Como o clássico terror gótico “Frankenstein” seria contado no século
XXI? Certamente o cientista teria a sua disposição a clonagem e contra ele o
sensacionalismo midiático alimentando uma turba enfurecida de fundamentalistas
religiosos pregando o fim da Ciência e uma nova Idade Média. Esse é o terror
independente “Closer To God” (2014) de Billy Senese, onde vemos o drama de um
geneticista criador do primeiro clone humano e que terá que enfrentar uma
extensa cobertura midiática que o transforma em alvo de diversos grupos
religiosos radicais e violentos. Um filme que evita os clichês hollywoodianos
do “cientista louco” e do maniqueísmo “Ciência versus Religião”. Todos os lados
(Ciência, Mídia e Religião) têm suas mazelas e culpas. E o único ser próximo de
Deus é a pequena Elizabeth, o bebê clone inocente de toda a tragédia ao redor. Filme sugerido pelo nosso leitor Antonio Oliveira.
Imagine se o clássico terror gótico Frankenstein de Mary Shelley fosse
ambientada no século XXI. Certamente, o Dr. Victor Frankenstein teria à sua
disposição não mais pedaços de corpos para serem costurados e revividos com
impulsos elétricos, mas agora a tecnologia da clonagem e computadores.
Mas também não haveria mais aldeões enraivecidos carregando tochas nas
mãos querendo matar a monstruosa abominação, mas agora um escândalo midiático,
inúmeros grupos religiosos fundamentalistas gritando na sua porta e processos
nos tribunais acusando o doutor de abuso infantil.
E o mais paradoxal: enquanto Shelley via no século XIX o drama do Dr.
Victor Frankenstein como um Prometeu moderno, agora, em pleno século XXI, ele
enfrentaria a fúria religiosa da opinião pública alimentada pelo linchamento
midiático que pretende colocar Deus no lugar da Ciência.
Esse é o filme Closer To God
(2014), francamente inspirado no clássico Frankenstein onde nos conta a estória
do Dr. Victor Reed (Jeremy Childs), o primeiro cientista a clonar um ser humano, um bebê
chamado Elizabeth. O diretor Billy Senese faz evidentes alusões à Mary Shelley:
do nome do protagonista (Victor) ao bebê clonado (Elizabeth), o nome da esposa
do Dr. Frankenstein morta tragicamente no livro clássico.
Mas enquanto Mary Shelley buscou mostrar o drama do cientista como um
moderno Prometeu, em Closer To God
vemos o drama de um cientista que deve enfrentar a extensa cobertura midiática
que o transforma em um cientista louco levando a sua porta diversos grupos
religiosos radicais e violentos.
A área cinzenta do debate
A grande virtude da adaptação que o diretor Billy Senese faz do livro
clássico de Shelley é a de não retratar o protagonista dentro do velho clichê
do “cientista louco” embriagado com o poder de brincar de Deus, mas de alguém
cansado dos embates ideológicos e jurídicos,
além de ter sua vida profissional esmiuçada de forma sensacionalista
pela cobertura 24 horas da mídia.
Parece que Senese quer fugir da polarização Ciência versus Religião
sempre explorada pelo cinema. O diretor
quer encontrar uma área cinza do debate. Os diversos elementos embaralhados em
busca de algum sentido: o obscurantismo dos grupos religiosos, o
sensacionalismo midiático, o discurso do progresso inevitável acima da ética e
da moral, os perigos da criação de seres humanos para fins de fornecimento de
órgãos (tema de filmes como A Ilha), clones como seres de segunda classe sem
qualquer laço familiar ou afetivo etc.
Ciência, mídia, opinião pública, religião, clonagem e financiamento
privado. Ninguém parece ter a verdade no
drama de Closer To God. A única que
parece estar próxima de Deus é o bebê Elizabeth que se transforma em objeto de
manipulação por todos os lados.
O Filme
O filme começa com o nascimento aparentemente normal de uma menina
chamada Elizabeth – exceto quando a criança recebe imediatamente uma espécie de
sensor ligado à testa. Ela é a criação do Dr. Victor Reed, um geneticista
determinado a usar a clonagem como forma de fortalecer a espécie humana a
partir de uma intervenção direta nas regras da evolução. Quando as fotografias
do bebê começam a vazar para a mídia, ele é forçado a dar uma conferência para
a imprensa quando explica que, tecnicamente, ele não é o pai de Elizabeth mas o
seu irmão – ela foi clonada a partir do DNA do próprio cientista.
Depois dessa afirmação impactante as coisas só começam a piorar com uma
verdadeira blitz de publicidade negativa, ameaça de processos por autoridades
governamentais, multidão de manifestantes fundamentalistas e constantes
vazamentos de informações para a mídia por parte de uma médica da sua equipe.
Com a ameaça de invasão do laboratório localizado no subsolo de um
grande hospital, Victor não tem outra alternativa senão levar Elizabeth em um
incubadora para a sua residência, uma grande casa localizada em uma região
suburbana onde estão esposa, suas duas filhas e um casal de empregados (Mary e
Richard) que moram em um anexo.
Mas esse casal esconde um segredo ainda mais preocupante: a primeira
tentativa de clonagem mal sucedida, Ethan. Uma criança disforme, desajustada, e
mantida prisioneira em um quarto na casa dos empregados. Seu comportamento é
cada vez mais violento, preocupando Mary que cobra de Victor alguma providência.
Seus gritos são cada vez mais
guturais e arrepiantes, preparando o espectador para uma guinada narrativa que
o filme dá ao sair do drama sci fi para entrar no campo do terror. A crítica
aponta essa “emenda” como o ponto fraco de Closer
To God – alguns críticos mais cínicos falam que o filme é tão remendado
quanto o corpo do monstro Frankenstein!
Mas parece que o diretor deve ter se inspirado no célebre filme de
terror sci-fi B O Cérebro Que Não Queria
Morrer (The Brain That Woudn’t Die,
1962) onde um cientista mantém preso no quarto do seu laboratório uma
experiência monstruosa mal sucedida. Com sede de vingança a criatura arranca o
braço do cientista que tentava alimentá-lo e destrói o laboratório e todo o
trabalho da vida do seu criador.
Porém, o plano do cientista de integrar a menina Elizabeth a sua família
vai por água abaixo quando a médica da sua equipe vaza para a mídia fotos e a
nova localização, dessa vez com fotos sem retoque mostrando o sensor implantado
na testa do bebê. Em pouco tempo o entorno da casa de Victor Reed se transforma
em um circo midiático de jornalistas e grupos fundamentalistas políticos e
religiosos os mais variados e bizarros.
Alquimia criando vida
Para além do remendo narrativo apontado pela crítica, Billy Senese evita
qualquer tipo de maniqueísmo evitando o clássico antagonismo Ciência versus
Religião: todos os lados são mostrados com seus pecados e mazelas: a mídia, o
sensacionalismo; o cientista, a ambiguidade entre a ambição e o desejo de que
Elizabeth de um novo sentido a própria vida conjugal; a opinião pública, o
obscurantismo de um retorna a nova idade média queimando um cientista na
fogueira; e os óbvios interesses privados no financiamento da pesquisa sob o
álibi do combate a doenças degenerativas como o Alzheimer.
O tema do homem criando a própria vida é um clássico tema da mitologia
alquímica que narrativas como Frankenstein
de Mary Shelley apenas atualiza para os tempos modernos.
A ambição científica financiada por interesses mercadológicos tem na sua
essência a ambição gnóstica da Alquimia: através das transformações alquímicas
da matéria (Nigredo, Albedo, Rubedo)
repetir as etapas da criação a vida feitas por Deus (ou pelo Demiurgo) – se
temos a Plenitude dentro de cada um de nós, podemos repetir as etapas de
Criação criando a Alma a partir de uma forma material inferior.
Mas seríamos como Prometeu
moderno. Tal como na mitologia grega, o titã que roubou o “fogo do deuses” e
deu para os homens (no caso atual, o segredo de criar a vida por meio da
Ciência) é condenado pelos deuses: na mitologia, a ter seu fígado comido por um
corvo diariamente por 30 mil anos. Na modernidade, a ter seus objetivos
corrompidos pelo grande capital que financia as pesquisas e ser jogado para a
fúria midiática e obscurantismo da opinião pública.
Por isso Closer To God (“Próximo
de Deus”) é um título irônico: como fala a certa altura o protagonista Dr.
Victor Reed, a única pessoa próxima a Ele nessa história toda é a pequena
Elizabeth. Ecos da mitologia gnóstica da Queda e da Inocência – a Luz está
presente em cada forma de vida que surge nesse cosmos. Porém, corrompida pelas
formas que o Demiurgo cria - Mídia, Capital e Religião.
Ficha Técnica |
Título: Closer
To God
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Diretor: Billy Senese
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Roteiro: Billy Senese
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Elenco: Jeremy Childs, Shelean Newman,
Shannon Hope, David Alford, Isaac Disney
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Produção: Billy Senese, Jeremy Childs
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Distribuição:
Breaking Glass Pictures
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Ano: 2014
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País: EUA
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