quinta-feira, setembro 28, 2023

'Ninguém Vai Te Salvar': por que queremos acreditar em discos voadores?


Para Jung o fenômeno OVNI era arquetípico: se no passado procurávamos a salvação nos céus através do mito e da religião, agora, numa sociedade tecnológica e ateia, procuramos a mesma coisa através dos discos voadores. O filme “Ninguém Vai Te Salvar” (No One Will Save You, 2023) lembra essa tese junguiana o fazer um mix de duas visões que sempre foram opostas nas representações dos extraterrestres no cinema: ou são objetos fóbicos, ou pacifistas que tentam salvar a humanidade de si mesma. Um filme que é uma experiência cinematográfica: com apenas duas linhas de diálogo, apresenta uma história impulsionada exclusivamente pela ação e narrativa visual – uma jovem solitária que mora num casarão tenta resistir a uma invasão alienígena.

Certa vez o psicanalista Carl G. Jung interpretou a onda de avistamentos de discos voadores a partir do final da Segunda Guerra Mundial como uma tentativa da psique do inconsciente coletivo em encontrar nos céus uma salvação para a época apocalíptica em que vivemos. Para Jung as pessoas sempre olharam para o céu em busca da salvação do perigo. Em tais momentos no passado as pessoas tinham visões de deuses, santos, anjos etc., que supostamente iriam resgatá-los do desastre (veja JUNG, Carl G. Discos Voadores: Mito Moderno Sobre Coisas Vistas no Céu, Petrópolis: Vozes).

Para Jung, a sociedade tecnológica nos tornou mais céticos para acreditar em seres sobrenaturais ou imagens mitológicas tradicionais. Por isso, passamos a interpretar os supostos sinais dos céus como máquinas alienígenas provenientes de mundos tecnológica ou moralmente superiores a nós.

Em outras palavras: Se no passado buscávamos deuses, anjos e santos, hoje esperamos por extraterrestres de uma civilização mais avançada que nos ensine o verdadeiro sentido da vida e da espiritualidade. 

No cinema e audiovisual, o fenômeno Ovni foi representando desde o pós-guerra de duas formas bem distintas: de um lado como a esperança que vem dos céus para salvar a humanidade de si mesma. Por exemplo, filmes como O Dia em que a Terra Parou (1951) ou E.T. o Extraterrestre (1982) figuram extraterrestres pacíficos que chegam à Terra para inspirar em nós os melhores sentimentos.

E do outro lado, os extraterrestres como objeto fóbico: beligerantes, invasores, que planejam ou nos exterminar ou parasitar nossos corpos e mentes.

Ninguém Vai Te Salvar (No One Will Save You, 2023), o mais novo longa-metragem de Brian Duffield, consegue inovar esse campo da ficção científica ao conciliar numa narrativa essas visões tanto fóbicas quanto empáticas sobre os extraterrestres. E, ao final, a esperança junguiana de que esses seres que vêm até o nosso planeta com suas máquinas fantásticas sejam mais empáticos conosco do que nós com nossos próprios semelhantes.



Brian Duffield parece ter seguido à risca o conselho de Steven Spielberg: se você quiser aprender tudo sobre técnicas cinematográficas, assista a filmes com o som desligado. Ninguém Vai Te Salvar é um filme com no máximo duas linhas de diálogo em uma hora e meia de duração, impulsionado quase exclusivamente pela ação e narrativa visual.

O filme é uma agradável surpresa, tanto pela sua realização minimalista como pela mistura de gêneros, transitando do sci-fi para o terror, flertando com o subgênero da invasão doméstica (com alusões até ao clássico Esqueceram de Mim) para terminar com o flerte gnóstico ao estilo de Não se Preocupe, Querida (2022).

O que torna o filme ainda mais curioso é que a protagonista se sente tão alienígena quanto os próprios aliens devem se sentir ao aportar nesse planeta: Brynn (Kaitlyn Denver) é uma solitária silenciosa, com um terrível trauma na infância e que repercute até hoje – por algum motivo, é ignorada e odiada basicamente por todos na cidade. Por isso, vive sozinha em uma casa grande e isolada. É uma estrangeira entre seus próprios conhecidos.

Vive ocupada fazendo vestidos, construindo uma maquete que reproduz em pequena escala a própria cidadezinha em que vive e escreve cartas para sua amiga de infância. Até a casa ser invadida. A princípio imagina ser um assaltante comum. Até descobrir que é um alienígena alto, no melhor estilo Roswell, com poderes telepáticos.



Bem diferente dos blockbusters de invasões aliens em meio a espetáculos pirotécnicos e explosões, nesse filme a invasão é furtiva e silenciosa. Leva algum tempo para a protagonista se dar conta de que há uma invasão massiva – e talvez nem a própria cidade chega a perceber.

O Filme

Ninguém Vai Te Salvar, não perde tempo. Depois de uma breve configuração na qual descreve o cotidiano solitário de Brynn, vai direto para a ação: uma invasão doméstica que na verdade é uma invasão alienígena. O que se segue é uma mistura incrivelmente tensa e surpreendentemente silenciosa de ficção científica e horror.

É realmente assustador; o extraterrestre se move de maneiras inquietantes, torcendo e contorcendo seu corpo, e faz uma espécie de som de clique que é muito, muito alienígena.

O que é impressionante sobre esse primeiro encontro, no entanto, é que é apenas a ponta do iceberg. A partir daí, o filme começa a expandir o seu escopo, porém sem sair dos trilhos. A ameaça alienígena cresce e - como o título do filme nos informa - Brynn está totalmente sozinha, já que seus vizinhos (incluindo a polícia) não levantam um dedo para ajudar. 

Aliás, todos parecem ignorar o que está ocorrendo. Um estranho comportamento que aos poucos o espectador vai descobrindo o motivo: esses seres trazem consigo um estranho parasita que toma o controle dos corpos e mentes das pessoas, tornando-os dóceis e indiferentes – e, certamente, controláveis pelos extraterrestres.



No seu melhor, a ação reflete os momentos mais intensos da adaptação de Steven Spielberg de 2005 de Guerra dos Mundos, transformando uma casa normal em uma zona de guerra extraterrestre sitiada.

O filme também faz um ótimo trabalho ao manter seu mistério. Os alienígenas nunca são explicados em grande detalhe; na verdade, quase não há nenhum diálogo no filme. A história é transmitida de forma inteligente através dos próprios detalhes do entorno, juntamente com o excelente desempenho da atriz protagonista. Da mesma forma, o outro grande segredo — porque todo mundo odeia Brynn — só é explicado no fim. Embora nunca se afaste muito de seu conceito inicial, Ninguém Vai Te Salvar ainda consegue manter suas reviravoltas difíceis de prever.

Uma visão junguiana sobre os OVNIs

Percebemos que na medida em que o filme avança, seu escopo se alarga – os motivos da invasão se tornam cada vez mais abrangentes, terminando numa atmosfera gnóstica que lembra o filme Não se Preocupe, Querida.

A chave de interpretação do filme, é o fato da protagonista se sentir tão estrangeira quanto os próprios extraterrestres. Brynn passa seus dias construindo a maquete do que imagina poderia ser uma vida idílica daquela pequena cidade. Cria um cotidiano solipsista, uma bolha auto-indulgente para resistir à rejeição de todos ao redor.



Ao mesmo tempo, Brynn é dura na queda. Lembrando as estratégias de defesa de Kevin no filme Esqueceram de Mim, ela parece surpreender os alienígenas pela sua resistência. 

Os seres alienígenas mostram uma rara compaixão: ela é abduzida, suas memórias traumáticas descobertas para depois ser enviada de volta à Terra. Desta vez, para a sua cidade, agora refeita pelos alienígenas, sem hostilidades e empáticas com ela. Todas as "pessoas" são legais com Brynn, transformando o filme em um musical indie onde Brynn celebra sua nova vida naquele mundo magicamente reconstruido. Ela finalmente se torna aceita neste mundo dos sonhos. É a vida feliz que ela sempre esperou, ajudando-a a superar o trauma e a dor. 

Os alienígenas parecem acreditar que ela sofreu o suficiente, e depois de toda essa penitência, ela merece uma segunda chance. 

O final é ambíguo: será que Brynn morreu ou vive em algum tipo de mundo virtual criado pelos aliens? Temos, portanto, um final CosmoGnóstico? É igualmente possível que ela esteja experimentando algum tipo de sonho febril enquanto os alienígenas trabalham em sua mente. 

De qualquer forma, no final a curiosa mistura de gêneros de Ninguém Vai Te Salvar lembra a interpretação junguiana sobre o fenômeno dos discos voadores: fenômeno arquetípico atualizado ao mundo tecnológico atual – continuamos procurando nos céus um sentido ou propósito para a existência nesse planeta, da Astrologia aos discos voadores.


 

 

Ficha Técnica

 

Título: Ninguém Vai Te Salvar

Criação: Brian Duffield

Roteiro:  Brian Duffield

Elenco:   Kaitlyn Denver, Elizabeth Kaluev, Zack Duhame

Produção: 20th Century Fox

Distribuição: Hulu

Ano: 2023

País: EUA

   

 

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