quinta-feira, março 04, 2021

Uma sátira às boas intenções ambientalistas no filme 'Pequena Grande Vida'


A emissão de gases intensifica o efeito estufa? Os recursos naturais estão se esgotando?  O lixo doméstico ameaça a saúde do planeta? Da Noruega surge a solução: reduzir o tamanho das pessoas a doze centímetros, espalhando cidades miniaturizadas sustentáveis que reduziriam o impacto humano no planeta. Além de isenção de impostos e proporcionar uma vida de milionário. Esse é o filme “Pequena Grande Vida” (“Downsizing”, 2017), uma sátira ao discurso ambientalista, sempre cheio de boas intenções, mas cujas soluções  acabam reproduzindo os velhos problemas da ecologia humana: a reprodução da desigualdade e a concentração de riqueza. 

De bem intencionados o Inferno anda cheio! Não apenas no Inferno, mas também na área das discussões ambientais. O metano está descongelando as calotas polares? A camada de ozônio está se desintegrando? O aquecimento global devastará um planeta energeticamente em vias de esgotamento? Em 2050 haverá mãos plástico dos peixes no oceano?

De maneira bem rápida, podemos classificar em três os caminhos apontados pelos bem intencionados ativistas e cientistas: (a) o próprio sistema econômico que devastou a natureza criará “soluções limpas”, tornando-se oportunidade criação de valor e precificação das novas “commodities verdes” como, por exemplo, créditos de carbono; (b) a superpopulação é a principal causa da degradação ambiental, do subdesenvolvimento econômico e instabilidade política. Portanto, diferentes formas de controle de natalidade (de campanhas educacionais e ações compulsórias de esterilização em massa) é a única maneira de desarmar a “bomba populacional”; (c) ou a bizarra mistura de ambientalismo com messianismo como, por exemplo, religiões messiânicas como a “Church of Eutanasia”: seu lema é “Salve o Planeta, mate-se”. Suicídio, aborto, canibalismo e sodomia seriam as únicas formas de salvar o planeta do desastre ecológico ao evitar a procriação da raça humana, considerada o verdadeiro parasita da Terra.

Mas o filme Pequena Grande Vida (Downsizing, 2017, disponível na Amazon Prime Video), do diretor Alexander Payne (Nebraska, Os Descendentes), apresenta uma novidade, embora ficcional, mas que representa bem esse messianismo misturado com escatologia que caracteriza muitas das soluções ambientais. Payne propõe um futuro ligeiramente distópico que, se não é exatamente um remédio, pelo menos é um paliativo aceitável: não precisamos desaparecer completamente, mas seria melhor se não fossemos tão grandes.

O título em inglês, “Downsizing”, não se refere a estratégia corporativa de redução de custos, mas um procedimento tecnológico inventado por um cientista da Noruega e adaptado para uso comercial global – as pessoas voluntariamente sofrem uma redução, num processo praticamente sem dor, para cerca de doze centímetros. A descoberta é vendida como uma panaceia ambiental: ao invés da redução populacional, a redução da altura de cada indivíduo fazendo a humanidade reduzir o custo dos recursos do planeta, além de produzir menos resíduos.



Além de ser uma solução econômica: maior oferta de créditos e redução de impostos. Seria a utopia neoliberal ou anarcocapitalista – proteção do meio ambiente e sociedade sustentável  combinado com redução drástica de impostos!

A filmografia de Payne sempre foi interessada no tema do homem comum preso em circunstâncias extraordinárias, além de ser um astuto observador da cultura americana atual e das maneiras como virtude e egoísmo se confundem: a verdadeira motivação não é salvar o planeta, mas ter mais – luxo e abundância convivendo com o conservacionismo, criando a utopia capitalista perfeita, sem culpas.

Mas falávamos das boas intenções do discurso ambientalista. Bem intencionado, porque imagina que a sociedade que uma sociedade sustentável funcionaria da mesma forma que um ecossistema que busca sempre um equilíbrio dinâmico na relação constante dos seres vivos entre si e com o meio ambiente.

O ponto central do filme de Payne é a descoberta pelo protagonista de que as boas intenções do cientista norueguês ignoram uma dura realidade: a sociedade não possui um equilíbrio dinâmico como a natureza: ao contrário, é um sistema assimétrico que reproduz a desigualdade social. E mais: que a concentração da riqueza em uma minoria é ecologicamente insustentável. Mesmo numa sociedade que reduza a altura de cada um dos seus integrantes.




O Filme

Pequena Grande Vida se passa em uma era não muito distante no futuro, quando um grupo de cientistas na Noruega liderado pelo Dr. Jorgen Asbjornsen (Rolf Lassgard) descobre uma maneira de encolher os seres humanos em versões reduzidas si mesmos. A descoberta é saudada como uma revolução e uma possível resposta à emergência das mudanças climáticas. Se os seres humanos ocuparem menos espaço, emitiremos menos carbono, produziremos menos lixo. Então, o planeta será salvo. 

Em alguns anos, o "downsizing" - como o procedimento é chamado – multiplica-se pelo planeta. Comunidades "reduzidas" surgem em todos os lugares, com governos dando incentivos de crédito fiscal para aqueles que optam por viver em cidades miniaturizadas.

Um terapeuta ocupacional chamado Paul ( Matt Damon) e sua esposa Audrey (Kristen Wiig ) se perguntam se eles deveriam " abrir mão " depois de conversar com alguns amigos que optaram pelo downsizing – seus amigos fazem relatos de como é bom viver uma vida de lazer sem preocupações financeiras. Afinal, cada dólar pode valer dez vez mais. Dessa maneira, as economias de uma família de classe média podem se transformam numa fortuna. Podem ser tornar milionários, bilionários...

O maior problema que Paul e Audrey têm em suas vidas é que eles querem uma casa maior, mas suas economias não permitem comprá-la. Eles decidem tentar, candidatando-se a uma vaga na “Lazerlândia”, uma comunidade "reduzida" no Novo México, que mais parece a cidade de Seaheaven do filme Show de Truman, só que em versão reduzida, com mansões que mais parecem casas de boneca.




O processo de downsizing é mostrado em detalhes intrigantes e compõe as melhores sequências do filme - são criativos, engraçados e detalhados. Os dentes de ouro das pessoas devem ser removidos, caso contrário, suas cabeças explodiriam durante o downsizing. Todos os pelos do corpo também são removidos. Esses detalhes dão suporte a um universo lógico do segundo e terceiro ato da narrativa

Quando Paul acorda nas salas de recuperação de Lazerlândia, descobre que Audrey desistiu no último minuto.  Como o processo de downsizing é irreversível, Paul agora deve passar o resto da sua vida sozinho, numa cidade . 

Seu vizinho do andar de cima é um “eurotrash”, caçador de festas e contrabandista de garrafas de bebidas alcoólicas em tamanho real para outras comunidades reduzidas (imagina o rendimento de uma garrafa gigante de vodka...) Dusan Mirkovic (Christoph Waltz, como sempre, fazendo o seu estilo com cenas de longos bate-papos) tenta fazer com que ele deixe sua vida ordinária e se divirta com seus amigos nas festas. Em vez disso, Paul é atraído por Ngoc Lan Tran (Hong Chau), uma faxineira vietnamita e ativista ambiental que após ser presa pelo Governo, foi condenada ao downsizing – no universo alternativo do filme, muitos países utilizam a tecnologia como arma de intimidação política. Por exemplo, Israel ameaça miniaturizar palestinos...




A fuga de Ngoc Lan para a América em uma caixa de televisão acabou causando um escândalo internacional. É através dela que Paul conhecerá o lado sombrio da Lazerlândia: seu rígido sistema de distinção de classes e racismo – na verdade, a mesma sociedade da luta de classes. Só que agora em versão reduzida.




Ngoc Lan mora em um complexo residencial degradado e sujo, do lado de fora das paredes que cercam o “Show de Truman” da Lazerlândia. Ela cuida de todos, leva restos de comida e remédios vencidos das amplas casas e que faz faxina.

Enquanto na Noruega, obcecado pela proximidade de uma suposta catástrofe ambiental global, o Dr. Jorgen planeja reunir uma elite de reduzidos para viver num bunker subterrâneo.

Esse é o núcleo da sátira ambientalista de Pequena Grande Vida: tanto na Noruega como na Lazerlândia no Novo México, o discurso ambientalista funciona como um espelho da sociedade, reproduzindo as mazelas da reprodução perversa da desigualdade.

Enquanto as boas intenções do Dr. Jorgen, na prática, convergem para o imaginário da Arca de Noé, no mundo ordinário de Lazerlândia revela que o discurso ambientalista funciona como álibi para todos os interesses, menos  para altruísmo e sustentabilidade: para o capitalismo, o commoditização, novas oportunidades nos mercados verdes, crédito e redução de impostos. E na sátira do filme de Alexander Payne, uma oportunidade única da classe média acessar à vida de luxo dos ricos tão invejados. 


 

 

Ficha Técnica 

Título: Pequena Grande Vida

Diretor: Alexander Payne

Roteiro: Alexander Payne, Jim Taylor

Elenco: Matt Damon, Christoph Waltz, Hong Chau, Kristen Wiig

Produção: Paramount Pictures

Distribuição:  Amazon Prime

Ano: 2017

País: EUA

 

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