Se no domingo anterior o ministro Alexandre de Moraes puxou o freio para equilibrar o debate na Band ao mandar excluir o vídeo “pintou o clima”, nesse domingo mais uma vez o ministro entra em cena determinado a prisão do ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) que recebeu os policiais federais com pompa e circunstância cinematográficas, ao estilo Tony Montana de “Scarface”. A icônica cena do “Padre” Kelmon ladeado pelo Bob Jeff vestido para a guerra e um agente que mais parecia ter saído de algum conflito do Oriente Médio, aponta para um evento dramaturgicamente coreografado. Com todos os indícios de uma operação “False Flag”: recorrência, sincronismo, canastrice e timing. Bob Jeff, aquele que nada tem a perder se auto-imolando, desempenha seu último papel: o de “apito de cachorro” para desviar a atenção do distinto público do incômodo sincericídio de Paulo Guedes, e chamar os brios do núcleo armado bolsonarista que legitime uma eventual operação de Garantia de Lei e Ordem. Ou antes ou depois da eleição.
Recorrência, sincronismo, canastrice, timing. Somando tudo isso e acrescentando a figura infame de Roberto Jefferson (aquele que acendeu o rastilho do “Big Bang” que deu início ao processo que deu no atual estado de coisas – a denúncia do “mensalão" em plena CPI dos Correios em 2005, no qual estava indiciado), temos o cenário de uma perfeita false flag ou estratégia de “bandeira falsa”: tática diversionista militar de criar operações que aparentam ser do inimigo de modo a tirar partido das consequências resultantes.
Parecendo um daqueles atores formados pelo método da Actor’s Studio (o ator não deve representar, mas ser o próprio personagem arrancando do próprio psiquismo a energia para a encenação), Bob Jeff não conseguiu sair do papel e incorporou o personagem Tony Montana (Al Pacino, também formado pelo “Método”) e quis emular o icônico final de cocaína e sangue de Scarface.
Afinal, o ex-advogado e ex-deputado nada mais tem a perder: com um câncer no pâncreas, além de rejeitado pela própria família e pelo partido. E com grandes serviços já prestados como homem-bomba. Então, porque não o ser pela última vez. Só que os estilhaços da explosão atingiram alguns agentes/atores da Polícia Federal em cena.
Primeiro lugar, a canastrice de toda a performance dos envolvidos. Para começar, as linhas de diálogo ao nível dos dramalhões de Glória Magadan ou Janete Claire: “Eu vi minha mulher chorando e eu fiquei impotente vendo policiais com seus coturnos pisando nas calcinhas e sutiãs dela...por crime de opinião... eu não sou do PCC, eu não sou Marcola”. Linhas de diálogo over, mas tudo estudado e com método: aproveitando para fazer um recall da tentativa de conectar metonimicamente PCC e PT – semiose infernal: Alexandre Moraes (supostamente ativista judicial pró-PT) Þ manda prender Bob Jeff Þ que diz que não é do PCC Þ recall do “Xandão” petista.
Tudo já estava armado: Roberto Jefferson já sabia que a PF (junto com a não menos infame PRF – duas instituições aparelhadíssimas) estava indo para sua residência, além da ida do Ministro da Justiça para o Rio “negociar” sua prisão.
A polícia chega e encontra um homem calmo e metódico (gravando vídeos para publicar nas redes), já vestido com um traje de campanha e um colete cargo com a bandeira nacional para, em outro vídeo, vermos Bob Jeff travando um diálogo com um educado policial quase se desculpando e dizendo “fique tranquilo” e que “eles não eram operacionais, eles são burocráticos...”.
Detalhe para a presença do padre de festa junina Kelmon e uma caneca com o símbolo do clube Botafogo voltada para a câmera... além do colete cargo estampado na lapela “Bob Jeff”. E o interlocutor, um agente que parecia ter saído de algum conflito no Oriente Médio.
Canastrice, recorrência e timing
Tudo muito over, excessivo, assim como deve ser uma false flag canastrona: emular os melodramas da ficção para, ironicamente, tornar-se “realista” – afinal, o distinto público está mais interessado na ficção do que na realidade.
Aliás, o agente do Oriente Médio parecia muito calmo, educado e polido demais com alguém que respondeu à chegada dos “agentes burocratas” com granadas e tiros que feriram dois policiais – supostamente, uma quase tragédia que terminaria com, no mínimo, dois mortos.
Sabendo-se que false flags chegam às raias do cênico e cenográfico, ficamos até questionando a existência desses policiais feridos – seria uma nova “fakeada”? Na abertura da última semana de campanha eleitoral?
Impressiona também a recorrência das intervenções do ministro Alexandre de Moraes. No domingo passado (16/10), poucas horas antes do debate entre os presidenciáveis na Band, o ministro determinou a exclusão do vídeo do “pintou um clima”, que os petistas “se abstivessem de novas manifestações”. Timing decisivo para evitar que o debate fosse deixado nas mãos do imponderável, servindo de freio à vantagem de Lula.
E novamente, no último domingo (23/10), o ministro do STF expede uma nova ordem de prisão contra o ex-deputado federal Roberto Jefferson: “para ser cumprida hoje, independente do horário”, exigia de forma emergencial o mandato. Mais uma vez um estranho timing, como se, mais uma vez, Xandão estivesse acionando um freio de arrumação – Bolsonaro iria entrar em desvantagem nessa última semana após o sincericídio do ministro Paulo Guedes, ao falar em plano de desindexar o salário-mínimo... em plena reta final de campanha.
Canastrice: Bob vestido para a guerra, padre fake, caneca do Botafogo e o sorridente agente que veio do Oriente Médio |
Principalmente depois de todo o esforço dos institutos de pesquisa e da grande mídia em arrastar o debate eleitoral mais uma vez para o campo da religião e costumes – área em que a extrema direita se sente mais à vontade. Enquanto as pesquisas martelam sobre a importância decisiva do voto evangélico, o jornalismo corporativo repercute o assédio e brutalidade de apoiadores de Bolsonaro contra padres em Aparecida do Norte, criando uma cismogênese religiosa entre cristãos e evangélicos. Levantando questões como: em qual dos grupos religiosos Lula tem mais votos?
O “fogo amigo” de Guedes foi a deixa para o PT sair do atoleiro das pautas da guerra cultural atiçada pela comunicação alt-right. Para, mais uma vez, a extrema direita aciona o seu homem bomba Bob Jeff – apesar da performance ter sido, por assim dizer, canastríssima demais, com tiros e três granadas...
“Esse é o assunto do dia e da semana”, sentenciou o canal GloboNews logo nas primeiras horas da manhã de segunda-feira, fazendo “match” com o objetivo diversionista do PMiG de diluir o impacto do vídeo “pintou um clima” (que ainda persiste) e tirar a economia (tema desconfortável para a extrema direita) do radar da opinião pública.
Provar conexões entre Jefferson e Bolsonaro? Assim como o Padre Kelmon, Bob Jeff é o alter ego do presidente, agora no modo “responsável” quando acusa o ex-deputado federal de “bandido” por atirar em policiais. Para ele é muito mais confortável encarar esse tipo de ataque do adversário (desde a pandemia, quando falou “eu não sou coveiro”), porque sabe que o bordão “o que eu tenho a ver com isso?” pega bem para a maioria silenciosa. Por quê? Porque soa sempre como oportunismo litoral da oposição.
E o mais importante: como alter ego, Jefferson funciona como “dog whistle” (apito de cachorro) para as hostes radicalizadas e armadas de bolsonaristas ou de algum lobo solitário CAC. E, quem sabe, criar um pretexto para uma operação de Garantia de Lei e Ordem. Ou até “estado de sítio” – diferente do tal de “estado de emergência” da PEC Kamikaze, esta é prevista na Constituição.
É urgente o PT fugir dessa armadilha do banditismo eleitoral e explorar ao máximo nesta reta final a confissão de Paulo Guedes e o rastro de destruição que ele deixou na economia.