do bom
velhinho? Ou simplesmente diversão sadomasoquista?
Se acreditarmos que os filmes são muito mais do que mero
entretenimento, mas documentos primários para estudarmos a sensibilidade, o
imaginário ou os sintomas culturais de uma época, então temos que levar a sério
a recorrência de certos temas, simbologias ou iconografias nas narrativas
fílmicas. Evitar o julgamento simplista que pretende descartar filmes sob rótulos como "comercial", “trash” ou "de entretenimento". Em outras palavras, recorrências no cinema sempre são sintomas de sérios conteúdos
antropológicos ou culturais da espécie (mitos, arquétipos, imaginários,
mitologias etc.).
O filme “Uma Noite de Fúria” (Santa’s Slay, 2005) é mais um
exemplo de filme que explora esse imaginário subterrâneo do Papai-Noel. Mesmo para
quem não gosta do gênero, o filme vale pela sequência inicial: uma família vai
iniciar a ceia de Natal (com participações especiais de James Caan, Fran Drescher, Chris Kattan etc.) entre
diálogos ríspidos e cínicos com acusações veladas e ironias sobre infidelidade,
preconceitos e um peru que virou “sola de sapato” de tão duro. De repente, eis
que desce pela chaminé, destruindo todos os tijolos da lareira, um Papai-Noel
com a aparência de um viking enlouquecido que inicia uma bizarra série de
assassinatos, massacrando toda a problemática família.
segunda-feira, dezembro 19, 2011
Papai-Noel Pode Matar em "Rare Exports: a Christmas Tale"
segunda-feira, dezembro 19, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Se Papai Noel é um personagem tão altruísta, por que ele trabalha na clandestinidade? Por que muitas crianças temem a figura de Papai Noel em shoppings e parques? Por que a constante presença de papais-noéis assassinos e aterrorizantes na cinematografia? Essas questões em relação ao mito do Papai Noel são as motivações para o jovem diretor finlandês Jalmari Helander a desconstruir o imaginário desse personagem. Jalmari vai buscar as origens do mito natalino no folclore pagão, anterior à conversão cristã e norte-americana através da publicidade da Coca-Cola: há um imaginário subterrâneo e esquecido em torno do mito do Papai-Noel que insistentemente ressurge na cultura.
Jalmari tem dedicado sua carreira a expor a verdade de que o Papai Noel não é tão bom quanto parece. Após dois curtas premiados sobre o tema (a origem Finlandesa do personagem, antes da sua reconversão pela Coca-Cola no século XX), o diretor nos premia com essa pequena pérola do fantástico: “Rare Exports: a Christmas Tale”, vencedor de festivais do gênero terror e fantástico como Locamo na Suiça e Sitges na Catalunha.
Por que muitas crianças choram de medo na presença dessas figuras que habitam shopping centers e lojas no natal? Por que insistentemente o cinema de terror explora esse lado assustador do personagem (por exemplo: "Elves" - 1989 ou "Santa's Slay" - 2005)? Há até um nome para esse tipo de fobia infantil: coulrofobia, o medo que se estende, também, para a presença de palhaços ou "clowns".
Embora as origens oficiais ou cristã do Papai-Noel (ou "Santa Claus") estejam associadas à figura de São Nicolau, um jovem bispo de Myra (Turquia) do século IV DC (conhecido pela generosidade e por dar presentes, tornado-se o santo padroeiro das crianças), há uma origem pagã anterior a sua conversão pela Igreja. Uma origem de moralidade ambígua e cruel, própria das origens dos contos de fadas que acabou sedimentando-se em um imaginário subterrâneo que resiste aos tempos.
sexta-feira, dezembro 16, 2011
Segundo Aniversário do Blog "Cinema Secreto: Cinegnose" - um resumo
sexta-feira, dezembro 16, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
No dia 8 de dezembro de 2009 era publicado o primeiro post do blog “Cinema Secreto: Cinegnose”: “O Filme Gnóstico: uma Introdução”. O Blog é uma continuidade do projeto de mestrado desenvolvido na Universidade Anhembi Morumbi entre 2007 e 2009 “Cinegnose: a recorrência de elementos gnósticos na recente produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005)” sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Antônio Vadico e do Grupo de Pesquisa CNPQ “Religião e Sagrado no Cinema e Audiovisual”.
A principal preocupação editorial do Blog nesse segundo ano
foi a de trazer para a prática as reflexões da filosofia gnóstica. Depois do
primeiro ano onde a preocupação inicial era amadurecer os principais pontos
filosóficos, teológicos e cosmológicos do Gnosticismo, além de dar aos leitores
a sua dimensão histórica (origem, evolução e, principalmente, o atual “revival”
na indústria do entretenimento), nesse segundo ano procuramos dar uma linha
menos “doutrinária”.
Percebíamos na oportunidade que o termo “gnosticismo” estava
carregado de uma percepção religiosa, sectária ou doutrinária. A filosofia
gnóstica pode ser tudo, menos isso: pelo contrário, ao sustentar posições
heréticas e anti-religiosas por oferecer uma compreensão “invertida” e teologicamente
“negativa”, o Gnosticismo se situa historicamente numa posição underground de
rebelião.
Nesse segundo ano, portanto, o blog procurou seguir duas
linhas editoriais: primeiro, uma massiva análise fílmica indo para além dos
clássicos filmes gnósticos na área sci fi, fantástico etc. Procuramos
demonstrar que as narrativas míticas e arquétipos gnósticos estão presentes em
diversos gêneros, desde dramas ou animações hollywoodianos (“O Paraíso é logo Ali” ou “Kung Fu Panda”, filmes “trashs” e indepentes (“Ultrachrist” e
“Rubber, o Pneu Assassino”) e produções audiovisuais (Mister Maker: o sabor gnóstico para crianças).
terça-feira, dezembro 13, 2011
O Olhar Gnóstico de Kubrick
terça-feira, dezembro 13, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Recluso e avesso a jornalistas, o cineasta Stanley Kubrick revela em uma das suas poucas entrevistas um olhar bem particular para a vida: para ele, vivemos em um Universo indiferente e sem sentido que corrói a nossa vontade de viver. Nossa única saída seria desafiar essa indiferença ao suprir de Luz a "vasta escuridão" da existência. Esse olhar gnóstico pode ser a chave de compreensão da obra de Kubrick, principalmente da chamada "Trilogia Star Child": "Dr. Fantástico", "2001" e "Laranja Mecânica".
Semana passada li o livro "Stanley Kubrick Interviews". O diretor de clássicos como "Laranja Mecânica", "O Iluminado" e "Barry Lyndon" era avesso a entrevistas: preferia que os filmes falassem por ele. Esse livro reúne as poucas entrevistas do recluso cineasta falecido em 1999, abrangendo o período que vai de 1959 a 1987, revelando diversos interesses de Kubrick tais como a exploração espacial, psicanálise, efeitos da violência e religião.
O destaque é uma entrevista concedida a Eric Nordern para a revista "Playboy" em 1968. Na oportunidade Kubrick revelou uma surpreendente visão gnóstica da existência
cuja convicção pode ser a chave de entendimento na análise dos filmes do
diretor, principalmente das produções da trilogia dessa época iniciada com “Dr.
Fantástico” em 1964 e encerrada com “Laranja Mecânica” em 1971, a chamada trilogia
“Star Child”, como veremos abaixo.
Primeiro, vejamos esse trecho da entrevista de Kubrick a Eric Norden
onde discute uma especial forma de niilismo diante da existência: a maneira de
lidar com um Universo indiferente e sem sentido a partir do resgate do
“imaculado sentido de admiração das coisas simples” da infância, esquecido por
nós na medida em que desenvolvemos a consciência da morte na vida adulta:
domingo, dezembro 11, 2011
A Princesa não quer acordar em "A Bela Adormecida"
domingo, dezembro 11, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Concorrente à Palma de Ouro em Cannes, “A Bela Adormecida” (Sleeping
Beauty, 2011) da estreante diretora australiana Julia Leigh desconstrói o conto
de fadas clássico: e se a princesa não quisesse acordar? O cenário é o de uma
sociedade onde o trabalho foi precarizado e a “princesa” é uma “freelance” numa
roda-viva de subempregos marcada pela frieza emocional e onde príncipes foram
substituídos por um submundo de milionários sexualmente pervertidos em uma
mansão de “serviços à inglesa”.
Na versão original do francês Charles Perrault do conto “A Bela Adormecida” uma princesa é amaldiçoada a
dormir por cem anos até ser despertada pelo beijo de um belo e corajoso príncipe
que enfrentou uma floresta de espinhos venenosos para entrar no castelo. Cinquenta e dois anos depois da última releitura desse conto por Walt Disney em 1959, a
escritora australiana Julia Leigh ("The Hunter" e "Disquiet"), em sua estreia como diretora, revisita a
clássica estória de uma forma invertida: e se a princesa não quisesse acordar? Ela
não possui um reino, mas é solitária. E sempre visitada por homens que não são
mais príncipes, mas visitantes de uma só noite que se aproveitam sexualmente
dela enquanto está imersa no seu sono voluntário.
Indicado à Palma de Ouro
de Cannes nesse ano, o filme “A Bela Adormecida” reduz o clássico conto de
fadas ao seu núcleo mítico ou arquetípico: o sono e o esquecimento. Através de
uma narrativa estranha, espectral, etérea e fria narra a trajetória de uma “princesa”
contemporânea, Lucy (Emily Browning), uma estudante universitária em Sidney, Austrália,
de pele branca leitosa e cabelos de cor vermelho-ouro, onde, tal qual um
hamster correndo em uma roda de gaiola, vive em uma ciranda de subempregos e
identidades fragmentadas: cobaia remunerada de um laboratório, garçonete em um
café, operadora de uma fotocopiadora em um escritório e, ocasionalmente,
prostituta em pubs frequentados por yuppies.
Como pano de fundo, uma
relação complicada com a mãe alcoólatra e com um amigo chamado Birdman que também
está lentamente morrendo no alcoolismo e com quem Lucy, estranhamente, tem uma
relação de culpa. Aliás, também é estranha a roda-viva de subempregos à qual
Lucy se submete: tal como um zumbi, sem expressar sentimentos, automaticamente
exerce suas funções. Ela parece uma sonâmbula que voluntariamente quer se esquecer
de algo como forma de proteção emocional.
quarta-feira, dezembro 07, 2011
A "Religião das Máquinas" no Filme "13° Andar"
quarta-feira, dezembro 07, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O sucesso de crítica e
de público de “Matrix” (1999) acabou, à época, eclipsando o filme “13° Andar”
(The Thirteenth Floor, 1999) , considerado muito superior. Embora guardassem aspirações
bastante similares (discutir a condição humana diante das tecnologias de
simulação e virtualização), “13° Andar” substituiu a profusão de referências e
diálogos filosóficos de “Matrix” (uma estratégia desesperada para justificar
lutas marciais, ação e bullet-times) por uma narrativa que por si mesma instigava
essas questões filosóficas. Porém, ambos os filmes se tornaram documentos do
imaginário tecnocientífico dominante no final de século XX onde associava a
tecnologia computacional com uma motivação mística por transcendência
espiritual, uma verdadeira “religião das máquinas”.
Se o historiador francês Marc Ferro estiver correto, todo
filme é uma representação da sensibilidade ou do imaginário de determinada
época, tornando, especialmente o cinema de ficção, um excelente caminho para a
história psicossocial, nunca atingida pela análise de outros tipos de
documentos (Veja FERRO, Marc. Cinema e História, São Paulo: Paz e Terra, 1992.
No final da década de 1990, dois filmes marcaram o ápice de
um ciber-imaginário marcado pelo crescimento especulativo da Internet,
tecnologias computacionais e realidade virtual: “Matrix” e o “13° Andar”, ambos
lançados em 1999.
A partir do lançamento bombástico do Windows 95 toda a
imprensa especializada e produções acadêmicas foram tomadas por duas tendências
distintas: primeiro, pelo espírito messiânico que via nas tecnologias virtuais o
potencial para revolucionar a economia real e, ao mesmo tempo, o crescimento
das técnicas motivacionais ou de auto-ajuda explicitamente baseados em modelos
computacionais (o cérebro e o próprio Self como um software reprogramável). E,
segundo, o espírito distópico que via na virtualização do real uma armadilha na
qual a humanidade cairia ao esquecer as demandas da realidade.
Porém, essas duas visões distintas guardavam algo em comum:
o ciber-misticismo. Os filmes “Matrix” e o “13° Andar” representaram essa
síntese de final de século ao unir através do cibermisticismo esses dois
enfoques opostos dos mundos tecno-empresarial e acadêmico. Ambos os filmes aproximam
tecnociência e misticismo ao apresentarem a tecnologia computacional como
mediação possível para a transcendência espiritual.
segunda-feira, dezembro 05, 2011
"O Clube da Luta": a Busca da Gnose entre o Consumismo e a Violência
segunda-feira, dezembro 05, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A atmosfera
distópica e niilista do filme “O Clube da Luta” (Fight Club, 1999) do diretor
David Fincher (“A Rede Social”) cria um cenário trágico, mas, principalmente,
ambíguo. O filme parece ter sido composto dentro de uma “zona cinza”, entre a
vida obscura e anônima onde alimentamos sonhos de consumo e a busca de alguma
saída messiânica, negativa e totalitária. A narrativa procura o meio termo: a
busca da iluminação espiritual por meio da busca de si mesmo através do
silenciamento do corpo e do pensamento, nem que seja através da violência.
Buscar a iluminação através do desprezo pelo “mísero composto universal” do
qual fazemos parte.
Incomunicabilidade, alienação e impossibilidade de
transformação são temas recorrentes na filmografia do diretor David Fincher:
entre o recente “A Rede Social” (onde um gênio em algoritmos de Havard com
grande dificuldade em se relacionar desconta sua ansiedade difamando pessoas em
um blog) e o mais antigo “Vidas em Jogo” de 1997 (um milionário frio e
solitário é submetido a um tratamento de choque por meio de um "roller play game" contratado pelo irmão na esperança de conscientizá-lo), temos o cultuado e
enigmático “Clube da Luta” com os mesmos temas, porém carregado de uma
ambiguidade explosiva como veremos abaixo.
Baseado no livro homônimo de Chuck Palahniuk de 1996, para
Fincher o grande tema de “Clube da Luta” era a emancipação assim como os filmes
“A Primeira Noite de um Homem” (The Graduate, 1969) ou “Juventude Transviada”
(Rebel Whithout a Cause, 1955), mas, dessa vez, para jovens adultos na faixa
dos 30 que vivem na sociedade atual que impede o amadurecimento: “fomos
projetados para sermos caçadores, mas vivemos em uma sociedade de shoppings.
Não há mais pelo que caçar, pelo que lutar, superar ou explorar. No interior
dessa sociedade da castração é que foi criado o protagonista do filme”, afirma
Fincher para completar: “para o protagonista encontrar a felicidade o único
caminho possível será viajar através de uma iluminação no qual mate seus
familiares, seu deus e seu professor” (VEJA Smith, Gavin (Sep/Oct 1999). "Inside Out: Gavin Smith Goes
One-on-One with David Fincher". Film Comment 35 (5): pp. 58–62, 65,
67–68.)
sexta-feira, dezembro 02, 2011
Será a Realidade um Filme Mal Produzido? (Parte 3) - Filmes "Mad City" e "Wag the Dog"
sexta-feira, dezembro 02, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Com essa postagem encerramos a
trilogia sobre as mutações na percepção da realidade. Na década de 1990 dois
filmes iniciam uma nova visão crítica da mídia e do Jornalismo: “O Quarto Poder”
(Mad City, 1997) de Costa Gavras e “Mera coincidência” (“Wag The Dog”, 1997) de
Barry Levinson. Em ambos os filmes a crítica não está mais na manipulação
política dos fatos por jornalistas e interesses econômicos, mas em uma denúncia
“metafísica” de que a realidade estaria tornando-se um “constructo” do próprio
aparato midiático que pretende representá-la como notícia e informação. A realidade
progressivamente assume aspectos de um estúdio de TV a céu aberto a tal ponto
que não mais se distingue a verdade e a mentira, a ficção e a realidade.
A década de 1990 foi marcada por uma safra de filmes
hollywoodianos que começam a tematizar as relações da mídia e jornalismo não
apenas com os fatos ou as notícias, mas com a própria realidade. Se em outras
décadas tivemos diversos filmes que denunciavam o caráter manipulador dos
interesses políticos e econômicos de repórteres e dos conglomerados midiáticos
(A Montanha dos Sete Abutres, 1951; Todos os Homens do Presidente, 1976;
Network: Rede de Intrigas, 1976 etc.), na década de 1990 acompanhamos produções
que vão além da denúncia da manipulação ao lançar uma estranha suspeita: o que
entendemos como “realidade” pode estar se tornando um gigantesco estúdio onde
acontecimentos são produzidos direta ou indiretamente pela presença dos
aparatos de captação do real (câmeras, microfones, repórteres etc.): Ed TV
(1999), Show de Truman (Truman Show, 1998), Herói por Acidente (Hero, 1992), O
Quarto Poder (Mad City, 1997), Mera Coincidência, (Wag the Dog, 1997) etc.
Vejamos o caso do filme “O
Quarto Poder”. Desde o filme “Z” (1969) sobre abusos da ditadura militar na
Grécia, Costa Gavras se notabilizou como adepto do cinema político, mas nesse
filme em particular o diretor abandona o campo da política institucional (o
Estado, o Poder, a Repressão Política etc.) para entrar no ambíguo tema do jogo
de mútuos reflexos entre mídia e realidade.
terça-feira, novembro 29, 2011
Será a Realidade um Filme Mal Produzido? (Parte 2) - Umberto Eco
terça-feira, novembro 29, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O italiano Umberto Eco no seu livro "Travels in Hyperreality" de 1983 (no Brasil, “Viagens na Irrealidade Cotidiana”) fez uma série de observações extremas que, três décadas depois foram confirmadas e, em alguns casos, até superadas: imitações e réplicas ficarão tecnologicamente superioras à própria realidade a tal ponto iriam contaminar o real e a História. Isso Umberto Eco verificou no mundo dos museus e do turismo, mas é na TV que essa tendência seria mais dramática: de janela aberta para o mundo e testemunha ocular da História, a TV se transformaria em uma entidade autista e em um aparato criador de realidades: os chamados "eventos-encenação".
Ao lado do norte-americano Daniel Boorstin (discutido na
postagem anterior), o escritor e semiólogo italiano Umberto Eco foi um dos
primeiros teóricos da simulação. Nos anos 70 Eco empreendeu uma excursão pelos
EUA para obter, em primeira mão, um olhar para as imitações e réplicas que
estavam expostas em museus e parques temáticos e turísticos no país. O
resultado foi uma série de ensaios que resultou no livro clássico “Travels in
Hiperreality”.
Lendo hoje, percebemos no trabalho uma estranha qualidade: a combinação de filosofia pós-moderna com o estilo das colunas de turismo dos
jornais de final de semana, porém, cheio de descrições sardônicas.
Desempenhando o
papel simultâneo de crítico cultural e guia turístico, leva o leitor através da paisagem
americana que, ele diz, estaria recriando uma falsa História, uma falsa arte,
natureza e cidades. Ao longo do caminho, ele
examina uma reprodução do Salão Oval do ex-presidente Lyndon Johnson, e passa
por uma reconstrução do laboratório de uma bruxa medieval, onde gritos gravados
do que parecem ser de bruxas na fogueira podem ser ouvidos ao fundo. Ele visita museus de cera onde
obras de arte são recriadas e, muitas vezes, reinventadas de forma inesperada,
resultando em mutações culturais como uma estátua de cera da Mona Lisa e uma cópia
da Vênus de Milo "restaurada", com braços.
O mais notável nesses ensaios é que, três décadas
depois de publicados, muito das suas observações extremas foram confirmadas e,
em alguns casos, superadas.
O melhor exemplo é o do ensaio “Televisão: a
Transparência Perdida” onde cria dois conceitos hoje clássicos na Teoria da
Comunicação – Paleotevê e Neotevê.
domingo, novembro 27, 2011
Será a Realidade um Filme Mal Produzido? (Parte 1)
domingo, novembro 27, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Daniel Boorstin |
“(...) a sociologia, a análise econômica, a análise de poder
etc. Sem prejuízo do que todas essas veneráveis ciências são capazes, incorrem
elas num erro fundamental. Não consideram a possibilidade de que a própria
realidade, inclusive toda a sociologia, a ciência econômica etc., possa ser um
filme mal produzido.” (GROYS, Boris. “Deuses Escravizados”).
E se considerarmos
que a própria realidade, cercada por um ambiente altamente midiatizado pelas tecnologias
de comunicação e informação, estivesse se tornando, ela própria, um campo de eventos
cada vez mais artificiais? Explicando melhor, e se a própria estrutura dos
acontecimentos fosse cada vez mais moldada ou influenciada pela presença
massiva dessas tecnologias ao ponto de que os eventos progressivamente se
esvaziassem em seu estatuto ontológico, isto é, como fatos fechados em si
mesmo, espontâneos, históricos?
O “erro fundamental” a que se refere a citação acima do teórico de mídia e filósofo Boris Groys seria o de que as metodologias das ciências humanas ainda
não perceberam esta espécie de paradoxo quântico na relação das mídias diante
da própria realidade: o olhar do observador altera o transcorrer dos próprios
fenômenos que ele quer observar. E se o social, o político e o econômico
tiverem o seu vir-a-ser determinado pela existência das mídias que os observam?
Ao Consumir as imagens dos eventos através das mídias ainda as tomamos pela
tradicional noção ontológica de realidade, mas, ao contrário, há muito tempo deixaram
de serem imagens da realidade para se tornarem cada vez mais representações de
representações (simulacros) que tomamos como o próprio real. O que chamamos de
realidade já teria se reduzido a uma fina interface gerada pelos códigos
midiáticos.
Essa dúvida
epistemológica levantada por Groys em relação às ciências sociais de que o próprio
objeto de estudos estaria perdendo o status ontológico se insere em toda a
discussão dos pós-modernos sobre os conceitos de Simulacro e Simulação e a
suspeita de que a realidade é um “constructo” ao melhor estilo “Show de Truman”
ou “Matrix”.
sábado, novembro 26, 2011
Alquimia e Morte em "Perfume: a História de um Assassino"
sábado, novembro 26, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Considerado inadaptável à linguagem cinematográfica,
o livro “Das Parfum” de Patrick Süskind foi finalmente roteirizado para o
cinema em 2006. O resultado foi o filme “Perfume:
a História de um Assassino” (Das Parfum) pelo diretor Tom Tykwer
de “Corra, Lola, Corra” (1998). O filme narra como a busca alquímica da
quintessência dos perfumes (a soma das flagrâncias das mais belas mulheres do
mundo) pode resultar em uma série de assassinatos. O anseio pela experiência do
sublime e do espiritual pode se converter no seu oposto: a morte e o horror.
“Perfume:
a história de um assassino” é um filme baseado no livro "Perfume" de Patrick
Süskind de 1985. Vendeu mais de 15 milhões de cópias e foi traduzido para
quarenta línguas. Süskind acreditava que somente dois diretores de cinema
poderiam fazer justiça ao seu livro: Stanley Kubrick e Milos Forman. Mas o livro
foi considerado inadaptável para a linguagem cinematográfica. No depoimento do
roteirista do filme Bernd Eichinger: “o protagonista da estória não se
expressa. Um escritor pode usar a narrativa para compensar isso; mas não é
possível em um filme. O espectador só pode ter algum sentimento por um
personagem se ele fala.”
Isso porque o protagonista (Jean-Baptiste Grenouille) é a própria encarnação do
Absoluto no sentido metafísico.
Jean-Baptiste nasceu com um poder espacial: o sentido do olfato apuradíssimo,
capaz de distinguir flagrâncias as mais refinadas e etérias em meio ao caos de
percepções do cotidiano. Ele tinha um olfato extremamente desenvolvido, o que
lhe permitia reconhecer os odores mais imperceptíveis. Conseguia cheirá–los por
mais longe que estivessem e armazenava–os todos em sua memória, também
excepcional para relembrar aromas. Nascido em um fétido mercado de peixes de
Paris e jogado pela mãe, ainda recém-nascido, no meio de vísceras e escamas
apodrecidas, o poder do protagonista é dotado de um simbolismo: a necessidade
da transcendência do humano em meio ao caos disforme da matéria bruta.
quinta-feira, novembro 24, 2011
No Filme "Zelig" Woody Allen faz uma Fábula sobre a Psicologia de Massas do Século XX
quinta-feira, novembro 24, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Woody Allen conseguiu transformar o seu filme “Zelig” (1983)
em uma narrativa que se mantém sempre atual: por meio do humor sardônico do gênero
pseudo-documentário conseguiu didaticamente apresentar as origens da cultura narcísica das celebridades contemporâneas e, através da personagem da doutora Eudora
Fletcher (Mia Farrow) descrever as principais teses do século XX sobre a
Psicologia de Massas.
“Zelig” talvez seja o primeiro filme do gênero "mockmentary" ou pseudo-documentário. Satírico por natureza, nesse gênero o diretor tem a
liberdade de construir argumentos baseando-se em falsas premissas para, dessa
forma, criar um fato hipotético. O semiólogo italiano Umberto Eco chamaria isso
de “verdade parabólica”: criar uma relação indireta com o real por meio de
simbolismos, paródias, paráfrases etc. É um gênero que ganha cada vez mais
força como o controverso “Borat” (2006), “Cloverfield: Monstro” (Cloverfield, 2008)
e “A Bruxa de Blair” (The Blair Witch Project, 1999).
Mas o filme “Zelig” estava à frente do seu tempo. O pseudo-documentário
é ambientado na década de 1920 e 30 e fala sobre Leonard Zelig (Woody Allen),
um homem pacato e desinteressante que passaria anônimo na história, não fosse a
estranha capacidade de transformar sua aparência na das pessoas que o cercam
(na presença de chineses adquire traços orientais, na presença de judeus
transforma-se num rabino etc.). É o “camaleão humano”, estranho caso que
intriga psicólogos, psiquiatras e neurologistas que não conseguem chegar a um
diagnóstico. Com o auxílio da técnica do “croma key” Woody Allen inseriu seu
personagem e outros atores em imagens reais de cinejornais da época,
antecipando técnicas usadas em filmes como “Forrest Gump” (1994).
Para diluir ainda mais os limites entre realidade e ficção,
o filme conta ainda com a participação de figuras reais do mundo acadêmico como
a ensaísta Susan Sontag, o psicólogo Bruno Bettelheim e o escritor vencedor do
prêmio Nobel Saul Bellow, entre outros.
quarta-feira, novembro 23, 2011
O Futuro como Profecia Auto-Realizadora no filme "O Pagamento"
quarta-feira, novembro 23, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Embora seja a pior adaptação no cinema de uma obra do escritor norte-americano de sci fi Phip K. Dick, o Pagamento (Paycheck, 2003) propõe a discussão de um interessante paradoxo temporal: a profecia auto-realizadora como tática de engenharia de opinião pública para que futuros alternativos sejam induzidos e manipulados. Mentiras ou boatos podem paradoxalmente se auto-realizarem como verdades. Isaac Assimov chamava isso de "Psicohistória".
Desde o filme “O Caçador de Andróides” (Blade Runner, 1982),
Hollywood descobriu o escritor de ficção científica assumidamente gnóstico
Philip K. Dick. A maioria das adaptações de seus contos ou livros completos
obtiveram sucesso comercial ou crítico: “O Caçador de Andróides”, “O Vingador
do Futuro”, “Screamers”, “Minority Report”, “Scanner Darkly” e o recente "Agentes do Destino". Porém, o
filme “O Pagamento” foi certamente a pior das adaptações.
Logicamente, a culpa não foi de K. Dick mas dos produtores
por convidarem John Woo, diretor que se notabilizou pela prioridade às cenas de
ação em seus filmes (“A Outra Face” e “Missão Impossível 2”). Para quem está
familiarizado com a obra e filmes baseados em Philip K. Dick facilmente reconhecemos em “O Pagamento” alguns dos seus temas mais caros: perda da memória e paradoxos
temporais. Mas John Woo, ao adaptar a estória de ficção científica
transformou-a, no final, em uma mera narrativa de ação.
Por isso, vamos resgatar nessa postagem o tema que acreditamos
seja o principal na obra “Paycheck” e que foi pouco desenvolvido pela direção
de John Woo: o paradoxo do tempo recursivo.
Primeiro vamos fazer uma breve sinopse: Michael Jennings
(Ben Affleck) é um especialista em engenharia reversa: analisa o produto da
empresa concorrente e desenha uma nova versão que excede as características
originais. Ao finalizar esse trabalho, suas memórias correspondentes ao período
de tempo em que trabalhou são apagadas com a ajuda técnica do seu amigo Shorty
(Paul Giamatti) para proteger a propriedade intelectual de seus clientes.
James Hethrick (Aaron Eckhart), CEO da empresa Allcom,
oferece um misterioso trabalho que envolve um projeto ultra-secreto da área de
ótica, com uma duração de no mínimo três anos. Em troca do apagamento das
memórias desse período, Hethrick oferece participação nas ações da empresa. Ele
completa o trabalho e descobre que desistiu dos milhões de dólares em ações em
troca de um enigmático envelope contendo uma série 20 diferentes objetos,
aparentemente sem nenhum nexo: chave, um maço de cigarros, óculos de sol, uma
bala de revólver.
Por que desistiu de uma fortuna em ações por um envelope
contendo esses prosaicos objetos? Perplexo, Jennings se vê numa situação onde a
Allcom tenta matá-lo, ao mesmo tempo em que agentes do FBI tentam capturá-lo
por suspeita de um crime que não lembra ter cometido.
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