segunda-feira, fevereiro 03, 2020

Carma, alucinações lisérgicas e o airbag psicodélico da mente no filme "The Wave"


Quando morremos saltamos para o desconhecido. Mas com um “airbag psicodélico”: a mente liberaria substâncias químicas para amenizar o medo da morte criando telas mentais alucinógenas. Porém, o carma pode transformar essa “viagem” numa “bad trip”. Esse é o argumento central do filme “The Wave” (2019), um mistério dramático e psicodélico: um advogado corporativo com uma típica vida consumista de classe média comemora sua promoção numa noite de festa e bebedeira. No processo, ele ingere uma misteriosa droga que o faz imergir em flash backs compostos por saltos no tempo, locais e realidades. Com tons budistas, hinduístas e gnósticos, “The Wave” descreve o quebra-cabeças que o protagonista terá que resolver enquanto está perdido nas alucinações lisérgicas: qual a mensagem que o Universo está querendo passar para ele? Filme sugerido pelo nosso leitor Alexandre Von Keuken.



Morrer é dar um salto para o desconhecido. Para amortecer esse salto, a mente criaria pequenos airbags psicodélicos durante o mergulho – na verdade, o cérebro liberaria substâncias químicas para amenizar o medo da morte. Mas há um problema: o carma – o efeito das nossas ações quando estávamos vivos, que pode produzir desequilíbrios. E o Universo reivindica a Justiça, ou melhor, a volta do equilíbrio e harmonia para consertar os efeitos das nossas ações e escolhas. Então, as coisas podem se complicar: essa droga gerada pelo cérebro poderia criar uma, por assim dizer “bad trip”, até o momento em que você ouça o Universo e tudo volte ao equilíbrio.
Esse é o argumento filosófico do filme The Wave (2019), com tons de budismo, hinduísmo e gnosticismo – o “airbag psicodélico” na morte estaria na criação de uma “tela mental”, alucinações imersivas nas quais revivemos nossas ações, pesadelos, traumas e sonhos.
Em The Wave acompanhamos um protagonista que inadvertidamente experimenta uma droga que recriaria artificialmente esse “airbag” do momento da morte, durante uma noite de festa e bebedeira. Para as consequências se tornarem imprevisíveis e incontroláveis.
Sem essa introdução filosófica, o filme pode à primeira vista parecer anacrônico – lendo a sinopse, The Wave sugere ser mais um filme dentro de um subgênero que proliferou nas décadas de 1980-90: o “desconstruindo o yuppie” no qual o protagonista sempre é um profissional certinho e financeiramente bem sucedido que de repente se torna prisioneiro de uma sequência de cadeia de eventos caótica com infelizes coincidências que o desconstrói. Para daí renovar-se espiritualmente e se reinventar.
Depois de Horas, Procura-se Susan Desesperadamente, Totalmente Selvagem, Férias Frustradas, Antes Só do que Mal Acompanhado, Crazy People, American Beauty são alguns exemplos dessas aventuras de desconstruções de yuppies – narrativas que seguem pessoas anti-éticas, com falhas de caráter, covardes ou conformistas e que de repente descobrem o quanto foram idiotas na maior parte de suas vidas.



Mas o filme dirigido por Gille Klabin coloca alguns ingredientes a mais na viagem caótica de desconstrução: droga alucinógena, esoterismo e gnosticismo – principalmente a ideia de gnose pós-morte, abordada em filmes como Enter The Void e O Terceiro Olho – veja os links abaixo dessa postagem.
Além do delírio visual psicodélico de muitas sequências de The Wave, há um sincero mergulho dos atores na narrativa – principalmente do protagonista interpretado pelo ator Justin Long: ele próprio vivenciou uma experiência involuntária ao fumar um cigarro que lhe parecia maconha, mas na verdade estava umedecido com PCP (Fenciclidina), conhecido como “pó de anjo” ou “pó da Lua”. Com efeitos alucinógenos que inspiraram o argumento e a narrativa do filme.


The Wave teve a sua estreia mundial no Fantastic Fest de 2019, em Austin, Texas. Embora conte com uma narrativa que lembra muito Se Beber não Case! (Hangover), não é uma comédia. É um mistério dramático e psicodélico sobre uma viagem composta por saltos entre tempos, locais e realidades, quando o protagonista vai montando o quebra-cabeças do que aconteceu na noite anterior de uma festa que parece não ter acabado nada bem.

O Filme

Frank (Justin Long) é um advogado corporativo de uma empresa de seguros que conseguiu um feito profissional que trará um grande lucro para a companhia: conseguiu negar o pagamento de uma apólice de seguros para a família de um oficial bombeiro que faleceu por problemas médicos – ele supostamente não teria cumprido as recomendações médicas, o que, pela retórica legal, caracterizaria suicídio... e a apólice não cobre suicídios...
Bingo! Frank dá o “enter” no teclado e envia o e-mail do seu relatório para a direção da companhia, abrindo o caminho para a sua promoção e o sucesso. Enquanto para a família do falecido, está reservado à miséria e o desespero.
Seu amigo de escritório Jeff (Donald Faison) insiste que eles precisam comemorar naquela noite, embora no dia seguinte Frank tenha que apresentar o relatório numa reunião pela manhã com a cúpula da empresa.
Mas Frank é casado, vive num subúrbio de classe média em tons pastéis com sua esposa materialista Cheryl (Sarah Minnich) cuja única preocupação é saber com qual cartão vai comprar um vestido novo e quando Frank vai levar o cão para fazer xixi e cocô na rua. Ele volta para casa, até cair a ficha de como sua vida é chata. Ele merece mais! Por isso, acaba ligando para o amigo Jeff, aceitando sair para uma aventura de comemoração e bebidas naquela noite.


Até chegar num bar e Jeff apresentar a Frank duas garotas: Nathalie (Katia Winter) e a enigmática Thereza (Sheila Vand) que logo chama a atenção do nosso anti-heroi. Thereza sugere ao grupo para irem a uma festa depois do bar. Frank acaba cedendo, para terminar numa sala nos fundos de uma casa com um homem misterioso chamado Aeolus (Tommy Flanagan), um nome importante e simbólico no filme.
Com uma pinta de drug dealer, ele oferece “algo especial” (um alucinógeno) para que possa “relaxar”. Após ingerir a droga, Frank questiona: “quanto tempo leva para bater?”... “Você sentirá uma onda”, explica Aeolus. Para em segundos, uma espécie de onda de choque literalmente bater... e Frank despertar no dia seguinte sem qualquer lembrança do que aconteceu.
Todo mundo se foi, a carteira também, seus cartões foram roubados e suas contas bancárias esvaziadas. No caminho de volta para a casa as coisas começam a ficar estranhas. Há estranhos flash-backs, como se pulasse no tempo, indo do passado, futuro e presente, pelo menos naquilo que ele acha que é o real.


Enquanto monta o quebra-cabeças, é como se o Universo tivesse tentando lhe dizer algo que não está conseguindo ouvir. A alma de Frank parece estar fazendo algum tipo de jornada, há algum ensinamento urgente que precisa entender. Mas tudo é caótico, em lindas e estranhas sequências de paisagens psicodélicas sem pé nem cabeça.

Quem semeia ventos, colhe tempestades – aviso de GRAVES SPOILERS à frente

The Wave não é um filme sobre como as drogas alucinógenas supostamente abririam a nossa percepção e as janelas da alma. Frank em nenhum momento está chapado... na verdade ele está morrendo. As alucinações que fazem Frank saltar no tempo na verdade são resultantes de um atropelamento que sofre no meio da estória. 
Na verdade, os drásticos saltos nas alucinações não são cortesias do assustador traficante, mas uma cortesia do Universo, do “airbag” criado pelo seu cérebro moribundo e pelo carma que criou a injustiça e o desequilíbrio – a suspensão do pagamento do prêmio da apólice de seguro que prejudicou uma família inteira.
Os cacos de flash backs psicodélicos são mensagens que o Universo está lhe enviando para que Frank coloque tudo em ordem e compreenda seu carma no “dia mais importante da sua vida”.
E o nome do traficante, “Aeolus”, é simbolicamente importante na narrativa. “Aeolus” ou “Éolo” é o Deus dos Ventos na mitologia grega. 
Zeus lhe concedeu o poder de acalmar e despertar os ventos, mas o advertiu de nunca conceder gratuitamente nenhum de seus poderes.


Quando o herói grego Ulisses visitou Éolo, ele foi recebido como um convidado de honra. Desobedecendo Zeus, Éolo o presenteou com uma sacola de couro repleta de ventos favoráveis, para usar em sua viagem. Mas Ulisses foi imprudente e deixou a sacola largada em um canto em meio das festividades.
Os marinheiros de Ulisses pensaram se tratar de uma sacola com ouro, abriram-na para imediatamente a costa da ilha em que estavam ser varrida pelos ventos. Arrependido em dar o presente, Éolo se recusou a ajudá-los. E se justificou: "Quem semeia ventos, colhe tempestades...".
O simbolismo de “Aeolus” em The Wave representa o carma: os resultados das nossas atitudes em relação aos outros. Frank quer isentar-se da responsabilidade da sua felicidade – sua promoção teve como contrapartida a ruína de uma família através da retórica legal que fez os lucros da companhia de seguros fechar o semestre com um recorde.
Frank inadvertidamente criou um desequilíbrio, um carma.
Dessa maneira, o filme remete à gnose pós-morte e o fenômeno da “tela mental”. O pensador gnóstico, fundador do Movimento Gnóstico Cristão Universal, Samael Aun Weor, chamava essa condição de “sonho na consciência” - nos identificamos com objetos e representações da tela mental e caímos na inconsciência alucinatória da qual Frank tenta desesperadamente se libertar tentando colocar uma ordem naquele fluxo de imagens.
Para superar esse estado e alcançar o “sonho lúcido” Weor propunha um exercício contínuo de auto-observação e autoconhecimento – clique aqui.
Auto-conhecimento é o que Frank procura e que implica em descobrir qual a mensagem que o Universo está tentando passar para ele na verdadeira toca de coelho que Theresa fez o anti-herói descer. Thereza, portanto, nada mais é do que a representação gnóstica de Sophia – na tradição gnóstica, o aspecto feminino de Deus que dá dinamismo e movimento ao Universo. O aeon que tenta resgatar no homem a fagulha da luz espiritual esquecida pelo carma.


Ficha Técnica 

Título: The Wave
Diretor: Gille Klabin
Roteiro: Carl W. Lucas
Elenco: Justin Long, Tommy Flanagan, Donald Faison, Sarah Minnich, Sheila Vand 
Produção: EchoWolf Productions
Distribuição: Epic Pictures
Ano: 2019
País: EUA

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