Desde que os nazistas elaboraram as primeiras peças de
propaganda antitabagistas durante a Segunda Guerra Mundial, sabe-se que a
questão da saúde é uma poderosa arma semiótica. Ebola, vaca louca, gripe
aviária, gripe suína e outras ameaças sazonais de pandemias, mais do que
ameaças biológicas, tornaram-se bombas semióticas arquitetadas para criar
vitimização, culpa e segregação. O ebola é agora a pandemia da moda onde, no
Brasil, surge em um “timing” perfeito: o segundo turno das eleições
presidenciais. A grande mídia cinicamente anuncia que a informação é a única
forma para “tranquilizar a população”. Um pouco de teoria semiótica revela que
as manchetes da grande mídia são tudo, menos informativas: elas são “performativas”,
desenvolvem uma ação – ambiguidade, boatos, medo e segregação.
Nos anos
1990 e no auge da carreira como técnico do Palmeiras na chamada vitoriosa era
Parmalat, Vanderlei Luxemburgo sabia como ninguém manipular os jornalistas
esportivos e as mesas redondas de debates da TV. Após mais um jogo do
Palmeiras, Luxemburgo, no meio de uma coletiva para a imprensa, disparava do
nada: “quero aproveitar esse momento e dizer que eu jamais fui sondado pelo
Corinthians. É tudo mentira!”. Os jornalistas se entreolhavam: quem disse isso?
De onde partiu essa informação?
Pronto! Era
tudo o que Luxemburgo queria. O seu balão de ensaio corria como fogo em
rastilho de pólvora pelos debates nas TVs. E os desmentidos da diretoria do
Corinthians só alimentavam ainda mais os boatos.
Luxemburgo
nada mais fazia do que explorar a natureza performática da linguagem: os signos
não apenas existem para designar o mundo – eles são proferidos dentro de um
contexto, o que resulta numa ação performativa. Segue-se que toda comunicação
tem uma função constatativa (o
enunciado, a informação, o relato factual) e outra performativa - a enunciação onde implicitamente podem estar
comandos como ordens, pedidos, ofensas, promessas, apostas etc.
“Todo
enunciado é o desenvolvimento de uma ação”, dizia o filósofo da linguagem
britânico J.L. Austin.
Evaristo Costa é cínico ou ingênuo?
Por isso,
somente pode ser encarado como cinismo ou ingenuidade a afirmação do
apresentador do telejornal Hoje da TV
Globo, Evaristo Costa. Antes de iniciar a entrevista com o diretor do Instituto
de Infectologia Emílio Ribas de São Paulo, agradecendo sua visita à emissora,
Evaristo Costa disse que “a única coisa que podemos fazer agora é tranquilizar
a população através da informação, que é a melhor coisa nesse caso”, a respeito
da suposta ameaça de contaminação do vírus ebola no Brasil.
Evaristo Costa com o diretor do Instituto Emílio Ribas na Globo: ingenuidade ou cinismo? |
Ora, depois
de todo esforço “investigativo” do jornal O Globo em divulgar a ficha médica de
um africano com suspeita de estar contaminado pelo ebola, transferido do Paraná
para o Rio de Janeiro, é no mínimo cínico o argumento de que informações
tranquilizam. Só o fato de utilizar um número ordinal para designar o caso do
africano (“O PRIMEIRO” caso de paciente com suspeita de ebola no Brasil”) já
sugere o início de um evento serial.
Sem falar a
alarmante sensação de saber que o suspeito por contaminação atravessou vasta
área do território nacional ao ser transferido do Paraná para o Rio.
Tranquilizar
quem, cara pálida!
A artimanha
do técnico Vanderlei Luxemburgo e o esforço “investigativo” do Jornal O Globo
em inserir o Brasil na pauta midiática internacional do ebola estão unidos pela
intencionalidade e contexto. No caso do técnico, o fim do seu contrato naquele
momento com o Palmeiras – o balão de ensaio era uma forma de pressionar a
diretoria do clube; e no caso atual, o segundo turno das eleições presidenciais.
O efeito performático do ebola
Pouco
importa informar para a população se o ebola é transmissível pelo ar ou por
contato direto com secreções. A transmissão da informação já produz seu efeito
performático, dissemina ambiguidade e boatos em redes sociais e reforça ainda
mais o clima pesado de uma reta final de eleições presidenciais que promete
dividir o País.
"O Globo" ilegalmente publica dados do paciente "suspeito": tranquilizar quem, cara pálida? |
A suposta
ameaça de uma pandemia do ebola é uma bomba semiótica ou biológica? De fato, o
ebola é um evento biológico proveniente do grau zero do mundo natural. Mas a
partir do momento em que é recortado, editado e publicado no mundo cultural da
informação, transforma-se em um evento semiótico e, por isso, arbitrário.
Se sabemos
que por ano morrem 2 milhões de pessoas por malária, 2 milhões de diarreia e
outros 10 milhões por outros enfermidades curáveis como gripe comum e
tuberculose, por que ebola, vaca louca, gripe aviária e gripe suína, que vitimam
na casa de dezenas ou centenas de pessoas, ganham manchetes performativas (como
no caso atual que produz ambiguidade e boatos) ou diretamente ameaçadoras (como
a da Folha de São Paulo em 2009 que na primeira página previa 35 milhões de
vítimas de gripe suína no Brasil)? - veja o vídeo abaixo "Operação Pandemia".
Por que
malária, diarréia, gripe comum e tuberculose não têm o direito de ganhar as
manchetes?
O appeal hollywoodiano do ebola
Temos que admitir
que os efeitos do ebola têm um forte appeal midiático digno de um filme
hollywoodiano de terror: o vírus ataca todos os órgão e tecidos do corpo
humano, com exceção dos ossos e alguns músculos. O colágeno, tecido responsável
pela unidade da pele e que mantém os órgãos juntos, transforma-se numa pasta
disforme. A pessoa infectada expele sangue por todos os orifícios do corpo,
inclusive pelos olhos e rachaduras na pele. O globo ocular fica cheio de sangue,
o que causa cegueira. A hemorragia interna, a língua se desfaz, o revestimento
da traquéia e da garganta se desmancha e pode descer para os pulmões. O fígado
incha, apodrece e se liquefaz. A medula se desfaz aos pedaços. O baço incha e
endurece. O vírus destrói o cérebro e a vítima geralmente tem convulsões
epilépticas no estágio final da doença.
Redes sociais confirmam a função performativa das manchetes da grande mídia: boatos na rede |
Na primeira
ameaça de pandemia em 1995, falava-se que o ebola era transmitido pelo ar e
usava o mesmo modus operandi da AIDS para invadir células (Ebola + AIDS, a
síntese dos pesadelos). E ainda uma seita japonesa chamada Naum ameaçava o
mundo com cepas do vírus ebola que supostamente teria roubado para criar bombas
biológicas no metrô de Tóquio...
Ebola e,
mais tarde, vaca louca criaram a atmosfera de final de século com a
Globalização, as primeiras ameaças de pandemias ao lado dos primeiros crashs
financeiros globalizados como a crise das bolsas asiáticas e a do México. Isso
sem falar na profecias catastróficas do bug do milênio que enlouqueceria os
computadores fazendo aviões caírem e as países inteiros ficarem no escuro.
A doença como metáfora
Susan Sontag
(1933-2004) nos seus ensaios A Doença
como Metáfora (1978) e A AIDS e suas
Metáforas (1988) revelou a natureza simbólica ou ideológica das doenças: ao
mesmo tempo em que vitimiza o paciente, transforma-o em culpado ou pelos seus
excessos (hábitos alimentares, bebidas, drogas etc.) ou pelo estilo de vida e cultura.
No caso
atual do ebola, associa-se a suposta disseminação rápida em países como Guiné,
Serra Leoa e Libéria com tradições culturais africanas como, por exemplo,
cerimônias fúnebres domésticas.
Nazistas logo perceberam o potencial de propaganda política na questão da saúde |
Terroristas
e vírus são as grandes bombas ideológicas da Globalização, em um mundo
unificado e sem mais blocos oponentes (no passado era a Guerra Fria e a emaça
da radiação). Sem um inimigo identificável ideológica e economicamente como era
o comunismo, na era globalizada o mal passa a ser capilarizado, onipresente,
microscópico e pontuais como terroristas e pandemias – às vezes os dois se unem
através das armas biológicas de terroristas.
No caso do
Brasil, o ebola assume outro aspecto dessa bomba semiótica pelo seu timing e oportunismo:
o segundo turno das eleições presidenciais.
É notável
como a mídia nativa faz de tudo para se manter alinhada à pauta que as grandes
agências de notícias e as redes de TV dos EUA determinam. Talvez a maior
forçação de barra tenha sido quando dos atentados terroristas de 2001 naquele país e que a mídia brasileira
conseguiu localizar terroristas da Al Qaeda na tríplice fronteira do Brasil,
Paraguai e Argentina... Praticamente o Mercosul tornou-se co-autor dos
atentados em Nova York e Washington.
Agora
compreende-se o “esforço investigativo” do jornal O Globo em tentar uma alucinante conexão entre um pedido de refúgio
no país de um africano, um documento emitido pela Polícia Federal, um avião da
FAB e o País à beira de um surto de ebola.
Assim como
as bombas semióticas da grande mídia, iniciadas com as manifestações de rua de
junho do ano passado, procuraram mostrar que o governo federal era fraco e o
País caminhava ao abismo em um estado pré-insurrecional (sobre isso clique aqui), o ebola transformado em arma semiótica serve para mostrar a leniência e
fraqueza de um governo: como nossas fronteiras estão frágeis, permitindo a
entrada de perigosos africanos.
A questão da
saúde é uma poderosa arma semiótica. Dessa maneira compreendemos o porquê das
primeiras campanhas antitabagistas na História terem sido arquitetadas pela
propaganda nazista na Segunda Guerra Mundial.
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