O Curta da Semana vai para uma produção brasileira inspirada em leituras
gnósticas feitas aqui no “Cinegnose”. O curta “Estado de Suspensão” (2015) de Renan Lopes
foi um trabalho experimental do curso de Cinema e Mídias Digitais do Centro
Universitário IESB de Brasília. Baseado no conceito de “suspensão” como estado
de consciência que induziria a gnose (proposto por Basilides de Alexandria em
II DC), um protagonista deve fazer uma importante escolha para sua vida: ou a
realidade, ou o sonho. Mas ele vai buscar uma terceira via: o “estar entre”.
Um personagem vaga pelas ruas de alguma
cidade-satélite de Brasília após olhar para o seu cartão funcional pendurado no
pescoço. Embarca em um ônibus, coloca um headphone e adormece – sonha atravessando
uma ponte e depois com uma câmera digital na mão capturando imagens. As
paisagens são ao mesmo tempo urbanas, desérticas e áridas. Parece que há algo
que deve ser decidido na vida do protagonista – uma escolha entre aquilo que o
cartão funcional representa (o trabalho e a realidade) e o que aquela ponte e a
câmera digital simbolizam – o sonho e o cinema.
Esse é o curta
brasileiro Estado de Suspensão (2015)
de Renan Lopes. Foi produzido pela Not Columbia, produtora formada no ano
passado por alunos do curso de Cinema e Mídias Digitais do Centro Universitário IESB de
Brasília.
Assim Renan define
seu curta: “O trajeto e movimento com velocidade do transporte, somados ao
estímulo musical propiciou a revelação onírica, do real desejo que o faz
motivado e entusiasmado pela vida, sua descoberta no cinema”.
Para os leitores desse blog, o título “Estado de Suspensão” é bem
sugestivo – remete ao gnosticismo basilidiano (de Basilides, professor gnóstico
de Alexandria no século II DC) onde a gnose ou “iluminação espiritual” seria
favorecida através de um singular estado alterado de consciência: o estado de
suspensão, o esvaziamento da mente por meio da suspensão de toda atividade dos
mecanismos de abstração da linguagem.
Renan Lopes se inspirou exatamente nesse conceito a partir de leituras
de alguns textos aqui do Cinegnose sobre Cinema e Gnosticismo e criou o
argumento para o curta Estado de
Suspensão.
Em muitas postagens viemos desenvolvendo a tese de que o Gnosticismo vem
sendo atualizado no imaginário contemporâneo por meio de três personagens arquetípicos:
O Viajante, O Detetive e O Estrangeiro. Cada um desses personagens remete a um
particular estado alterado de consciência que conduz à gnose – respectivamente,
“suspensão”, “paranoia” e “melancolia”.
Nesse curta vemos o protagonista como O Viajante, cuja decisão urgente
que ele deve tomar na sua vida não será através da “episteme” – racionalidade,
lógica, método etc. Mas por um estado de suspensão e silenciamento através do
deslocamento e música – sobre isso leia a relação entre bicicleta, ciclismo e
estado de suspensão, clique aqui.
O deslocamento no ônibus e o headphone olhando as paisagens áridas (o
“Deserto”, o símbolo contemporâneo ao mesmo tempo do silenciamento da mente e
da condição humana de estranhamento) são para o personagem os meios indutores a
esse estado alterado de consciência.
O leitor deverá prestar atenção ao simbolismo da ponte, imagem
arquetípica constante em filmes que exploram esse arquétipo do Viajante – o
estar parado no meio da ponte, o não ficar onde estar e nem chegar a parte
alguma, o “estar entre”, literalmente em estado de suspensão, acima das águas
que correm – água corrente, simbolismo de mudança.
Um exemplo da recorrência desse simbolismo da ponte está outra produção
brasileira: o longa Os Famosos e os
Duendes da Morte (2009) onde a ponte e a introversão do protagonista criam
o estado de suspensão. A ponte de uma pequena cidade do interior do Rio Grande
do Sul é o simbolismo central do filme – a ponte como a interzona entre sonho e
realidade – sobre o filme clique aqui.
O “estado de suspensão” de Basilides é a busca daquilo que se chama “tertium quid”, a terceira via: nem
sonho, nem realidade; nem a verdade, nem a mentira. Para Basilides a busca pela
gnose estaria em um terceiro elemento: no silêncio, naquilo que suspende todas
as diferenciações ou distinções – o “estar entre”.
No curta, o “tertium quid” é o
Cinema: uma forma de arte que está entre a realidade e o sonho – não consegue
ser nem totalmente realista (já que precisa do corte, edição, enquadramento) e
nem totalmente ilusória (já que precisa do real no set de filmagem para as
imagens serem captadas através da câmera.
Filmes brasileiros como Insolação
(2009, analisado pelo Cinegose, clique aqui) de Felipe Hersch e Daniela
Thomas mostram como as paisagens brasilienses são perfeitas para expressar essa
condição humana de Viajantes e Estrangeiros – o Deserto, a condição humana de
exilado no próprio lugar em que vive em uma cidade construída por estrangeiros
que vieram de diversas parte do País.
O curta “Estado de Suspensão” se nutre desse cenário que a cidade
oferece, para dar ainda mais força aos simbolismos do Viajante e da Suspensão.
Ficha Técnica |
Título: Estado
de Suspensão
|
Diretor: Renan Lopes
|
Roteiro: Renan Lopes
|
Elenco: Rafael Gomes, Samuel González,
Reverson dos Anjos, Renan Lopes
|
Produção: Not Columbia
|
Distribuição: on line
|
Ano: 2015
|
País: Brasil
|
Postagens Relacionadas |