domingo, dezembro 24, 2023

Em 'Paisagem com Mão Invisível' o Capitalismo é extraterrestre



O filme “Paisagem com Mão Invisível” (Landscape with Invisible Hand, 2023, disponível na Amazon Prime Video), adaptação do livro homônimo de M.T. Anderson, é um curioso mix de Economia Política e ficção científica. Fazendo alusões a duas coisas bem atuais: exclusão e precarização do trabalho no novo salto tecnológico do capitalismo; e as teses de estudiosos do fenômeno Ovni de que governos e elites econômicas não só sabem da presença alien nesse planeta, como também o salto tecnológico das últimas décadas veio da colaboração dessas elites com extraterrestres. Uma conspiração entre a elite e aliens contra a maioria dos seres humanos tornados obsoletos por hologramas e Inteligência Artificial. O filme é uma sátira sombria de um contexto que o Fórum Econômico Mundial define como “Grande Reset Global do Capitalismo”.

Por essa Karl Marx não esperava. Na verdade, Marx sequer suspeitava da capacidade do Capitalismo continuamente se reinventar, dando sucessivos saltos mortais assumindo as suas diversas formas tardias: o nazifascismo para saltar do crash de 1929; sociedade de consumo e Guerra Fria para dar o salto do pós-guerra; a Globalização para dar o salto da financeirização etc.

Tudo para superar a contradição das contradições que, Marx acreditava, levaria o Capitalismo ao túmulo: a lei da taxa de lucro decrescente, paradoxalmente através do seu próprio sucesso: aumento da produtividade pela tecnologização e automação, mudando a composição orgânica do capital – mais precisamente, o decréscimo do trabalho vivo, elemento crucial gerados da mais-valia.

Mas Marx não esperava, e sequer imaginava, a incrível combinação criativa entre o chamado Grande Reset Global do Capitalismo (agenda de reformas econômicas do Fórum Econômico Mundial) e a indústria do entretenimento.

“O mundo está quase todo parcelado, colonizado, conquistado, dividido. Penso nas estrelas, quantos vastos mundos poderemos atingir... eu anexaria os planetas, se pudesse”, suspirava o empresário britânico Cecil Rhodes no início do século XX. Imaginava que a única forma do Capitalismo subsistir seria a colonização de outros mundos - Leia HUBERMAN, Leo, História da Riqueza do Homem, LTC, 2010.

Mas, e se outras civilizações na galáxia estiverem pensando na mesma coisa? E se a ambição de capitalistas terráqueos e alienígenas der “match”? E se o chamado Grande Reset Global do Fórum de Davos for, secretamente, um conluio com ambições colonialistas alienígenas?

Marx não sequer poderia imaginar um livro e sua adaptação cinematográfica Paisagem com Mão Invisível (Landscape with Invisible Hand, 2023), dirigido e adaptado por Cory Finley (Throughbreds, Bad Education) que acompanha um aspirante a pintor adolescente e sua família que lutam para ganhar dinheiro suficiente para manter a própria residência degradada.

Uma vizinhança chafurdada na angústia financeira, condições de vida degradantes e a maioria vivendo dentro de carros ou debaixo de pontes. Os poucos empregos que restaram são precarizados enquanto a forma mais comum de ganhar alguns trocados é selecionar o lixo despejado de naves alienígenas que ocupam o planeta – o que resta inteiro da queda, tentam vender em feiras de pulgas. 



Esses aliens são os Vuvv, que jocosamente uma linha de diálogo os descreve como “mesas de centro gosmentas sencientes” – eles observavam o planeta desde a década de 1950, mas se mantiveram à distância. Até perceberem a conjuntura econômica propicia. Foram alegremente recebidos pela elite econômica que viu a oportunidade de aplicar a tecnologia superior Vuvv no reset do Capitalismo: Realidade Virtual, Inteligência Artificial etc. 

O resultado foi a concentração acelerada de riqueza numa elite insular que paira acima em luxuosas cidades flutuantes, a serviço dos Vuvvs e sendo excelentemente pagos. A maioria dos que ficaram nas cidades degradadas, nem para serem explorados mais servem – foram progressivamente substituídos pelas IAs.

O mais dramático foram os professores, substituídos por tutores virtuais que ensinam a cultura e história Vuvv – até as escolas desaparecem, substituídas pelas aulas remotas virtuais.

Enquanto a mídia bombardeia mensagem motivacionais sobre empreendedorismo e meritocracia – não crise, mas apenas oportunidades...

Baseado no livro homônimo para jovens adultos de M.T. Anderson, o filme é atravessado pela sátira e senso de humor estranho camp, combinando tensão racial e situações bizarras e surreais onde humanos interagem com as estranhas criaturas gosmentas que parecem ter apenas duas preocupações: explorar e vivenciar o prazer voyeurista de observar a reprodução sexuada humana – os Vuvvs são assexuados, eles apenas “brotam”.



O Filme

A narrativa de Paisagem com Mão Invisível é episódica, pontuada pelas telas do aspirante a pintor adolescente Adam (Asante Blackk) – suas telas mostram o que era a vida desde antes dos Vuvvs ocuparem o planeta e os diferentes episódios que se sucedem na vida resiliente e angustiante da maioria humana. 

Os Vuvvs são longe de serem criaturas ferozes. Se assemelham a caranguejos eremitas sem conchas e se comunicam esfregando suas mãos semelhantes a pás – tornaram a maioria da população obsoleta com sua tecnologia avançada, forçando os humanos a buscar formas precárias e indignas de ganhar dinheiro.

Enquanto ainda existiam escolas, Adam se apaixona por uma nova aluna chamada Choloe (Kylie Rogers), e convida sua família em dificuldades e vivendo na rua a ficar na casa degradada da sua família (eles ainda têm sorte de terem uma casa) onde ele, sua mãe Beth (Tiffany Haddish) e sua irmã Natalie (Brooklynn MacKinzie) estão morando.

As tensões surgem entre o pai de Beth e Chloe (Josh Hamilton) e o irmão (Michael Gandolfini) porque os recém-chegados não podem pagar o aluguel. Isso leva Chloe a sugerir uma "transmissão de namoro", onde ela e Adam transmitem sua vida de namoro para um público alienígena pagante - uma espécie de canal YouTube intergaláctico, transmitido através de implantes futuristas – “nodles”. Os Vuvv, que se reproduzem assexuadamente, têm uma fixação voyeurista na cultura de namoro humano e no romance. É tão enervante e sombrio quanto parece.



Logo o esquema começa a dar certo: os espectadores alienígenas crescem e a monetização do canal aumenta. Com o dinheiro podem até comprar “comida de verdade” – a única comida acessível é um composto processado em cubos. 

Porém, transmitir ao vivo sentimentos não é fácil, e logo deixa de ser espontâneo. Os Vuvvs descobrem a encenação e respondem com um processo contra o canal. Pedem o dinheiro pago de volta. Para a mãe (uma advogada desempregada de Harvard) conseguir um bizarro acordo: Beth vai viver uma vida conjugal com um jovem Vuvv que vai desempenhar o papel de um pai de uma típica família nuclear do sonho americano – ele é obcecado pelos sitcoms dos anos 1950 sobre felizes famílias conservadoras norte-americanas.

Grande Reset hipo-utópico

Não é preciso muito esforço para perceber o forte comentário social do filme, alinhando-se à tendência atual hipo-utópica da ficção científica - diferente da distopia (onde ainda há um “topos” chamado “futuro” como mundos diferentes dos atuais ou, pelo menos, advertências sobre no quê o mundo atual pode se tornar), na hipo-utopia (no sentido de “futuro insuficiente”) não há mais futuro: o porvir nada mais é do que a projeção dos problemas atuais – a diferença é que no “futuro” eles se transformarão em pesadelos.

A história do professor que se matou ao se ver substituído por uma IA alienígena; Beth, a advogada formada em Harvard obrigada a trabalhar num quiosque que vende sopas; ou então o motorista de uma espécie de Uber da ilha flutuante da elite que é um neurocirurgião – precisa fazer “bicos” porque o que ganha é irrisório. Todos os personagens do filme ressoam a precarização do trabalho no capitalismo ATUAL.

Paisagem com Mão Invisível não é ficção científica stricto sensu, mas uma sátira hipo-utópica: a tecnologia alien é aquela que já está entre nós, com as conhecidas consequências sociais e políticas – exclusão, violenta concentração de riqueza, o abismo cada vez mais profundo da desigualdade e assim por diante.



Mas também o filme ressoa uma conhecida tese conspiratória dos meios de pesquisas ufológicas: será que governos e elites econômicas não só sabem sobre a presença alien nesse planeta como também trabalham em estreita parceria com eles? Será que o salto tecnológico das últimas décadas veio principalmente do contato com a tecnologia avançada extraterrestre?

Ou extrapolando essa teoria conspiratória: será que depois de tantos saltos mortais que o Capitalismo deu para se reinventar e mitigar suas próprias contradições, o seu último salto poderia ser, por assim dizer, intergaláctico? 

Lembrando, de forma invertida, a ambição de Cecil Rhodes citada acima – não foi o Capitalismo que anexou os outros planetas, mais foram extraterrestres que forneceram a pedra de toque tecnológica necessária para, mais uma vez, o Capitalismo se revolucionar ao custo social altíssimo.

Karl Marx jamais imaginaria que a Economia Política se tornaria uma disciplina híbrida com a ficção científica...


 

Ficha Técnica

 

Título: Paisagem com Mão Invisível

Diretor: Cory Finley

Roteiro:  Cory Finley, M.T. Anderson

Elenco: Asante Blackk, Tiffany Haddish, Kyle Rogers, Brooklyn MacKinzie, Josh Hamilton

Produção: Annapurna Pictures, MGM

Distribuição: MGM

Ano: 2023

País: EUA

 

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