domingo, abril 12, 2020

Coronavírus: jornalismo no álcool em gel simula polarização Mídia X Bolsonaro


Nesse momento o respeitável público acompanha uma suposta batalha épica entre a grande mídia (em particular a Globo) do lado do Iluminismo, da Ciência e da Informação; e do outro o obscurantismo negacionista de Bolsonaro. Telecatch para entreter as massas: se, como falam diariamente colunistas e analistas, o presidente é uma figura tão tóxica que incitaria as pessoas a relaxar o isolamento social, então por que destacam e repercutem as “saidinhas” de Bolsonaro por padarias e centros comerciais, enquanto jornalistas e cinegrafistas se aglomeram em torno dele? Desrespeitando as medidas sanitárias... Lição semiótica: não se pode negar transformando em imagem aquilo que é negado, é o triunfo icônico. Negar Bolsonaro ao mesmo tempo que o exibe e o promove é a complexa operação semiótica jornalística nesse momento. Grande mídia e Bolsonaro partilham da mesma visão de Economia, Estado e Sociedade. Por isso, acompanhamos uma polarização simulada fabricada por um jornalismo tão asséptico quanto álcool em gel - promove o isolamento social por um ponto de vista de classe média em espaçosas casas. Enquanto os pobres se apinham nas periferias, ressentido... E Bolsonaro está à espera deles.

O leitor desse Cinegnose deve se lembrar do chamado “Escândalo da Wikipédia” em 2014, em pleno auge da guerra híbrida com bombas semióticas explodindo quase que diariamente na grande mídia para criar escândalos que desestabilizassem o governo Dilma Rousseff. E cujo desenlace final foi o impeachment em 2016.
“Planalto altera o perfil de jornalistas com críticas e mentiras”, deu a bombástica manchete o jornal O Globo. As vítimas teriam sido seus colunistas Miriam Leitão e Carlos Sardenberg – seus perfis na Wikipédia teriam sido alterados, com críticas e acusações, a partir de um endereço IP da rede wi-fi do Palácio do Planalto – clique aqui.
 Dilma em pessoa, ou alguns de seus “militantes”, teria perpetrado esse ato terrorista que atingiria a “liberdade de imprensa”. Mais uma prova da natureza totalitária dos governos do PT, comunistas ou de esquerda.
Uma verdadeira “não notícia” (a própria matéria ao final diluía a “bomba” da manchete – qualquer um poderia ter usado o wi-fi do Palácio) que foi tentada dar pernas para repercutir. De forma autofágica, a Globo ofereceu suas próprias estrelas do jornalismo em sacrifício, como homens-bomba, em prol de um objetivo maior – o impeachment.
Seis anos depois, deixamos o período da guerra híbrida através das bombas semióticas – afinal, o perigo do PT foi afastado e a agenda econômica neoliberal foi imposta. E, mais do que isso, a crise do COVID-19 abre uma nova janela totalitária: destruição ainda mais rápida do que resta das garantias sociais e conquistas trabalhistas, além do vislumbre de novas formas de controle das massas por meio, p. ex., do rastreamento de celulares.



Agora estamos imersos no cenário de guerra criptografada: camadas e mais camadas de informações contraditórias, criação exponencial de polarizações, telecatchs diários para hipnotizar corações e mentes – Bolsonaro X Braga Neto, Negacionistas X Ciência, Mandetta X Bolsonaro, Governadores contra Bolsonaro etc. 
Se na guerra híbrida as bombas semióticas provocavam explosões pontuais que iam minando a estrutura do Governo, agora temos uma criptografia extensa, que cria uma interface de acontecimentos que sequestram a atenção do espectro político e das pessoas confinadas em suas telas dentro de casa. Enquanto, invisível, roda um Sistema Operacional (SO) com uma agenda bem definida: reengenharia social e liquidez do sistema financeiro com drenagem do dinheiro público.

O jornalismo no álcool em gel

Mas temos o papel decisivo do “Jornalismo no álcool em gel”, asséptico, que de um lado pretende glamourizar o isolamento social a partir de um ponto de vista de classe média; e do outro, criar mais um telecatch para o respeitável público: a Grande Mídia (representando a “Ciência”, a “Informação” e o “esclarecimento”, sempre do lado do ministro Henrique Mandetta) versus o obscurantismo do presidente Bolsonaro.
Assim como no episódio do “Escândalo da Wikipédia”, a grande imprensa sacrifica seus jornalistas como peões das suas épicas batalhas semióticas. Dessa vez, com uma articulação simbólica mais complexa: tem que criar a impressão de que está em meio a uma cruzada contra um presidente tosco e ignorante, usando as armas iluministas da Ciência e da Informação.
Por exemplo, nesse momento colunistas, como a analista econômica Miriam Leitão (reparem que nas lives da sua residência está sempre presente um microfone colocado em pedestal sobre a mesa, como falasse de um púlpito – simbolismo de que sua fala é a voz oficial da própria emissora?), acusam o afrouxamento espontâneo das medidas de isolamento social como responsabilidade de Bolsonaro – o estrago provocado pelas suas saídas insistentes, cercados por seguranças em Brasília, visitando farmácias, bares, padarias e pequenos centros comerciais. Enquanto cumprimenta a todos no corpo a corpo, estendendo as mãos, numa afronta às recomendações sanitárias.
O próprio capitão da reserva ironizou, enquanto ria à toa: “também os repórteres contrariam as normas ao segui-lo até a farmácia...”. Ironicamente, contrariando as normas de saúde, jornalistas também se aglomeram para registrar suas “saidinhas” e, igualmente, supostamente também desobedeceriam às normas sanitárias.
Ora, como dizem editoriais da grande mídia, se o Jornalismo é um serviço essencial que necessita passar informações às pessoas confinadas, ao lado da sociedade na batalha contra o novo coronavírus, por que destacar com fotos e imagens ele caminhando pelas ruas, dando as mãos para a população? 
Se o exemplo de Bolsonaro é assim tão nefasto para as urgentes medidas sanitárias, por que então a grande mídia continua dando ibope para cada ato tresloucado presidencial? Por que não o jogam para a “Sibéria do esquecimento” (Brizola) como o fizeram com Lula e tantos outros desafetos? Por que continuam a dar visibilidade a uma figura supostamente tão tóxica?
Por que sacrificar repórteres diariamente, a cada manhã, no “cercadinho” em frente do Palácio da Alvorada no ritual de humilhação diante da claque de fãs do presidente?

"Cercadinho" do Alvorada: "Eu sei o que vocês fizeram no verão passado...".

A polarização simulada

Um dos poucos analistas à esquerda que estão observando essa manobra semiótica é o linguista Gustavo Conde:
Bolsonaro – perdão pela falta de educação – está rindo à toa. Ele desfila na nossa cara e ninguém irá impedi-lo, pelo contrário: os jornais e mídias ‘alternativas’ adoram destacar as fotos com ele caminhando pelas ruas de Brasília. Dá um ibope danado. 
A fronteira entre divulgar o que ‘precisa’ ser divulgado e o oportunismo irresponsável de propagar o comportamento exótico de um presidente com problemas de sanidade e caráter, foi implodida pela falta de capacidade técnica do nosso jornalismo. (...) 
Bolsonaro – desculpem o linguajar – conta com essa imprensa para perpetuar seu poder de influência sobre a população brasileira, inclusive a que o rejeita: a tensão entre presidente e imprensa faz com que o consumidor de informação tenha de optar entre um e outro. 
É a verdadeira ‘polarização’, essa palavra que essa mesma imprensa, de maneira inocente (e burra), quer jogar no colo da esquerda. Em outros tempos, esse acirramento da polarização entre presidente e imprensa resultava em impeachment. (clique aqui)
Por que Bolsonaro está rindo à toa, com a tranquilidade daqueles que sabem que são impunes? É como se ele dissesse a todos os repórteres que os cercam: “eu sei o que vocês fizeram no verão passado!”.
Ele sabe que está ali, no poder, como a resultante de um grande acordo nacional, “com o Supremo e com tudo”, um arco da aliança entre banca financeira, Casa Grande, classe média (a mesma que a gora bate panelas), Judiciário, Congresso e mídia corporativa.  
Na sua preocupação com a assepsia política, chafurdada em álcool em gel, agora o jornalismo corporativo simula um telecatch com o presidente. Sugere que sua presença é tóxica, anticivilizatória, obscurantista e negacionista. Mas paradoxalmente quer negar mostrando aquilo que supostamente recusa, colocando diariamente no foco das câmeras.

Régis Debray

O triunfo icônico

Ora, como colocou o pesquisador midialógico, o francês Regis Debray, numa sociedade do espetáculo é impossível negar aquilo que se mostra – toda imagem é afirmativa em si mesma, é o triunfo icônico que desde muito cedo a Igreja Católica descobriu com a profusão de imagens dos santos e de Jesus nos altares e tetos – leia DEBRAY, Regis, Vida e Morte da Imagem, Vozes, 1993.
Negar mostrando é a operação semiótica do jornalismo corporativo (e também involuntariamente pela mídia independente, hipnotizada pelo telecatch diário). Mandando às favas qualquer fronteira do que “precisa ser mostrado”, em nome de um suposto “serviço essencial da informação”. Álibi ingênuo para jornalistas inocentes, aqueles mesmos que são humilhados diariamente pelo presidente que ri à toa.
Os resultados são perceptíveis, muito além do rastreamento de celulares que comprova que há um crescente afrouxamento do isolamento social.
Se as lives e saidinhas presidenciais são mostradas e repercutidas pelos “escandalizados” colunistas e, ao mesmo tempo, o jornalismo no álcool em gel foca nos “perrengues chiques” de uma classe média confinada (fazendo shows nas sacadas, trabalhando nos seus home offices, fazendo circuit training nas suas salas de estar etc.), o povão confinado nas periferias apinhadas e sem espaço (além de não mais contar nem com a renda do “empreendedorismo”) assiste a tudo ressentida. 
E Bolsonaro, mestre em explorar o ressentimento coletivo (aliás, como é o modus operandi histórico da extrema-direita), torna-se o herói “anti-político” e “anti-tudo que está aí”. 
Sintomas já são percebidos, por exemplo, nos links ao vivo de repórteres nas ruas, expostos não apenas ao coronavírus, mas também a insatisfação “bolsomínia”. 
Em uma única edição do telejornal SPTV-1 da Globo, dois repórteres sofreram ataques: no primeiro, o jornalista estava ao vivo na estação terminal Jabaquara, quando um senhor passou por trás gritando “Globolixo!”. E no segundo, o repórter esportivo Renato Peters, “emprestado” ao telejornal local, teve seu microfone roubado por uma mulher, em frente ao Hospital Geral Vila Nova Cachoeirinha. Enfurecida, gritou para as câmeras: “Bolsonaro tem razão, Globo é um lixo!”.

Quais são os sonhos dos Chicago Boys?

  Como observa o linguista Gustavo Conde, o suposto debate entre imprensa e Bolsonaro é “superficial” (este humilde blogueiro seria mais enfático, é uma SIMULAÇÃO), pois eles, na prática, partilham das mesmas “visões de Economia, Estado e Sociedade”. 
Por exemplo, essa visão partilhada está no elogio da grande mídia ao rastreamento de celulares como forma de controle do isolamento social... e o coelhinho da Páscoa diz que é tudo “dentro do respeito da privacidade dos cidadãos”.

Sonhos de um “Chicago boy”

Uma pequena amostra desse “sonho erótico totalitário” (Slajov Zizek) é a figura do agora convertido “iluminista” João Doria Jr: ele já estava com a ideia fixa dos bailes funks (“NÃO É HORA DE BAILE FUNK!”, afirmou em uma coletiva o governador “pistola”). Periferias devem ser deixadas, como sempre, “aos costumes” da truculência da vigilância e controle policiais.

Praça do Pôr do Sol (SP) cercada: The Brave New World

Agora, a nova fixação, dessa vez do prefeito Bruno Covas, passou a ser a Praça do Pôr do Sol, no bairro de Pinheiros, em SP. De todas as praças de São Paulo que visivelmente apresentam sinais de relaxamento do isolamento social, essa tornou-se emblemática, merecendo um tratamento especial: isolamento por tapumes e grande repercussão nos telejornais.
Por que? Porque é uma praça emblemática por representar tudo aquilo que o brave new world da nova reengenharia social irá monitorar, localizar e isolar: maconheiros, esquerdistas, comunistas, jovens desocupados, artistas ociosos ou perigosos notívagos que perturbam a ordem da família e da Pátria. 
Ambos, Bolsonaro e grande mídia, partilham das mesmas visões de mundo: a neoliberal, cuja essência é o darwinismo social – somente os mais aptos devem sobreviver para uma sociedade evoluir.
Essa é a agenda desse SO invisível (porque criptografado) que roda por trás da interface da falsa polarização: criar pilhas de cadáveres para acabar com os desempregados e aposentados. A verdadeira e derradeira reforma fiscal e previdenciária! A solução final!
Afinal, esse não é o “sonho erótico” de qualquer “Chicago boy”?

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