Um filme obrigatório para estudantes de graduação em Comunicação.
Influenciado pelo cinema “noir” e pelo expressionismo alemão do clássico “Metrópolis”,
o diretor argentino Esteban Sapir fez o filme “La Antena” (2007): uma curiosa
estética inspirada no cinema mudo e metalinguagem das histórias em quadrinhos.
Um filme crítico sobre os meios de comunicação, a imaginação e as palavras. Em
uma cidade escura e invernal todos ficaram sem voz. O Sr. TV, dono de um
monopólio televisivo (o Canal 9) tem um malévolo plano para dominar todos os
cidadãos: sequestrar A Voz, a única pessoa que conservou o dom da fala. Para
transformá-la na atração principal da sua emissora enquanto ele arquiteta outro
plano ainda mais sinistro: roubar as palavras, para completar o seu regime de
Telecracia. “La Antena” é uma provocativa metáfora dos monopólios
latino-americanos de comunicação e de como a mídia é usada como arma para
sustentar regimes totalitários.
No
cenário cinematográfico latino-americano, são poucos os filmes ficcionais sobre
os monopólios dos meios de comunicação de massas e manipulação da informação. Documentários
sobre as mazelas políticas e ideológicas da hegemonia da grande mídia são
comuns. Mas narrativas de ficção em nosso continente são escassas - o filme
mexicano A Ditadura Perfeita (2014) ou
o chileno No (2012) são alguns poucos
exemplos.
Mas o filme
argentino La Antena (2007), de
Esteban Sapir, é uma pequena gema preciosa: não é apenas uma narrativa
ficcional, mas um drama fantástico, mudo e metalinguístico. Filmado em preto e
branco, conta com violência estética, jogos de ironia, trilha musical que
interage com as imagens enquanto seus personagens entrelaçam suas estórias em
ambientes fantásticos: uma cidade escura, em tom de filme noir dos anos 1940,
onde neva o tempo inteiro.
La Antena mistura live action, colagens
e croma key, contando ainda com uma
pós-produção digital para compor cenários, formas gráficas e trabalhar a luz. O
resultado são constantes alusões ao cinema mudo, clássicos como Metrópolis (1927) de Fritz Lang, a
estética da propaganda nazifascista, expressionismo alemão e os mundos
fantásticos das produções de Tim Burton.
Por
que o filme é mudo? Não apenas por uma filigrana estética, mas por uma
decorrência do argumento principal: uma cidade inteira teve sua voz roubada
pelo Sr. TV, um magnata dono de um monopólio televisivo que leva a cabo um
plano maléfico de dominar todos os cidadãos.
Como é
mostrado em La Antena, esse é apenas
o passo inicial: o poderoso Sr. TV pretende algo muito maior que implicaria na
quebra da última resistência dos cidadãos contra o monopólio. Roubar da cidade
a última coisa que ainda permite alguma forma de comunicação livre: retirar as
próprias palavras das pessoas – e as próprias legendas do filme, num curioso
lance metalinguístico do roteiro.
Narrativa fantástica
Ao
optar por uma narrativa fantástica e não-realista, Esteban Sapir deu um tom
mais universal da luta entre o bem e o mal para tratar do fenômeno da
concentração midiática. Fenômeno que pode ser até global, mas que na América
Latina assume aspecto politicamente mais dramático – a forma como grupos como
Globo, no Brasil; Televisa, no México; Cisneros, na Venezuela; Grupo Clarín, na
Argentina e Caracol e RCN na Colômbia, criam golpes e crises políticas para
impor e sustentar governos autoritários no poder.
Dessa
maneira, La Antena constrói uma
curiosa alegoria do drama das comunicações latino-americanas indo mais além,
fazendo lembrar filmes sci-fi como No
Mundo de 2020 (Soylent Green,
1973): o Sr. TV não se limita a roubar a voz de todos e impor o seu monopólio
televisivo. Ele também possui o monopólio da produção de alimentos – uma
espécie de biscoito com o logomarca da emissora (o Canal 9 com um design em
espiral) para ser comido enquanto se assiste à TV.
Monopólio,
passividade e dominação política compõem a realidade da telecracia do filme La
Antena. O que torna La Antena um filme obrigatório para ser
exibido e discutido em qualquer graduação em Comunicação Social, para os
futuros profissionais que ocuparão os postos no mundo do jornalismo e da
publicidade.
O Filme
Tudo
começa com um equívoco que fará uma família descobrir os malévolos planos do
Sr. TV. Um carteiro se engana de casa na entrega de uma correspondência, caindo
nas mãos de uma menina chamada Ana (Sol Moreno).
Ao
entregar depois a correspondência na casa correta, Ana conhece o menino Tomás
(Jonathan Sandor): ele não tem os olhos, mas tem uma capacidade secreta: consegue
falar. Sua mãe é A Voz (Florencia Raggi) uma cantora que foi sequestrada pelo
Sr. TV (Alejandro Urdapilleta) para ser a atração principal do Canal 9.
Na
verdade, a personagem é a metáfora da condição alienante daquela cidade: a Voz
foi roubada pela TV para que os cidadãos possam, fascinados, ver na tela aquilo
que lhes foi roubado. Uma analogia da própria condição assimétrica dos
monopólios de comunicação perante a sociedade – assistimos a especialistas que
falam por nós e anúncios publicitários que prometem nos devolver qualidades que
supostamente não temos (sedução, autoconfiança, alegria etc.), desde que compremos
o produto anunciado.
É o
chamado “fetichismo da mercadoria”, condição existencial alienante n qual só
nos sentimos completos se adquirimos mercadorias para completar alguma coisa
que supostamente nos falta.
Seu
pai, O Inventor (Rafael Ferro), e seu avô (Ricardo Merkin) são demitidos do
Canal 9 depois de perderem uma peça promocional (homens-balão que voam pela
cidade para promover os biscoitos da emissora). Depois disso, juntos com Ana,
irão investigar os malévolos planos do Sr. TV – o sequestro da Voz e a
construção de uma máquina (ao estilo do filme Metropolis) para roubar as palavras de toda a cidade. Isso sem
falar no terrível segredo que está por trás dos biscoitos do Canal 9.
Porém,
resta uma última esperança para todos: A Antena, uma torre transmissora
abandonada nas montanhas que pode ser a chance de fazer a voz do menino cego
Thomás ser transmitida para quebrar o monopólio do Sr. TV. E anular o efeito da
poderosa máquina que roubará as palavras da cidade e das próprias legendas do
filme.
Telecracia subliminar
A telecracia
descrita por Estaban Sapir no filme está repleta de metáforas políticas e
subliminares sobre a dominação dos monopólios de comunicação.
A
cidade invernal dominada pelo Canal 9 é robótica: todos parecem isolados,
solitários. E a condição de precarização do trabalho (subempregos, bicos etc.)
parece que só reforça essa condição: vemos “homens-balão” que voam pela cidade
divulgando promoções, o pai e o avô de Ana são subempregados no Canal 9 e vivem
na pobreza.
Nessa
condição sócio-econômica, a única forma de entretenimento possível passa pelo
monopólio do Canal 9. Todos isolados, cada um em sua residência assistindo
aquilo que lhes foi roubado. Em outras palavras, a aplicação prática da velha
máxima maquiavélica: dividir para reinar.
La Antena também parece fazer uma
incursão em um clássico tema da Escola de Frankfurt: a relação entre a
desestruturação familiar e a hegemonia dos meios de comunicação sobre a
sociedade. No filme, acompanhamos a reconciliação entre o pai de Ana e sua mãe,
A Enfermeira (Julieta Cardinale), condição para que o grupo se fortaleça para
colocar em ação o plano contra o Sr. TV.
Principalmente
para Max Horkheimer, a desestruturação familiar foi a quebra do último foco de
resistência contra a Indústria Cultural: o fim da ordem patriarcal e suas
autoridades (o pai, o professor e o padre) correspondeu à hegemonia das
celebridades midiáticas e das lideranças políticas como Hitler e Mussolini,
massivamente promovidos pela propaganda política através do rádio e cinema.
Também
La Antena ainda suscita uma questão
subliminar: a relação entre a passividade do espectador e o papel do alimento
nas mídias de massa. Por exemplo, para o italiano Massimo Canevacci (Antropologia do Cinema, Brasiliense,
1985) a passividade da mídia cinema (e, por extensão, da própria TV), com
espectadores submetidos à hierarquia do olhar, passivos nas poltronas ou sofás,
se assemelharia à própria condição infantil de passividade da relação do bebê
com a mãe.
Lembrança
atávica que se transforma numa “socialização da rendição”: todos parados, com
as bocas abertas (como o bebê esperando o leite materno), comendo pipocas ou
guloseimas. E no caso de La Antena,
comendo o misterioso biscoito. Na verdade uma parte da engrenagem do malévolo
plano do Sr. TV.
Ficha
Técnica
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Título: La Antena
|
Diretor: Estaban Sapir
|
Roteiro: Estaban
Sapir
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Elenco: Alejandro
Urdapilleta, Julieta Cardinalli, Rafael Ferro, Florencia Raggi, Sol Moreno,
Jonathan Sandor
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Produção: LadobleA
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Distribuição: Pachamama
Cine
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Ano: 2007
|
País: Argentina
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