Enquanto o Oriente faz pousos bem-sucedidos de sondas na Lua, o Ocidente aposta na privatização das missões espaciais por bilionários como Musk, Bezos e Branson. Desde “Alien” (1979), o cinema e audiovisual vem narrando as consequências muitas vezes catastróficas dos interesses corporativos nas missões espaciais. A minissérie alemã Netflix “O Sinal” (Das Signal, 2024) é outra produção que entra nessa lista, colocando mais um ingrediente: no meio de uma missão privada na Estação Espacial Internacional (financiada por uma bilionária indiana), um sinal repetido chega do espaço profundo, uma voz infantil falando “olá”. É o início de conspirações no melhor estilo “Arquivo-X” que revela uma questão fundamental: como um mundo dividido entre interesses geopolíticos dos governos e a concentração da riqueza planetária numa casta de bilionários, como esse mundo poderá criar um consenso em torno de quem representará a Terra num possível contato com uma inteligência extraterrestre?
Enquanto a agência especial do Estado chinês conseguiu recentemente pousar uma sonda no lado oculto da Lua para depois decolar de volta à Terra carregando amostras geológicas do nosso satélite (clique aqui), o Ocidente intensifica a privatização das missões espaciais com bilionários como Elon Musk, Jeff Bezos e Richard Branson envolvidos em missões até aqui com sucessos limitados – embora falem em “turismo espacial” e assentamentos permanentes na Lua e até Marte.
Enquanto os governos do Ocidente estão reduzindo as verbas das missões espaciais, esses bilionários preenchem esse enorme vazio financeiro. Mas, naturalmente, Musk, Bezos e Branson miram lucros privados. Embora a retórica de relações públicas fale em “conquista da humanidade” ou até em “salvação da espécie humana” como alerta o capitalismo distópico de Musk.
Já existe uma tradição crítica no cinema e audiovisual sobre as consequências perversas das missões espaciais corporativas. Para começar, Alien (1979), de Ridley Scott, passando pela animação WALL-E (2008) até chegarmos a Rubikon (2022). A visões não são nada boas: como os interesses privados e corporativos podem inclusive colocar em xeque a própria vida dos astronautas, tornadas supérfluas diante do imperativos dos dividendos dos acionistas.
O tema se complica ainda mais quando entram alienígens supostamente tentando entrar em contato conosco: bilionários que financiam missões espaciais seriam as melhores pessoas para servirem de embaixadores da humanidade?
Nesse campo, que para esse humilde blogueiro é o que melhor espelha o atual zeitgeist ocidental privatizante, está a produção Netflix alemã O Sinal (Das Signal, 2024), minissérie de quatro episódios.
O Sinal se junta a uma recente lista de séries e filmes que mostram como e espaço sideral é um lugar bastante perigoso para se trabalhar e viver. E ainda pior para astronautas psicologicamente instáveis na gravidade zero – O Problemas dos 3 Corpos, Spaceman e Constelação são alguns exemplos recentes.
Astronautas psicologicamente instáveis financiados por interesses privados bilionários é certamente uma combinação explosiva. Principalmente quando sinais alienígenas entram nessa combinação.
Adaptado do livro de Nadine Gottman “Wir sind die Flut”, O Sinal acompanha a astronauta alemã Paula (Peri Baumeister) numa missão na ISS (a estação espacial internacional que orbita a Terra) financiada por uma bilionária e filantropa hindu. Pouco antes da missão na ISS acabar, Paula recebe um sinal vindo do espaço profundo: uma voz que parece ser de uma criança dizendo “olá”.
Ela grava o sinal para, no dia seguinte, descobrir que não há nada na fita, ao tentar dar a notícia para a tripulação – será que tudo foi real ou apenas alucinações resultantes de um histórico de dependência de medicamentos anti-depressivos? Mas então como uma missão espacial selecionou uma astronauta com tal ficha médica?
Isso será apenas o começo de uma série de reviravoltas, várias para uma minissérie de apenas quatro episódios.
O Sinal traz vibrações nostálgicas da série clássica Arquivo-X e Fringe sobre acobertamentos das evidências alienígenas e conspirações que agora não envolvem mais apenas governos, mas também interesses privados de corporações.
Também a série ecoa o momento atual em que a comunidade de pesquisas ufológicas está em polvorosa com sessões no Congresso dos EUA nas quais senadores pressionam autoridades da Defesa a desacobertarem o fenômeno OVNI e revelar os arquivos secretos que o Governo supostamente oculta.
E se tudo for desacobertado e a inteligência alienígena for real? Num planeta tão tenso, violento e dividido em guerras e conflitos seria possível um consenso em torno de quem nos representará diante de outros mundos?
A série
Essa é a sinopse oficial:
Depois de meses na ISS, a cientista e astronauta Paula (Baumeister) finalmente está de volta à Terra. Ela acabou de cair de paraquedas na atmosfera a bordo da Vision Capsule e, depois de um voo através do oceano, em breve voltará para casa com sua família. Mas Paula nunca faz isso, e o avião em que ela embarcou não está em lugar nenhum. É como se tivesse desaparecido completamente.
A sinopse narra apenas uma das reviravoltas de O Sinal que em muitos aspectos lembrará a série Apple TVConstelação – tudo começa na ISS. Paula e seu parceiro de missão, Hadi (Hadi Khanjanpour) são recepcionados pela tripulação da estação e começam um experimento spbre recuperação de células auditivas.
A financiadora da missão, Mudhi (Sheeba Chaddha), uma bilionária indiana com evidentes interesses no mercado médico-farmacêutico. Maso que ela e nem Paula esperavam era um surpreendente sinalvindo do espaço sideral: uma repetitiva vozinfantil dizendo “olá” e adescoberta de que isso representa de quealgum tipo de inteligência seaproximada Terra.
Mas vem aprimeira reviravolta: no dia seguinte nada parecia real: não há nada gravado na fita e seu parceiro sugeri que ela teve algum tipo de alucinação.
A missão termina e ela retorna à Terra,para ser recepcionada pelos taff da bilionária Mudhino Deserto do Atacama,Chile.
Enquanto isso, seu marido Sven (Florian David Fitz) e sua pequena filha Charlie (Yuna Bennett veem ao vivo na TV. A intuição infantil de Charlie percebe que há algo errado com o comportamento da sua mãe. Percepção que só aumenta depois de Paula travar uma estranha conversa telefônica com Sven, comuma mensagem evidentemente cifrada.
Para depois o mistério aumentar com o desaparecimento do avião no meio do Oceano Atlântico.
As coisas só pioram quando um áudio é vazado para a imprensa com a voz de Paula histérica na cabina do avião, sugerindo que ela foi a responsável pela morte de mais de 200 passageiro no oceano.
A vida de Sven e sua filha Charlie torna-se uma pesadelo: o entorno da sua casa vira um circo midiático de repórteres, câmeras e familiares das vítimas protestando e querendo fazer justiça com as próprias mãos.
A atmosfera das conspirações do Arquivo-X passa a dominar quando um chefe da agência espacial europeia fala para Sven que é tudo uma armação... para depois desaparecer.
Sven está desesperado por respostas. Ele e Charlie agarram qualquer sinal de esperança que possam encontrar. Nada aparece — até Sven descobrir que Paula lhe deixou um enigma que pode levá-lo até ela. Mas quanto mais ele segue as pistas, mais sua vida é derrubada. Sven percebe que as possíveis dicas de sua esposa sobre seu paradeiro podem, em vez disso, ser indicações de um desastre iminente — não apenas para Sven e Charlie, mas para todo o planeta. Acontece que, enquanto estacionada na ISS, Paula fez uma descoberta angustiante – algum tipo de inteligência extraterrestre se aproxima do planeta. E as coordenadas do local da chegada pode ser o segredo pivô de toda a conspiração.
Até aliens podem ser privatizados? Alerta de Spoilers à frente
Fica claro na série como a entrada dos interesses privados da bilionária indiana só embaralham ainda mais a trama. A revelação do sinal na conversa de Paula com Mudhi ainda na ISS parece ter mudado os interesses da bilionária: agora ela quer ser a embaixadora da Terra, conhecendo as coordenadas extas do local da chegada. Como mostra O Sinal, as motivações de Mudhi pode ser até religiosas, fundamentadas na filosofia védica. Mas ela está muito determinada: nem que seja para fazer pessoas desaparecerem pelo caminho... e fazer um avião cair no Atlântico.
Na verdade as motivações de Mudhi não são nada filosóficas: assim como os bilionários reais como Musk e Bezzos, ela é megalomaníaca e se acha imbuída da missão de salvar o planeta Terra... e lucrar bastante com isso.
Em mais um reviravolta narrativa, descobrimos o ardil de Paula para que a verdade fosse conhecida por todos: ainda na ISS conseguiu vazar as gravação do sinal, caindo nas mãos do governo. Que responde da pior maneira possível: amendrontados com uma possível civilização com tecnologia superior, as forças armadas decidem matar o mal pela raiz – descobrir o local da chegada e receber os visitantes com armas nucleares.
Em O Sinal não há redenção: enquanto o governo está preocupado unicamente com questões geopolíticas e querendo acabar com tudo através de um ataque nuclear, no outro lado temos uma bilionária megalomaníaca querendo capitalizar a chegada dos supostos aliens.
E no meio disso, uma pai e uma filha perseguidos pelos dois lados e acreditando que Paula ainda está viva em algum lugar – a filha tem as coordenadas verdadeiras. Mais um ardil da protagonista Paula.
O Sinal reverbera a grande questão levantada pela ufologia: se os governos sabem sobre a existência dos Ovnis e inteligências extraterrestres, por que acobertam? Para a Igreja, a revelação que o Gênesis bíblico estava errado: o homem não foi criada à imagem e semelhaça de Deus. Pode até existir mais deuses... Para as forças armadas, o medo de que se repita a história da chegada dos descobridores europeus nasAméricas: uma tecnologia superior dizimar civilizações; e para os políticos, num mundo dividido, a descoberta de que seus poderes são insignificantes diante de uma inteligência superior.
E para os bilionários, o pavor de que a tecnologia alien seja tão disruptiva acabe com o próprio capitalismo.
Ficha Técnica |
Título: O Sinal |
Diretor: Sebastian Hilger |
Roteiro: Florian David Fitz, Nadine Gottman, Kim Zimmermann |
Elenco: Florian David Fitz, Peri Baumeister, Yuna Bennett, Hadi Khanjanpour, Sheeba Chaddha |
Produção: Bon Voyage Films |
Distribuição: Netflix |
Ano: 2024 |
País: Alemanha |