Diz o
ditado, imortalizado no livro “O Chefão”, de Mário Puzzo, na fala de Dom
Corleone: “A vingança é um prato que se come frio”. Mas para a Globo não é bem
assim: deve-se servir bem quente. Ataque e contra-ataque, retaliatório e
vingativo. O candidato à presidência Jair Bolsonaro (criatura que emergiu da lama
psíquica que a Globo remexeu para engrossar o caldo do impeachment) acusou a
emissora de “emplacar o Lula” e ameaçou, “quando chegar lá”, reduzir pela
metade a verba publicitária da emissora. Foi o bastante para de imediato o jornal “O Globo” denunciar, em
letras garrafais, o nepotismo do deputado no Congresso. Mais um episódio que comprova como o jornalismo global
nunca esteve no campo da informação – se isolou num fechado sistema tautista de
autopreservação. Quando vê ameaçado seus interesses logísticos e econômicos (da
política ao futebol), escala seus apresentadores e colunistas para colocar suas
“grifes” como ventríloquos dos “furos” que rapidamente descem da cúpula para o
piso da redação. Chamam isso de “jornalismo investigativo”.
Quando
esse humilde blogueiro era repórter “foca” no jornal A Tribuna de Santos, lá pelos longínquos anos 1980, o domingo era
um dia particularmente chato. Trabalhava na editoria de Economia e domingo era
o dia de folga do editor – o meu dia de folga era “de garçom”,
segunda-feira.
Fechava
a página sozinho (o editor botava fé em mim...), num dia em que as notícias da
área eram escassas. O que tornava muitas vezes difícil fechar a página, fazendo
remexer as gavetas da minha mesa na Redação atrás de press-releases e matérias
frias.
Quando
dava 22 horas, lá ia eu em direção da mesa do diagramador com as laudas das
matérias fechadas (ainda eram tempos de máquina de escrever), fazendo
pensamento positivo de que conseguiria voltar para casa mais cedo. Se faltava algum buraco na página, o diagramador enfiava o popular “calhau” – um anúncio do próprio jornal,
em geral publicidade dos cadernos de “Classificados”.
Enquanto
o diagramador calculava os centímetros por coluna das matérias com sua régua de
“paicas” (unidade de medida tipográfica), sobrava um tempo para jogar conversa
fora com ele. Como o País vivia uma atmosfera política tensa (morte de
Tancredo, governo Sarney, hiperinflação e a crônica crise econômica), corriam
as “lendas urbanas” no interior da Redação. O diagramador, que sentava numa
mesa próxima ao “Aquário” (espaço das chefias da Redação), falava de gavetas
com obituários já prontos de personalidades políticas e dossiês com fatos comprometedores
de atuais, possíveis e futuros desafetos políticos da família proprietária do
jornal.
Dado o
sinal, era só enviar os repórteres para recolher as informações certas, nos
lugares das pessoas corretas e, pronto! Tinha-se em mãos uma arma para
intimidar qualquer autoridade boquirrota que ameaçasse os interesses do jornal.
Em meio
à minha visão de mundo de foca, achava tudo isso muito “conspiratório”: ora,
isso pertence ao mundo baixo da política. Jamais o Jornalismo se prestaria a um
papel tão reles, inerente aos mafiosos. Apenas com uma diferença: para os
jornais, a vingança não seria um prato frio – deveria ser saboreado bem quente!
Os anos confirmaram que ele tinha razão...
Mas os anos, e principalmente esses últimos de
jornalismo de guerra no esgoto do inconsciente coletivo nacional, provaram que
aquele diagramador que era a minha esperança de poder chegar em casa à tempo de
ver os gols da rodada, tinha razão.
E, como
não poderia deixar de ser, a Globo é aquele veículo midiático que mais explicitamente demonstra esse gosto pelos pratos quentes. Fora de qualquer
controle ou regulamentação (mesmo existindo alguma, nenhum governo até aqui
demonstrou vontade política em aplicá-la), não pensa duas vezes em, diante da
opinião pública, colocar Maquiavel na prática: se um líder quiser a paz, deve
ser temido tanto pelos amigos como inimigos. É bem mais seguro ser temido do que
amado.
E a
vingança à jato é a principal arma para manter todos personagens do cenário
político (não importa a posição no espectro, da direita à esquerda) na linha,
dentro da narrativa que a Globo quer impor de acordo com sua logística.
Máquina de autopreservação
Em uma série de
postagens anteriores, este Cinegnose
vem tematizando o chamado “tautismo” da Globo: como o sistema de comunicação
global se tornou tão gigantesco e complexo que a realidade exterior passou a
ser representada pela auto-referência, tautologia e metalinguagem, criando um
“fechamento operacional” – o exterior é traduzido a partir da descrição que o
sistema faz de si mesmo: seus interesses logísticos, mercadológicos, políticos
e econômicos – clique aqui.
Por isso, há muito a Globo deixou de ser um
veículo de mídia para se converter em uma máquina cujo princípio é a
autopreservação, nem que seja ao custo de levar o País inteiro para o ralo.
Principalmente porque com audiência e anunciantes em declínio, a engenharia
financeira legal e ilegal em paraísos ficais é a sua forma terminal de
sobrevivência.
O episódio do
bate-boca entre o candidato à presidência Jair Bolsonaro e a Globo é um exemplo
didático desse modus operandi
neo-mafioso. Diante de recente notícia do jornal O Globo de que um promotor preso pela PF era seu aliado no Amapá, o
deputado reagiu ao “trabalho sujo” do jornal carioca em querer “emplacar o
Lula” por causa da “dívida com o BNDES” e ameaçou: se “chegar lá” vai reduzir a
verba publicitária governamental destinada à emissora pela metade.
O candidato
postou o vídeo da ameaça no seu perfil do Facebook. E não precisou mais do que
48 horas para o jornal O Globo reagir
e manchetar em letras garrafais: “Bolsonaro empregou ex-mulher, ex-cunhada e
ex-sogro no Legislativo”. Uma matéria fraca em cima de um segredo de
Polichinelo.
Talvez seja até
divertido assistir a essa contenda entre a Globo e sua cria indesejada, depois
de tanto remexer na lama do psiquismo nacional para engrossar o caldo do
impeachment de 2016. “Aqui se faz e aqui se paga”, provérbio que vem logo à
mente.
Mas é apenas um
pequeno exemplo de como o seu jornalismo desde o início deixou o campo da
informação para se isolar nos interesses tautistas de autopreservação – não é
mais noticioso, mas reativo. Escala seus repórteres e colunistas para requentar
aqueles dossiês guardados em estratégicas gavetas – ou pastas virtuais de
computadores.
Doria Jr. e a vingança da Globo contra caçambeiros
Outro exemplo
desse tautismo neo-mafioso foi em abril desse ano. Naqueles tempos, o prefeito
de São Paulo João Doria Jr. ainda era a “esperança branca” da mídia corporativa
– ainda surfando na histeria anti-PT, era o “gestor” não-político favorito.
Em 17/04 dezenas
de caminhões-caçamba ocuparam totalmente o Viaduto do Chá, região central de
São Paulo e ao lado da Prefeitura, em protesto contra as novas regras de
descarte. Interrompendo a pauta positiva das ações do Cidade Linda nas quais
Doria Jr. posava para as câmeras vestido de gari.
Em poucas dias,
o telejornal local STPV e o portal G1 começaram uma série de reportagens sobre
descarte irregular de lixo, mostrando motoristas de caminhões-caçamba sendo
autuados por habilitação vencida e multados por descarte ilegal. Ataque,
contra-ataque.
Celsa Pitta derrubou o “Roberto Carlos Especial”!
E quando a
Política ameaça o seu produto mais rentável, o futebol, a vingança é igualmente
rápida ao convocar a jornalística
máquina de triturar reputações.
Era 1999 e
Atlético Mineiro e Corinthians fariam o jogo de desempate da final em São
Paulo. O então prefeito da cidade de São Paulo, Celso Pitta, entrou com ação
cautelar na Justiça pedindo a mudança de horário da decisão do campeonato
brasileiro.
Para não
atrapalhar a programação de final de ano (o indefectível Roberto Carlos
Especial), a Globo planejava o jogo final às 16 horas em pleno meio da
semana, o que criaria um caos no trânsito com a possível comemoração do time
paulistano na avenida Paulista. O jogo acabou transferido para a noite,
derrubando a grade de programação da Globo.
Nicéia Pitta no Globo Repórter: a rápida retaliação da Globo |
Em
fulminante retaliação, dois meses depois em março de 2000, uma edição especial
do programa Globo Repórter deu espaço
total às denúncias da esposa Nicéia Pitta. Numa entrevista exclusiva ao jornalista Chico Pinheiro, ela denunciou com detalhes o suposto esquema da máfia dos fiscais na
administração da cidade e compra de vereadores pelo seu marido, além do chamado
“escândalo dos precatórios da prefeitura”. Era o fim da carreira de Pitta,
afilhado político de Paulo Maluf.
Como bem demonstraram os rostos nervosos, consternados e constrangidos de
repórteres, apresentadores e comentaristas da emissora quando a emissora
repentinamente virou os canhões contra o desinterino Temer (repercutindo as
delações da JBS), o jornalismo da Globo é muito mais um produtor de grifes do
que aparato informativo. As estrelas da emissora criam a imagem de insiders bem informados e íntimos dos
bastidores políticos e econômicos – sobre isso clique aqui.
Mero exercício de esteticização
da mercadoria notícia: como demonstra o neo-mafioso gosto da Globo pelos pratos
quentes, sua estrelas do jornalismo são meros peões pagos regiamente para
simularem credibilidade e servirem de ventríloquos aos “furos” que baixam da
cúpula da emissora.
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