sábado, maio 14, 2011

Uma Trilogia do Tempo (2) - Filme "Déjà Vu"

Dando continuidade à nossa Trilogia do Tempo agora nos deparamos com o filme “Déjà Vu”, 2006. Nitidamente um reflexo do esforço de propaganda da política antiterror da era Bush Jr., o filme lida com dois elementos opostos: de um lado a concepção complexa do tempo como um hipertexto e, do outro, o heroísmo amoral do protagonista que enfrenta um vilão tão amoral quanto ele.

Desde os ataques de 11 de setembro o tema terrorismo é recorrente no cinema norte-americano.  Quem assistiu ao filme “Obrigado por Fumar”, (Thank You For Smoking, 2005, sobre as conexões entre o lobby da indústria tabagista e a mídia) sabe muito bem como a indústria cinematográfica norte-americana é um instrumento para pautar a opinião pública. Dessa maneira, a chamada “guerra ao terror” empreendida pelos dois mandatos do governo Bush Jr. teve Hollywood como importante veículo para essa verdadeira engenharia da opinião pública.

“Déjà Vu” (Déjà Vu, 2006) é mais um filme sobre ameaças terroristas só que, dessa vez, com um toque de ficção científica e um leve tom de misticismo (dado pelo tema do “déjà vu”). Mas, como todos os filmes sobre combate ao terror, é principalmente ação e a “amoralidade heroica” do protagonista (como vimos em postagem anterior, o principal traço do herói moderno – veja links abaixo).

Como ficção científica, “Déjà Vu” conta a estória de um projeto secreto do FBI em torno de uma tecnologia que permite acompanhar através de imagens e audio com detalhes o que aconteceu até quatro dias antes de um evento. O agente Doug Carlin (Denzel Washington) é chamado para descobrir o responsável por um atentado à bomba em um ferry-boat em New Orleans que mata 500 pessoas. A perspicácia de Carlin na investigação impressiona seus colegas do FBI que o convidam a participar do projeto secreto que poderá auxiliar na busca do terrorista responsável.

Na investigação Carlin encontra algo inusitado: entre os mortos está o corpo de uma mulher (cujo nome era Claire – Paula Patton) que teria morrido uma hora antes do atentado. É esse estranho fato que Carlin precisa explicar, pois ele pressente que é a pista que poderá levar ao terrorista. Ao ver as imagens de Claire no passado através da tela do dispositivo secreto do FBI, Carlin tem uma estranha sensação de dèja vu que será o elemento motivador chave na investigação.

Mas Carlin é muito mais esperto do que imaginavam a equipe de cientistas do projeto secreto sobre o tempo. Carlin descobre, ao apontar um laser para a tela e assustar Claire no passado, que a tela do dispositivo é muito mais do que uma sucessão de imagens de eventos que já aconteceram. Ela é uma interface para eventos que estão ocorrendo em tempo real, naquele instante em uma New Orleans de um universo paralelo no tempo/espaço. Ele poderá intervir nessa existência paralela a fazer com que o atentado jamais ocorra.

O Tempo Pós-Moderno

No cinema podemos perceber claramente os distintos imaginários sobre o tempo. Até a década de 60 temos a visão clássica da viagem no tempo onde apenas podemos testemunhar os eventos do passado e futuro sem poder alterá-los. Podemos até ser mortos, mas jamais conseguiríamos alterar a seta do tempo. Por exemplo, na cultuada série de TV “O Tunel do Tempo” (The Time Tunnel, 1966-67) isso é marcante: os dois protagonistas (Phillip e Doug) tentam alterar eventos do passado, mas, no último momento, fatos providenciais impedem a mudança da História. Seria a providência divina?

De Volta Para o Futuro: o tempo
como um hipertexto
A partir da clássica trilogia “De Volta para o Futuro” (Back to The Future, 1985) temos a definitiva mudança dessa concepção clássica do tempo. Podemos voltar ao passado, alterar os fatos para, simultaneamente, alterar o presente. Mais do que isso, em filmes como “O Efeito Borboleta” (The Butterfly Effect, 2004) ou o “O Exterminador do Futuro” (The Terminator, 1984) o tempo transforma-se em um hipertexto onde cada opção cria um futuro ou um passado alternativo, configurando um complexo tempo/espaço com uma série de universos paralelos que, potencialmente, poderiam se tangenciar ou interagirem-se.

Essa noção pós-moderna de tempo, claramente inspirada nos hipertextos das redes computacionais, coloca como consequência uma acentuada necessidade em refletir sobre a responsabilidade ética ou moral das ações e escolhas: se cada ato ou escolha cria um tempo/espaço alternativo, temos como consequência efeitos exponenciais. Sendo o tempo não mais linear, mas agora recursivo, viral ou exponencial, cada pequena decisão pode produzir efeitos catastróficos em sucessivos tempo/espaço paralelos. Um exemplo dessa complexidade moral e ética do tempo pós-moderno é o filme “O Efeito Borboleta”.

Um Elefante na Cristaleira do Tempo

Embora o filme “Déjà Vu” vislumbre esse tempo complexo quando o protagonista descobre que a tela do dispositivo do tempo do FBI na verdade é uma interface para um universo paralelo, todos os perigos ou consequências em potenciais do fato de tempo/espaço diferentes se tangenciarem são deixados de lado pelo heroísmo amoral da ideologia antiterror norte-americana.

Questões como o destino são colocadas de lado: será que, se houvesse a possibilidade de modificar algum evento do passado, teríamos direito a isso? O protagonista Doug Carlin, movido pelo déjà vu inexplicável por Claire e pelo dever em capturar a todo custo o terrorista responsável pelas 500 mortes comporta-se como um elefante em uma cristaleira, não se preocupando com qualquer complexidade da teia temporal por onde se desloca. “Por favor, falem em inglês”, grita Doug a certa altura para os cientistas que tentam explicar a complexidade temporal com a qual estão lidando.

Enquanto o herói produz capotamentos
e incêndios em série, ele se diverte com
tudo como se estivesse
jogando em um Play Station
O vilão terrorista Oerstadt (James Caviezel) é um patriota americano de direita mentalmente instável que vê nas 500 mortes apenas danos colaterais em nome de uma causa mais importante. O problema é que o protagonista Doug Carlin parece ser tão amoral quanto o seu oponente.

Por exemplo, em uma sequência de perseguição de carros (talvez uma das mais bem elaboradas dos últimos tempos) Doug persegue o terrorista em planos temporais diferentes: ele no presente e Oerstadt no passado. Através de óculos especiais um olho está no passado e o outro no presente. Isso provoca uma catástrofe no tempo atual: seu carro militar produz uma série de capotamentos e incêndios em série envolvendo civis que estão inadvertidamente passando por ali.

Para Doug tudo parece um game de computador. “Isso é uma viagem”, afirma exaltado como um adolescente diante de uma plataforma de Play Station. É a amoralidade dos heróis norte-americanos: a luta contra o terror está acima do bem e do mal, tem a ver com verdade e justiça. Possíveis consequências (mortes civis ou consequências da intervenção no continnum tempo/espaço) não meros danos colaterais. Exatamente o mesmo discurso do vilão Oerstadt.

As primeiras sequências de “Déjà Vu” já preparam o espectador para o que está por vir: em estética packshot publicitária são mostradas em detalhes principalmente crianças, mães e idosos felizes e sorridentes entrando no ferry-boat que irá pelos ares. Ficamos revoltados com tanta pureza, inocência e beleza maculada por um terrorista. Toda a ação truculenta do herói Doug Carlin será justificada por essa sequência inicial. Para além do bem e do mau, do certo e do errado nada melhor que a vingança.

Portanto, “Déjà Vu” explora dois elementos opostos: o tempo complexo como um hipertexto e a truculência amoral da retórica antiterror da propaganda norte-americana da era Bush. Todas as sutilezas, reflexões ou problemas éticos e morais da manipulação do tempo (presentes em filmes com temática análoga como “Minority Report – A Nova Lei”, 2002) são suspensas pela urgência da punição do terrorista. Coincide com a ideologia da política antiterror americana onde  todos os direitos de cidadania são potencialmente suspensos e o sacrifício de civis inocentes são apenas justificados como danos colaterais.

Ficha Técnica

  • Título: Déjà Vu
  • Diretor: Tonny Scott
  • Redatores: Bill Marsili e Teny Rossio
  • Elenco: Denzel Washington, Paula Patton, Val Kilmer, James Caviezel
  • Produção: Touchstone Pictures, Jerry Bruchheimer Films e Scott Free Productions
  • Distribuição: Buena Vista International
  • Ano: 2006
  • País: EUA, Reino Unido




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