Assim como na Copa de 2014, mais uma vez Neymar sofre uma contusão que
o retira de uma cena catastrófica: lá atrás, livrou-se dos humilhantes 7 X 1 contra a
Alemanha; hoje, escapa de mais uma possível derrota para o Real Madrid que tiraria o PSG
da Champions League. O que tornaria ainda mais pesado o clima do craque com a
imprensa francesa. Mas parece que os interesses dos gestores da imagem do
jogador (o “Neymarketing”) estão se alinhando à estratégia diversionista da
grande mídia num momento de intervenção militar no Estado do Rio – ponto de
inflexão que representa o “laboratório” para “melar” as eleições desse ano pela
criação de inimigos internos: favelas e crime organizado. No dia da cirurgia do
jogador em Belo Horizonte, o veterano repórter esportivo Mauro Naves
protagonizou ao vivo uma desajeitada tentativa para criar um suposto clima de
comoção popular na frente do hospital. Sem um evento real, restou a
mise-en-scène e o não-acontecimento tautista: jornalista entrevistando outro
jornalista e as indefectíveis crianças com camisetas amarelas.
Após o
naufrágio nas pesquisas sobre a aprovação do governo do desinterino Temer e do
fiasco reforma da Previdência (apesar do terrorismo das agências internacionais
de classificação de risco rebaixando o Brasil), a seleção brasileira de futebol
e a proximidade Copa do Mundo transformam-se num importante tema para ocupar a
pauta midiática. Para desviar a atenção opinião pública de uma crônica crise
econômica de desemprego.
Ao
lado da intervenção militar no Estado do Rio de Janeiro e da sombria declaração
do interventor, general Walter Souza Braga Netto, de que o Estado é “o
laboratório para o Brasil”, não há como evitar uma sensação de “déjà-vu”.
Pelo
menos para aqueles que viveram no período da ditadura militar brasileira
(1964-1985) – após o fracasso da seleção na Copa de 1966 (dois anos após o
golpe militar) o presidente general Emílio Garrastazu Médici interveio na
seleção do “comunista” técnico João Saldanha sob o pretexto de forçar a
escalação de Dario, do Atlético Mineiro.
Mas
agora a intervenção, pelo menos no futebol, não é governamental e nem militar:
é através do auxílio luxuoso e sempre prestativo da grande mídia, às voltas com
a promoção do agronegócio como a panaceia que salvaria o Brasil de si mesmo.
Assim
como na época dos militares, a Copa do Mundo é agora o centro da estratégia
diversionista. E o jogador Neymar, o pivô da comoção que pretende se criar na
opinião pública. Um jogador vendido para o distinto público como a salvação da
seleção. Algo assim como uma espécie de “gênio” de um “Brasil que dá certo”.
“Circo midiático” para Neymar
Uma
pequena parte do todo dessa estratégia pode ser assistida no programa do SporTV
“Troca de Passes”, apresentado pelo jornalista Tiago Maranhão ao lado de uma
inacreditável matéria do veterano repórter esportivo Mauro Naves.
O
contundido Neymar (uma fratura do quinto metatarso do pé-direito em um jogo do
PSG pelo campeonato francês) foi submetido nesse sábado a cirurgia no hospital
Mater Dei, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Todo o viés da matéria
(alinhando-se ao tom geral da grande mídia brasileira) foi de mostrar e tentar
comprovar que houve um “circo midiático” (termo usado por Mauro Naves) e uma
comoção de torcedores à porta do hospital mineiro.
O veterano repórter falava ao vivo na noite de
sábado. E chamou uma matéria editada sobre os eventos que supostamente teriam
ocorrido ao longo do dia na frente do hospital.
O que
foram vistas foram imagens constrangedoras, numa tentativa de Mauro Naves
forçar a barra para tentar criar uma atmosfera de preocupação popular na
portaria do hospital. Falava-se em “dezenas de torcedores” e tudo que víamos
eram jornalistas e técnicos montando tripés, câmeras e estendendo fios no chão para
a cobertura do evento. Naves falava de “grupos de torcedores”, mas víamos apenas
uma dupla solitária com as indefectíveis camisetas da CBF (de péssima
recordação) fazendo graça para a câmera.
E numa
evidente mise-en-scène criada para as
lentes da imprensa presente, via-se duas crianças paramentadas com o uniforme
completo da seleção fazendo dribles um no outro, solitárias, em um espaço vazio
na calçada em frente ao hospital.
Não-acontecimento
Como
sempre ocorre quando o repórter tem uma pauta na mão para cobrir um
acontecimento que não existe ou que teimosamente insiste em contradizer a pauta
criada no “aquário” da redação, cria-se um não-acontecimento: o jornalista
começa a entrevistar outros jornalistas que também chegam ao não-acontecimento.
Se o fato não existe, resta aos estóicos jornalistas entrevistarem outros
jornalistas, num irônico e explícito exercício de tautismo – Tautologia (o
jornalismo falando de si mesmo) + “autismo” (jornalismo solipsista que se fecha
em si mesmo através de uma pauta cega à realidade).
A
matéria, cuja pauta seria apresentar imagens de uma concentração popular em frente
a um hospital torcendo pela recuperação do craque, virou um exercício
auto-referencial e metalinguístico. Uma reportagem vazia sobre a repercussão
midiática de “neymarketing” – jocosa expressão para figurar os movimentos de um
jogador preocupado, acima de tudo, com as repercussões extra-campo dos seus
dribles.
Mas o
pior ainda estava por vir. Após um eufórico Mauro Naves encerrar a matéria em
tom “tudo que Neymar faz é notícia”, corta para o estúdio do SporTV.
Provando
que a “escola Galvão Bueno” continua forte no jornalismo esportivo da emissora,
um apoplético Tiago Maranhão (quem sabe, pela pressão no ponto para bombar
ainda mais a matéria sobre uma suposta “corrente de esperança” para que o
craque da seleção se restabeleça à tempo de salvar a seleção na Copa) resumiu
as imagens mostradas de Belo Horizonte como “fenômeno antropológico”!...
Mais jornalistas do que torcedores em frente ao hospital em BH |
“Modus operandi” Neymar e a intervenção militar
É
sabido que Neymar possuía um contrato de exclusividade com a Globo no período entre
2014-2016 (entrevistas, matérias, programas e até participação em telenovelas).
Os melindres que envolveram a ruptura levaram, de repente, comentaristas como
Casagrande e Galvão Bueno a criticarem o jogador, classificando-o como “mimado”
e “monstro” pelo seu “egoísmo” e “atitude” com a camisa do PSG – clique aqui.
Mas
isso foi antes da intervenção militar no Estado do Rio de Janeiro, evento que
foi turbinado e preparado pela própria Globo durante o Carnaval com imagens
selecionadas e repetidas ad nauseum
em rede nacional - o arrastão em uma praia, o roubo de uma idosa em uma calçada
em plena Zona Sul etc.
A
entrada em cena dos militares é o ponto de inflexão do governo do desinterino
Temer e das próprias forças políticas que o conduziram ao papel de servir de
para-raio do ódio popular enquanto enfia goela a baixo a receita neoliberal do
Departamento de Estado norte-americano e dos bancos mundiais.
Na
ausência de um candidato que seja a “grande esperança branca” para enfrentar
Lula (mesmo preso continuará influenciando o destino do voto), a intervenção no
Rio transformou-se no “laboratório” ou ensaio para melar as eleições a partir
do pretexto da criação de um inimigo interno: o crime organizado.
Não-acontecimento: presença massiva da jornalistas atrai anônimos "papagaios de pirata". Grande mídia chama isso de "festa de apoio a Neymar". |
Afinal
, todo esforço de bombas semióticas, Guerra Híbrida e golpe político de 2013
até aqui não vai ter sido em vão. Uma ação milimetricamente calculada não pode
ser deixada ao sabor dos caprichos de uma eleição democrática.
Por tudo
isso, para aqueles mais velhos como esse humilde blogueiro, fica uma trevosa
sensação de déjà-vu: essa combinação entre futebol e intervenção militar dá
arrepios, principalmente no momento atual de retrocessos no qual generais
retornam e até a teoria da terra plana vira um “hit” na hipermoderna Internet.
Por
tudo isso, é sintomática essa tentativa de criar algum tipo de comoção de uma
suposta “corrente prá frente” para o pronto restabelecimento de Neymar.
Sem
falar no estranho modus operandi
sincrônico nos últimos tempos da carreira do jogador: contusões oportunas que o
retiram de cenas esportivas catastróficas. Na Copa de 2014, a fratura na
vértebra pela joelhada do jogador colombiano Zúñiga que o tirou da competição e
da humilhação dos 7 X 1 contra a Alemanha.
E
agora, às vésperas de uma catastrófica eliminação do PSG para o Real Madrid na
Champions League (após acachapante derrota no primeiro jogo), Neymar ficará
fora por três meses. Desclassificação que certamente acirraria ainda mais os
conflitos do jogador com a imprensa francesa.
Algo assim como a gestão de imagem de
Alckmin e Dória Jr.: nas pautas positivas estão sempre dispostos a coletivas
com a imprensa e entrevistas; nos eventos potencialmente prejudiciais para suas
imagens, desaparecem e colocam secretários à frente como buchas de canhão ou
para-raios do ódio popular... assim como o desinterino Temer.
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