sexta-feira, janeiro 14, 2022

Partido Militar Golpista (PMiG): nota da Anvisa é bomba semiótica da simulação de crise militar



A nota do militar e dublê de Diretor Presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, contra as insinuações de que agência reguladora teria interesses escusos por trás da aprovação da vacinação infantil Covid-19, é mais um flagrante da operação psicológica da simulação de uma suposta “crise militar”. A canastrice retórica dessa bomba semiótica é tão evidente que deveria arrancar risadas e não análises sérias daqueles que conseguem encontrar verossimilhança num conflito tão fabricado. É também uma evidência de como, desde o golpe de 2016, o PIG (Partido da Imprensa Golpista – apud Paulo Henrique Amorim) saiu do modo “alarme” para entrar no modo “reprodução” para monitorar as reformas neoliberais, enquanto as Forças Armadas se assumiram como PMiG (Partido Militar Golpista), com todas as características de um verdadeiro partido político: Memória histórica e vocação institucional, Base ideológica, Pautas corporativas, Formação contínua de lideranças, Base eleitoral e militante etc.

O PIG (“Partido da Imprensa Golpista”, expressão criada pelo saudoso jornalista Paulo Henrique Amorim) teve um papel fundamental na guerra híbrida brasileira que levou ao golpe de 2016. Desde que, em 2010, a presidenta da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e executiva do Grupo Folha, Maria Judith Brito, afirmou que os meios de comunicação deveriam ocupar o papel oposicionista num país cuja oposição estaria “profundamente fragilizada”.

Não só por remexer fundo na lama psíquica nacional, dando visibilidade e importância política ao extremismo de direita (para engrossar o “verde-amarelo” nas ruas), mas principalmente por criar uma crise econômica autorrealizável, muito mais imaginária do que causada pelos fundamentos econômicos, para criar um clima de ingovernabilidade.

Pós golpe, com o PIG deixando a sua função de alarme para entrar no modo reprodução da nova ordem neoliberal com Temer na presidência pondo em ação as reformas e privatizações, o PMiG (Partido Militar Golpista) assumiu o comando da continuidade das ações para operar o golpe militar híbrido com as operações psicológicas que conduziram o obscuro deputado do baixo clero do Congresso, Jair Bolsonaro, à presidência. Como um clássico “candidato manchuriano” – sobre esses conceitos clique aqui e aqui.

Com a vitória do capitão da reserva e a conquista e aparelhamento militar dos três poderes do Estado (tutelamento do Judiciário - STF, TSE etc. -, lobby e controle da base parlamentar no Legislativo e ministérios, autarquias e máquina administrativa ocupados por mais de seis mil militares), desde o primeiro dia de governo o PMiG colocou em ação uma guerra semiótica criptografada: criação deliberada de cenários caóticos de informações dissonantes, não só para confundir PIG e opinião pública, mas também para:



(a) Através da operação psicológica de dissonância cognitiva, simular que Bolsonaro está isolado politicamente – Bolsonaro golpista vs. Comando Militar legalista;

(b) Apagar as impressões digitais do golpe militar híbrido;

(c) Continuamente disparar “apitos de cachorro” para a base social e eleitoral bolsonarista – p. ex. o estudado negacionismo vacinal;

(d) Estratégia diversionista: desviar a atenção da opinião pública da crise econômica neoliberal.

Com quem Bolsonaro quer dar o golpe?

Em termos comunicacionais, toda essa operação está baseada na força retórica da “canastrice”: criação de narrativas retoricamente saturadas, overacting, cuja força persuasiva está paradoxalmente na linguagem ficcional, mas emulada de maneira hiper-real – é cópia da cópia dos clichês narrativos de filmes e telenovelas da pior qualidade. A origem de toda verdadeira canastrice.

Por exemplo, a construção da narrativa delirante do meu-malvado-favorito “Bolsonaro golpista”. Desde o seu primeiro dia de governo Bolsonaro articularia nas trevas um “golpe dentro do golpe”, afrontando o comando militar “legalista”. Bolsonaro estaria supostamente “sujando” a imagem positiva das Forças Armadas junto à população.


Perigo!


E com quem Bolsonaro articularia esse “golpe”? Com gente de alta periculosidade como Sarah Winter e os “300 de Brasília”, o blogueiro Allan dos Santos, o líder caminhoneiro Zé Trovão, o comediante Batoré, o cantor Sérgio Reis (os nomes em si mesmo já são canastríssimos) et caterva

Ah! Mas ele tem ao seu lado os clubes de tiro armados até os dentes e a simpatia dos policiais militares e federais. Mas qual o plano para coordenar essa base social num bem articulado confronto e conquista do Estado? Está sendo urdido nas sombras? Debaixo do nariz do supostamente legalista Comando das Forças Armadas?

A canastrice de Barra Torres

A nota do Diretor Presidente da Anvisa, o Oficial General da Marinha do Brasil Antonio Barra Torres, (mais um que se aboletou em uma autarquia) é outro exemplo desse jogo semiótico de canastrice – jogo semiótico dos próprios generais do PMiG para fabricar uma crise militar.  

Em entrevista à TV Nordeste, Bolsonaro atacou a vacinação infantil e seus defensores (os “tarados por vacinas”) além de questionar a honestidade da Anvisa ao reclamar que a agência “virou a dona da verdade” e “outro poder no Brasil”, e sugeriu que a autarquia teria algum “interesse” pela vacinação de crianças.

Barra Torres é amigo íntimo do presidente: participou de evento de apoio a Bolsonaro, sem máscara, em meio à pandemia; além de participações em lives presidenciais e ajudar o chefe do executivo na guerra fria contra o inimigo político, o governador João Dória, ao suspender de forma controversa a distribuição de 12 milhões de doses da Coronavac no ano passado.

Tendo esse pano de fundo, fica visível a canastrice retórica da nota do presidente da Anvisa em que exige a retratação de Bolsonaro pela insinuação que fez sobre supostos interesses secretos da autarquia por trás da imunização de crianças.

Primeiro, o texto de Barra Torres receberia a chancela de “controle de qualidade ideológica” de qualquer extremista de direita: clama em nome de Deus que Bolsonaro não prevarique, fala que “serviu ao País”, com “austeridade e honra”. Fala que teve “a melhor educação possível” (típica opinião milico de uma evidente superioridade militar à educação civil), escreve que é “cristão” e que “cumpriu os mandamentos”, valores morais, família, pátria...




O texto é muito overacting, típico de um dramalhão da pior telenovela – e ainda com autoindulgência exibicionista: “vou morrer sem conhecer a riqueza Senhor Presidente”. 

Um texto desse quilate provoca uma “crise militar” para a grande mídia e a “esquerda Pavlov”, sempre pronta para agir reativamente ao ouvir o sino da guerra criptografada militar. Deveria causar risos e escárnio! Não dá para levar a sério.

Principalmente quando Barra Torres apresenta-se a Bolsonaro como “Contra-Almirante RM1 Médico – Marinha do Brasil” à frente de uma instituição civil. Ora, Anvisa não é um órgão militar, mas uma instituição dotada de autonomia científica. 

Em última instância, a nota de Barra Torres quer dar uma “carteirada”, para lembrar ao presidente que ele é um mero capitão e que está falando com um superior hierárquico nas Forças Armadas. Totalmente inadequado para alguém que preside uma instituição civil que regulamenta produtos e insumos à luz da Ciência.

Existe um PMiG?

Como uma nota tão canastríssima pode dar pernas à pauta de uma suposta “crise militar” para jornalistas e a esquerda?

É evidente que a nota de Barra Torres é mais uma bomba semiótica dessa psyOp militar de simulação de crise para atender aos quatro objetivos listados acima.




A ironia é que em toda essa operação psicológica do PMiG, pouco importa se a crise provocada será real ou fabricada. Pela Teoria do Piloto Automático da Guerra Híbrida, basta apertar os lançadores como em um fliperama, para ver as bolinhas batendo e rebatendo de forma previsível – para o PMiG será sempre um jogo de ganha-ganha: os militares criam o problema para eles próprios resolverem.

Esse é o rendimento semiótico do jogo de simulação da crise militar: se malucos de clubes de tiro saírem por aí disparando ou sublevações policiais pontuais ocorrerem em defesa do Mito, os militares estarão à espera para serem chamados em defesa da Pátria, da Democracia, das urnas eletrônicas “positivo operante” etc.

Porém, para a esquerda tudo isso não passaria de “teoria conspiratória”. Falar em “Partido Militar” seria cair no mesmo discurso paranoico da extrema-direita.

Porém, como aponta Maria Inês Nassif no seu texto “Cultura da Conspiração”, “as elites brasileiras conspiram, conspiram... e a democracia virou fumaça” - clique aqui

Os meios de comunicação, por sua vez, conspiravam com o Judiciário e o Ministério Público para botar Lula na cadeia, tirar Dilma do poder e eleger o ex-capitão de maus bofes, e agora conspiram para substituir o ex-militar de baixa patente por um ex-juizeco de decisões más e ligações inconfessáveis com o setor de informações dos EUA.

O diagnóstico dominante é que a crise militar existe, como coloca a cientista política Carolina Botelho: “Não existe partido militar! No máximo, há um grupo corporativista que usa a aproximação e influência para privilégios. É o velho lobismo, patrimonialismo, clientelismo político desavergonhado... Não tem nada de partido! Isso é uma besteira inventada e repetida”, tuitou a cientista política.




Já a jornalista Cristina Serra fala que “Bolsonaro está sendo descartado pelos militares” e que movimentos como o de Barra Torres são “oportunistas, típico reposicionamento de marca”, escreveu no jornal Folha de São Paulo - clique aqui.

 Para além da questão de como esse jogo de simulação canastríssimo consegue criar tanta verossimilhança em cientistas, jornalistas e ativistas, vamos terminar elencando algumas características que indicam como as Forças Armadas se comportam como um PMiG. Características que foram detalhadas na Live Cinegnose 360 #22, de 26/09/2021, sobre a fala do Coronel Marcelo Pimentel em evento da Fened (Federação Nacional dos Estudantes de Direito), na qual esse humilde blogueiro participou – clique aqui, com minutagem.

(a) Memória histórica e vocação institucional – desde o Segundo Império, na chamada Luta do Prata, Guerra do Paraguai, a vocação ou o destino manifesto das Forças Armadas é o de salvar o Brasil das crises políticas internas – “pacificar” os civis;

(b) Base ideológica – desde a chamada “Intentona Comunista”, em 1935, temos a doutrina do anticomunismo, não só soviético mas também a do comunismo que teria se tornado viral e quer impor uma ordem socialista internacional através de agências globais como ONU, OMS, ONGs etc; 

(c) Pautas corporativas – Orientada por essa doutrina da “guerra cultural” e se aproveitando da janela de oportunidades dos megaeventos no Brasil da Copa do Mundo e das Olimpíadas, emplacou a Lei Antiterrorismo e posteriormente diversas PLs (Projetos de Lei) e decretos - “Patriot Act Tabajara” ou “Novo AI-5”: PLs 2418, 3389, 443 5327 e 1595, Decretos 10046 e 10047. Além de um intenso lobby no Congresso para outros projetos de “segurança nacional” e “garantia de ordem institucional”.

(d) Formar Governo – conseguiram com o golpe militar híbrido eleger Bolsonaro e conquistar e aparelhar o Estado – autarquias, ministérios, máquina administrativa. Não apenas ganharam uma eleição, mas ocuparam a máquina do Estado, tendo sempre em mente a diferença estratégica entre Estado e Governo;

(e) Controlar o Governo – tutelando as instituições civis e os poderes da República, como, por exemplo, TSE com o general Fernando Azevedo e Silva como Diretor-Geral, em pleno ano eleitoral;

(f) Formação contínua de lideranças – faz parte de qualquer partido. Toda a geração de generais 4 estrelas são contemporâneos da Dilma ativista contra a ditadura, e nutriam um profundo ódio contra ela. Além das novas lideranças formadas na missão de paz no Haiti, quintal geopolítico dos EUA;

(g) Base eleitoral e militante – prestadores do serviço militar obrigatório, reservistas e suas famílias. Sem falar na meganhização e militarização generalizada das guardas municipais em todo o país.

 

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